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^ The John Cárter Brown Library ^
^ Brown University «s^
^ Purchased from the ^
^ LouisaD. SharpeMetcalfFund f
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CARTAS
D O
P. ANTÓNIO VIEYRA
da Companhia de JESU
TOMO PRIMEIRO.
OFFERECIDO
AO eminentíssimo senhor
NUNO DA CUNHA
E ATTAYDE
Preshytero Cardeal da Santa Igreja de Roma
do Título de Santa Anaflafia , do Confelho
de Efiado , Guerra , e Defpacho de Sua
Magefiade , Inquifidor Geral nejle$
Remos y e Senhorios de PortugaL
LISBOA OCCIDENTAL,
Na OíEcina da Congregação do Oratório.
M.DCC.XXXV,
Cem todas as Ucmças ncceffarlaSé
H
y f
eminentíssimo senhor.
■■■■
AO he trihfdto j he refli-^
tuíçao o livro qne offe^
reco a V, Emmencia , pots a fua generofa curio^
ftdadefez a mais numero/a collecçaõ das Cartas do
Grande Padre António Vieya , e com o feo pa^
trocmto fe refolvèraõ muitos dos cfue com dlfculpa^
i:ely mas cruel avareza , guardavao taõpreclofos
orlgmaes , a fiallos de quem os havia de Impri-*
mlr , Jèm o perigo de os vulgarizar. Deve ame^
morla do Author a V, Eminência o mayor bene^
fido , pois nefias Cartas brilhao mais a fuadou^
trina moral ^politica , erudita , e dlfcreta , o zelo
* ii dã
ãa Religião , a fidelidade àfua Pátria , a fcien^
aa^ e a elegância em que floreceo , e que V.
EmmenciatanPõama ^ e patrocina. Também de'^
voaF. Eminência mais o favor de me permittir
que enconcorrejfe , para que fe puhUcaJfe Obra
taó excellente , dando-nos a efperança de que com
a fua protecção fayao à luz outros efirit os do
Grande Padre António Fieya , e entre elles o
dezejado lwrodeC\z\\sVxo^h.ttzxxím, que efie
Author preferia ^ naô menos'que a todas as outras
obras fuás. Na Corte de Roma , e nas principaes
de Europa , em que F, Eminência tad dignamen-
te app are ce o , achou F, Eminência, que ainda
depmdequafi meyo feculo permaneciao oseccos
defle mftgne Orador : mas pouco importava , que
elleme mflmjfe ioda a fua eloquência , fe a rara
rnodeflta de F, Eminência me nao interpuzejfe
inviolável filencio , para que o que he Dedicató-
ria , nao continuaffe Panegyrico ,• e efie he o um-
€0 facrificío , que faço com violenaa aos preceitos
de F, Eminência, que athe nefla parte hey de fe^
^uirporaffeao, e por obrigação, Deos guarde a
F, Emmencia muitos annos,
Bejo as mãos de V. Eminência
Seo amigo, e mayor cativo
Conde de Ericeyra.^
PRO.
PROLOGO.
SAHEM emfím à luz as promettidas e
desejadas Cartas do Grande Padre
António Vieyra, quefielrríente fe co-
piarão dos feos originaes. Efta he fó a Apolo-
gia de que neceffitaÕ , porque o nome delle
infigne Author o affegura da injufta íiippoíi-
çaÕ 5 de que haja críticos tao atrevidos , que
poíTaÔ cenfurallas. A efte primeiro volume
haõ defeguir-fe outros à proporção, que íe
forem juntando outras Cartas , havendo jà
baftantes para formar fegundo , e terceiro to-
íno. NaÕ íe duvida , que com os illuftres ex-
emplos do Eminentiflimo Senhor Cardeal da
Cunha , do Duque do Cadaval D. Nuno
Alvares Pereira , e de outros , que generofa-
Biente enriquecerão o mundo literário com
- - eftes
éR-es preciofos thefouros ; continuem a par-
ticipar ao Conde da Ericeira , que principiou
|i fazer efta collecçaõ , ou ao Padre António
jdosReysdaGongregaçaõ do Oratório, que
à^?^^^^^^_' ^^9 J^^ ^s Cartas, mas todas as
mais obras deííe incomparável Author , por-
que todas haõ deimprimir-fe, dando a glo-
ria a quem vencer a difculpavel avareza com
que as occultava, e ainda fera mayor efta glo-
ria aos que iiluftrarem a memoria de íeos pa-
rentes , e amigos , moftrando que tiveraõ a
fortuna de huma ta5 eftimavel correfpon-
dencia. Para facilitar efta empreza fe publica-
rá no fim defta coUecçao hum Catalogo de
todas as obras de que ha noticia , ainda que
fej ao fragmentos defteinfigne Author , pois
naõ merecem mayor eftimaçaõ os que.íejun-
taÕ dos Efcritores antigos , naõ cedendo o
Padre António Vieyra a Marco Tullio na elo-
quência das oraçoens , e excedendo-o na no-
breza dos aflumptos. O mefmo fe verá agora
nas^cartas, pois nem asEpiftolas familiares
de Cicero faõ mais próprias , nem as que ef-
creveoaPomponio Attico faõ mais elegan-
tes. Eftes foraõ òs motivos para fe imprimi-
rem as que parecem mais naturaes , e menos
ftre j que também ha vicio e abtifô èm naS
proporcionar o eftilo com o aííumpto : e qtie
tem igual perigo a elevação , que o abati-
mento j e por iíío he o eftilo chamado médio
6 que ha de feguir-íe nas cartas , imagens vi-^
vas da locução , em que fe communicaó natu-
ralmente os penfamentos , e em que perma-
nece mais que em outro género de efcritos ,
vivo o retrato de quem as efcreve. Muito pu-
dera nefte lugar difcorrer-fe dos Authoresy
que com pouca felicidade efcrevèraÕ os pre-
ceitos da Artedeefcrever cartas, e dos que
com. mayor acerto dèraõ os exemplos ,• e mo-
ftrar , que ex cep tas as fagradas , que a fé rejp-
peita em S. Paulo, e nos outros Authores Ca-
nc nicos , e as que venera em S. Bafilio , e em
outros Santos Padres antigos, que efcolhè-
raõ o eftilo epiftolar para publicar as verda-
des Catholicas , faõ as cartas do Padre Anto*
nio Vieyra as melhores entre asquefecon-^
fervaõ dosEfcritores mais eruditos, porque
na facilidade as na5 excedem , como já íè
ponderou, as familiares de Cícero, nem as
que efcreveo a Attico , e a Quinto : nem na
difcriçaõ, e viveza merece Plinio mayor ef-
timaçaõ, fendo eftes dous Efcritores os me-
lhores exemplares de efcrever cartas , que-
^ " deixou
^deixou a Antiguidade , pois as de Séneca fa5
fóFilofoficas, eas deSimaco , e Caffiodoro
defeculo bárbaro. Outras Gregas, e Latinas
felem efpalhadas em diverfos Autfiores , que
como naõ faõ de hum fó , naõ podem entrar
ao exame. Depois que a íingoa Latina fe ref-
taurou, florecèraò Policiano, Sadoleto , e ou-
tros muitos no eftilo de efcrever cartas. Nas
lingoas vulgares tem todas asNaçoens EC-
critores , mas na5 em grande numero , defte
eftilo. Tudo difcorre doutamente Manoel de
Faria e Souza no Prologo e Comento das pou-
cas Cartas, queexiftem do Grande Luis de
Camoens , e que brevemente haõ de ira-
primir-fe com os Comentos , que fâltâ5 ao
•nefmo Poeta. No noíTo idioma fó D. Fran-
cifco Manoel divulgou Cartas , de que algu-
mas faõ eftimaveis j naÕ tratando das eípiri-
tuaes do Grande Padre Frey António das
Chagas , nem das manufcritas de grandes
Miniftros, e homens doutos, muito dignas
de publicar-fe* Nas lingoas vulgares pudera
aqui referir , e comparar os mais celebres Ef«
critores de Cartas , fe foíTe neceíTario pane-»
gyrico, ou apologia, parallelo, ou compe-
tência entre o Padre António Vieyra, e, ou-
tros Efcritores. Naõ fegídenàraõ eftas car-
" " ""^ " ^ "^ ' taç
■I
tâspela ordem rigorofaj e Chronologka, em
que foraõ efcritas , como , naõ fem utilida-
de, fevè em alguma edição de Cicero , por-
que ainda qne os fucceíTos davida defte Au-
thor fe percebem melhor nefta forma , como
ella vay obfervada em cada liuma das corref-
pondencias , que, feguindo o eftilo commum,
vaõ feparadas , fe percebem melhor , fem in-
terromperfe os motivos , e os fucceíTos. Tam-
bém as naõ dividi por matérias , por naÕ alte-
rar a referida fuppofíçaõ • e porque a varieda-
de hemais agradável pelas razoens folidas,
queda onoíToAuthor na primeira parte dos
feos Sermoens , quando no Prologo fe juftifi-
ca de os naõ repartir pelas matérias , nem pe-
la ordem dos tempos , e feftas do anno. Daõ
efperanças alguns curiofos de qtie, de mais de
quatro centas cartas que jà eftaõ juntas,fe da-
rá noticia de mais demil,que anciofamente fe
dezejaõ 3 e também fe efpera accrefcentar
Sermoens, Difcurfos politicos, Poéfías , e ou-
tras Obras de que jà temos baftanteríumero
para continuarem em muitos volumes eftas
admiráveis producções. Poucas faõ as cartas,
que fe naõ publicarão , e menos os periodós ,
que fe omittiraõ ; o que fó fe fez , quando os
fegredos que continhaõ naõ prefcrevèraõ
iU
com
com o lapíb do tempo. &c. A Vida do Grau-,
de Padre António Vieyra eftà efcrevendo o
ReverendiíTimo Padre André de Barros da
Companhia de JESUS , e da Academia Real.
A ííia Fama pofthuma com a Relação das Ex-
équias , que com grande pompa fez celebrar
çm S. Roque a efte Varaõ^ififigne o Conde da
Ericeira em 17 deDezfembr)) de 1697. com
as Poeíias em diverfas lingbas , domasEm^
prefas , e Emblemas , e corri o exCellente Ser-
ixiaõ , que já corre impreíTo , queíez naquelle
nobiliílimo Ado o Reverendiíliiíoo Padre D.
Manoel Caetano de Souza Clérigo. Regular ,
faraÕ completa a ferie das obras mais eftima-
das do mundo, traduzidas em muitos idio-
ixias , e dos íeos Elogios , que também haò de
imprimir-fe com tudo quanto poíTa contri-
buir á gloria do Padre António Vieyra , que
na virtude , nas letras , na politica , na fideli-
dade à fua Pátria , na moderação da profpera
fortuna , na conftancia na adverfa , e em ou-
tras relevantes circunftancias , ou igualou ,
ou excedeo os homens mais celebres de todos
os fcculos , acreditando a Lisboa liia Pátria ,
ca Portugal, de quem foy o adorno maisii-
luftre.
LI-
n^^^v
LICENÇAS
D
do Santo OlEcio.
iir«i
O LIVRO que V. Eminência foy fer-*
vido mandarme rever , tem por ti-
tulo : Cartas do Padre António P^t*
e^a , e efte fobrcfcritó bafta para recommen*
daçaõ das mefmas Cartas. Os preceitos da ar-
te Oratória faõ diíFerentes dos que fe devem
©bfervar nas Cartas^ mas como o juizo do Pa?-
dre António Vieyra os podia dar em toda a
matéria , naõ faõ menos excellentes , no íco
género , as íuas Cartas do que as luas Ora-
ções Evangélicas. Omodo de dizer he diverlb,
como pedia adiíFerença dosefcritos ,• mas o
padre António Vieyra em huns e outros,
igual , e fempre o mefmo : Princepe , como
Tullio, dos Oradorcs,e Meftre, também co*
WíiZ
mo
mo ellè"'^ ^ò èílilò epiltdlár. Fublíqttetti-íe
ipois eftas Cartas para lervirem de exemplar à
'buíras ; e com efta utilidade teremos também
ò gofto dever nellas eftampado hum vivo e
fiel retrato do Padre António Vieyra. Muito
tempo ha , que o pincel e o bõril nos dèraõ a
íiiaeifigie, mas naõ pôde a arte reprefentar-
nos nella as perfeiçoens da alma, que he o
que Marcial também dezejava no retrato de
outro António :
Ars utmam mores , ammumque effingere
•■.poJfet\
Pulchrior in terris nulla tahella foref.
O corpo (diíTe o mefmo Padre António
Vieyra no Sermão de feo Patriarca San-
to Ignacio ] retratafe com o pincel , a alma
com a penna. Aonde fe retratou ellc me-^
lhor,do que nas fuás Cartas? Todos os efcritos
faÕ retratos de feos Authores ,• mas nenhuma
deitas pinturas tem tanta alma, ou reprefenta
a alma taõ fielmente , como as cartas : Ammt
Tumetr. fiú ftmulachrum ojí/tfqm ^ tmagmem , epijlolam
^èi,%Z'cH-foy^^^' Eét efl qmdem >ex alia omnt oraúone vt^
ttone. dere ac nofiere mores firiptoris^ ex nulla tamen
éequè atque ex epíjiola , dizia Demétrio Phàla-
reo, peritiíTimoneftaartc. Os outros retratos
teraõ melhor colorido , mas o das cartas heo
mais
Mart. l
IO. Epl
grãmat,
32. de
Imagine
M. 4n
Unii.
mais natural, porque neHas tem menos lu-
^gar o artificio. Aííimli€, e aflim omoftrarâ
efte livro. Nelle vera o Leytor naõ fó diver-
fas cartas do Padre António Vieyra , mas ao
-Padre António Vieyra por diverfos modos
retratado nas fuás Cartas. Em humas lhe pa-
recerá, que oeftávendo inftruir nos myfte-
rios da Fé aos índios mais incultos do Mara-
nhão ^ em outras conferir naHaya, emPa-
riz 5 em Roma com os Miniftros mais in-
ftruidos y os myftcrios mais occultos das Mif-
^íbens Politicas em que fervio a Pátria. E lan-
hando por todas os olhos reconhecerá o ger
nio fublime , o engenho agudo , o juizo
prudente , o difcurío fecundo , a politica
.Chriftãa , a urbanidadc difcreta, a graça
junta com a gravidade , o defprefo do mun-
do com o refpeito aos Princepes , o cuidad®
da confervaçaõ do Reyno com o da faKaçaÕ
própria , a paciência , a conftancia , a Reli-
gião 5 e com eftas as demais prendas e virtu-
des de que foy dotado , para fer , e porque o
era hum taõ grande homem. Defta forte fç
retratou o Padre António Vieyra nas luas
Cartas^ e fe alguém fe admirar de o ver nel-
las pouco favorecido da fortuna 5 niflo meft
mo pôde. conhecer , que he verda.deirA o re-
tratoj
trato ; e que a mcfma fortuna advcrfa com íu*
pcriorimpulíb lhe moeu as tintas, econcor-
reo com as íbmbras para realçar a pintura, c
a fazer mais dignada eternidade. Defta goza
jà no Ceo aOriginal , e digna he de fe perpe-
tuar pela eftampa a copia que delia nos ficou
neftas Cartas , nas quaes fe confervará junta-
mente a memoria das peíToas aquém foraõ
efcritas , e que nellas eítaõ também retrata-
das. No decoro das expreíToens moftrou o
Padre António Vieyra a foberania das Pcf-
foas Reaes , c na nobreza de eftilo a de ou'-
trás Pefloas iiluftres com quem fali ava. To«
das nos reprefentou com primorofo acerto,
todas com o feo próprio e devido caraóter j
porque era fingular o tento com que o feo
pincel efcreria , ou a íua penna retratava. EA
crcvendo de Roma ao SereniíSmo Princepe
D. Theodofio , dâ o Padre António Vieyra
principio â carta cõ eftas p^hvrzsiMeo Prin*
cepe yC meo Senhor da minha alma ^ mas ainda
que efte modo de fallar pareça arguir mais
confiança do que refpeito , c por efta caufa fc
naô ufe no tratamento dos Princepes, naS
deyxa de ter exemplo femelhante; e quando
efte faitaíTe , o Padre António Vieyra o podia
fazer com a fiia auth^ridade* Na Epiftola que
ferve
fefvc de Prologo à íúa Hiftoría Natural , cha-
ma Plinio , feo , cEmperador jucundiífimo a
Vefpafiano a quem a efcrevia : e fe aíTim fal-
lava hum homem taõ douto, e taÕ advertido
a humEmperador proveólo em anno§ c cm
triunfos , porque naõ ufaria o Padre António
Vieyra de termos femelhantes, fallando com
hum Princepe queeftava na flor da idade, e
que era melhor Tito [filho de melhor Vef-
pafiano ] e melhor que ellc , delicias de feos
vaííal los ? No corpo da Carta diz também o
Padre António Vieyra ao Princepe D. Theo-
dofio, que lhe manda naqudle papel alua
alma toda^ e bem omoftra a mefina carta ,
porque toda he alma. Nella lhe infpira os di-
â:arnes e meyos mais opportunos para fe fa-
zer temido , c amado : temido dos inimig os ,
amado dos Portuguezes. Nella o anima com
asrazoens mais fortes e mais vivas a fahir a
campo naõ fó para defender , mas para exce-
der com o valor os limites do Reyno , dila-
tando-o dentro do domínio dos feos aggref-
fores. Nella finalmente lhe oíFerece com a al-
ma unidas todas fiias potencias para lhe aíTif-
tirem , como auxiliares na guerra. Ifto he
( ainda que fiimmariamente,e mal referido) o
que diz àquelle Grande Princepe o Padre
An-
António Víeyrâ; e eíles os que chama atre^.
virnentos do feo amor, e de que lhe pede per-
dão depois de concluir a carta : mas feme-
Ihantes atrevimentos naõ fó faõ próprios do
amor^ fenaõ dehum entendimento taÕ va-^:
lente, como prudente , o qual naõ eílà atado
a os preceitos communs , e fabe fahir delles ,
fem fahir de fi, quando o pede a occafiaÕ. De-;
fta carta pois,, e de todas as mais defte livro
feguramente poílo dizer , que faõ dignas do
Padre António Vicyra que as efcreveo , dig-
nas de V. Eminência a quem fe dedicaõ , e
por todos os titulos dignas de íe eftamparem.
Efte he o meo parecer: V. Eminência manda*
rà o que for mais acertado. Lisboa Occiden-*
tal , e Congregação do Oratório em 24 de
May© de 1734.
João CoL
EMÍ-
aNDAME V. Eminência ver efte
livro intitulado : Cartas do Padre
António Vteyra , gloriofo timbre
daNaçaóPortugueza, Meftre Univerfal de
todos os Declamadores Evangélicos , ventu-
rofoAlumno dafempre efclarecida Compa-
nhia de JESUS : e que interpondo o meo juí-
zo , diga o meo parecer fobre a eftampa defte
livro j mas que parecer fera o meo , lendo no
principio defte livro o nome defeoAuthor!
Foy o Padre António Vieyra taõ celebrado
pelo fmgular dafua eloquência , taÕ conheci-
do pelos remontados voos da fua penna , ta5
applaudido pelos nobiliííimos partos da fua
fabedoria , que para formar juizo defte livro ,
baftava ler nefte livro aquelle nome.
Difcorrendo o Abulenfe , fobre qual íeria
o motivo 5 que obrigou a David a efcrever
muita parte do primeiro livro dos Reys com
o nome de Samuel , chegou a dizer , que todo
o motivo fora , porque tiveíTe mayor autori-
dade aquelle livro. Era Samuel hum homem
de taõ agigantados créditos , que baftava o
iV
ko
feo nome pára callfícar âcjuclíe livro. Quem
ler iiefte livro o nome do Padre António Vi-
eyra , naõ tem mais que ler : Nam fatis Au-^
thoris dkere nsmen erat. Nas Cartas, que neíle
livro fe lem efcritas , quem naõ hade achar a
alma do feo Author copiada neftas Cartas?
Quem dirá, que acabou a vida o Padre
António Vieyra lendo nefte livro eftas Car-
tas? Quem dirá, que morreo o Padre António
Vieyra , fe attender á eloquência com que
nos falia cada dia ? Quem vendo divulgar ca-
da dia novos efcritos feos , naõ hade crer,
que conferva a vida o Padre António Vieyra,
ou entre os concurfos da Corte pregando, ou
em o retiro do feo cubiculo efcrevendo ? Eu
o contemplara aífim , quando vejo nelle toda
a fua alma , todo o feo ardor , e todo o feo ef-
pirito.
Que mal o imaginaÕ aífim , os que fiaõ a
fua memoria dos bronzes, e das eftatuas. A
eftatua mais perfeita fe compõem de.fermo-
fa boca , mas naõ falia ,♦ de prodigiofas maõs ,
mas naõ obra : por grande que feja o artificio
e primor , fera taõ inútil , como aquelles fin-
gidos fimulacios da Gentilidade. Hum livro
fim, quehe eftatua viva. Falia , ainda que
naõ tem boca , porque enfina , defengana , e
avi^
âvíza. Obra , amdâ , que naõ tem maos ; por-
que os mefmos eíFeitos faz em noíTos cora-
çoens , e entendimentos , que o feo Author
pudera fazer , eftando vivo.
Quando confidero entre os celebrados
delirios da Gentilidade taõ empenhado a
Prometheo em animar huma eftatua: quando
taõ empenhado o vejo em roubar, para lhe
communicar alentos , huma , ainda que bre-
ve, faifca daquella divina chama, reconhe-*
ço, que caminhava errada a fua fantaíia , ea
fua idèa. Sc o que trabalhou como pincel a
fua deftreza, tivera fido emprego da ma pen-
na, naõ Ihecuftára tanta diíEculdade o ani-
malla: fe fe valera do papel, como fe valeo do
mármore , e do bronze , eternidades vivera a
fua eftatua. '
Non mortar , fed vtvam , dizia David a
Deos. Senhor , eu naÕ heide morrer , viver
fempre , iíTo fim. Parece temeridade , e he
difcriçaõ j parece rebeldia à ley impofta s
todos os humanos j e naõ foy ( diz Eutfiimio )
fenaõ huma rcfignada antevifaõ de fuás im-
munidades. Addit Euthymius ( refere Lori-
no ) Davidem fe immortakm affirmare , quia
fua cantka canentur perpetuo , Êf dlorum com-*
pofítio nullo umquam tempore defickt»
Naõ
- Na5 fe temia, Dâvid de morrer , como to*
dos : mas conhecia, que ainda depois de mor-<
rer , havia permanecer entre os homens vi-
vo. Soube muito David , trabalhou muito,,
efcreveo muito. Sabia , que aquella ta5 elo-
quente , taõ fentenciofa , e taõ admirável
compofiçaõ dos feos Pfalmos havia perfe-?
verar em todo e tempo viva em a commua
aceitação de todos. Pois (diz David) naõ he
ifto morrer • he fim gozar os foros de immor-
tal. Non mortar , fed vivam. Será morrer , em
quanto a fepararfe a alma de hum corpo , em
cjue preza vive : mas naõ he morrer , porque
fe conferva viva em o mundo , em tantos cor-
pos de livros , quantos fe admiraõ efcritos.
ConfeíTo.que morreo o Padre António Vi-
eyra • mas fe o outro fe contentava com dei-
xar hum íeftemunho de haver vivido em o
mundo: Galenus mthí denemt diu viver e z
reknquamakqmd^ quod me tefletur vixt(fe . Plin.
epiíl. 2. que poderey eu dizer de quem nos
deixou tantos, e taõ authorifados teftemu-
iihos. Eftes dizem , que o Padre António Vi-
eyra pagou o tributo de mortal ^ mas que ain-
d^ >vive , e eternamente vivirà em noíío
aíi?or 5 e,f m a nofíaeftimaçaõ -.jAvhque fem^\
per , atqtfç-eúam, laúus m memoria hQmmum , ^
õí;M fer-
firmone verfabiíur ^ poflquam aí? ocu^ts recejfit,
Plin. Lib. 2. epift. i. E fe affim vive na noíTa
eftimaçaÕ pelos feos efcritos^ ávida na noí-
. laeftimaçaõ lhe continua quem com tanto
aííe£to fe empenha em expor aos noíTos
olhos os feos efcritos^ Neftes naõ tem , nem
pôde ter lugar a menor ceníura , porque fen-
do V. Eminência o feo Mecenas , naõ podem
deixar defer conformes ánoífa Santa Fe , e
bons coftumes 5 e aífim digniílimos de fe da-
rem à eftampa.Efte be o meo parecer. V. Emi-
nência mandará o que for fervido. S. Domin*
gos de Lisboa aos 20 de Julho de 1734»
Fre^ Manoel Coelho
• 1; il... '. • • =■
'- . \
.f £f^i t>p oaipgii ,s]3í
Vifta
íílas as ínfonnaçoens , pôde-fe impri-
mir o primeiro tomo das Cartas do P.
António Vieyra , e depois de impreíTo , tor-
nara para fe conferir , e dar licença que corra
fem a qual naõ correrá. Lisboa Occidental
23. de Julho de 1734.
Akncaflre, Teixeira
Silva» Cahedo,
DO ORDINÁRIO.
Ode-fe imprimir o primeiro tomo das
Cartas do Padre António Vieyra , e de-
pois de impreíTo tornará para fe conferir e
dar licença que corra, Lisboa Occidental %6
deAgoitode 1734,
^ Goíwea^
DO
DOPA
SENHOR.
ANDAME V. Mageílade , qne
vendo efte livro , o primeiro tomo
das Cartas do Padre António Vi-
eyra , enterponha o meo parecer. O preceito
de V. Mageílade faz precifa a obediência ,
mas o refpeito, e o nome do Author a faz im-
praticável: Quem hade fazer juizo das Car-
tas de hum homem , que encheu o mundo to-
do de âdmiraçoens , fendo as mefmas admi-
raçoens curta esfera â íua grandeza ? De hum
a outro mundo o levou o deílino^, muitos fe-
riaõ os motivos , em que difcorriaõ os juizos ;
mas o certo he , que a natureza , fempre pro-
vida, quiz moílrar^ que hum fó mundo era
pequeno theatro para a reprefentaçaÕ de
hum homem taÕ grande. Em Roma , cabeça
do mundo, ©cabeça toda ^ appareceo o Pa-
dre
J
áre António Vieyfâ , e admirada de tao pro-
fundo, e elegante juizo, conheceo , que a
verdade do que via, era muito mayor , que
agrande opiniaÕ , que foava naquella Cúria
pelos clarins da fama. O mefmo Pay daCõ-
panhiá , è grande Pay , o Padre Paulo Oliva ,
mandou imprimir , com o íèo , o Sermão do
Padre António Vieyra na beatificação do
Santo Eílânislao , nzõík envergonhando , de
que efte Filho pareceíTe mayor que o Pay ,•
mas que muito , fe çfta Águia Evangélica tile
a4í mefmo fe excedia? Eu conheci em Madrid
ao R everendiSi mo Padre Meílre Frey Felip-
péHortis deMendoça Definidor Geral dos
Jvicrcenarios calçados, homem igualmente
douto , e virtuofo , que naÕ lia os Sermoens
do Padre António Vieyra,fenaô proílrado de
joelhos , dizendome , que naquella reverente
attcnçaÕ moftrava os elogios, que na5 fa-»
biaõ explicar as vozes. O mundo fem contra-
dição lhe deo a coroa de Princepe dos Orado-
res , e ainda que muitos quizeraÕ feguirlhe os
paíTos^athè agora nenhú lhe chegou ao thro-
no : trabalhão com fadiga , mas direy ( como
dizia o mefmo Padre para outro intento) que
como remaÕ contra maré , he mais a agoa ,
queíliaô, que a que vencem. E fefubiotao.
glorio-
gloriaftilfiefiiç a^ Principado dos Prègatía*
sm i^tnh^Q à luz m ftia^ Çarta^ , atbè ag<3^|
eaeubertas oaainbiciofa ci^í^iofidade do^fa»*
bíQs j para que naõ haja Império d^ €m<ii'^
çaõ , de que efte Grande Padre uaõ feja Mo-»
narca, Muitos efcrevéraõ livros de Cartas ^^
todos bem , e melhor que todos o Padfe Att^
tonjo Vieyra , para íèr em tudo Meftre ; d-*
gumhouvç, queimprimipeftilo de efçrevçç
cartas I mas naõ pôde haver eílilò certo , de-
vendo nas cartas medirfe a diíFcrença pela
peíToe j que efçreve , a quem, como, e de que;
nas do Padre António Vieyra fe achara efte
eftilo bem regulado pelas diíFerenças ponde-
radas. Delias tem o publico , e o particular ,
que aprender ; e nefta geral utilidade, efp
qup naõ f6 feat tende ao paíTado , mas coqi
gr^fides documentos , que podem fervir pára
o futuro , n aõ h a p ^e nía , mas con ve ni-en ci^
grande , para oferviço deV. Mageftad^. Ç
ainda que em quem as offerece ^ e a qa^m,|ç
dedicaõ , tem eftas Cartas grandes defenfo-
res , dtpms4^^ largp , ^l^m confiderado ex-
ame , he jufto também , que corraõ naõ fó
com licença , mas com a protecção de V.
Mageftâde ,• que eu dezejára também enca-
minhada 2i Ohx^ Ao Clavis Pr ophetarum ^ fin-
* V guiar
galar cfifvelo do Padre' ÀntoníòVieyra /e
appeteeido cuidado de todo«. Êiit tive à fortu-
na de a ler ^ e aouvir let muitas vezes , e ain-
da que em partes imperfeita , nao deve fnf-
pénderíe a íua piiblicaçao , que eíla he a ma-
yor gloria do Padre António Vieyrâ, nao ha-
ver quern pofla ííippriraqueUas faltas. V^
Mageftade mandara o que for fervido. Lisboa
Occidental 9. de Settémbro de 1754.
Z). Alexandre Ferreira.
'li;
Ue TépofFa iiriprJmif víftas as liceií*
çás do Santo OíEcio e Ordinário , e
defpòis de impreflo tornará a efta Me-
fa jpára fe conferir e tayxar e dar licença para
correr fem a qual naõ correrá. Lisboa Occi-
dental 9. de Settembro de 1734.
Pereira^ Teixeira^
VIfto eftar cotifórme com o Origi-
nal , pôde correr. Lisboa Occiden-
tal 9. de Agofto de 173 í*
Alencafire. Teixeira. Cale do ^
Soares, Ahreu»
VIfto eftar conforme com o Origi-
nal, pôde correr. Lisboa Occiden-
tal 9. de Agofto de 173 J*
Goíwea*
Q
Ue poíTa correr ^ e tayxaõ em mil
e duzentos reis. Lisboa Occidental
9. de Agofto de 173 J..
feixeír^l Bojukhol
■íí^aO o moo Danoinu^ 'IèÍi'^ oilTT '^
^íilfi^íiTi-i ""i .'íiX^^ViliV
,í
^'y:':v.íd
.•xr>f> '.■
♦ 'v r
'--t^
fCilVi^^^gk, ♦fi'v;y/.Vo^
CARTA I.
A certo Miniftro da Corte
de Lisboa.
Oi> '^.Sí'l i
ESTE mefmo navio tenho es-
crito a SuaMageftade, ea V.
M. largamente da Corte de
Londres j agora o faço deite
porto de Dbuvres , onde eílou
para me partir daqui a huma hora pa-
ra o de Cales ,_ fem embargo de eílar a-
quella Cidade, impedida de jpefte ^ porque
tenho o perigo da^ dilação por mayor de
todos ,• e naõ vou por Bolonha como ti-
nha determinado , porque ha noticias cer-
tas que andaõ na barra fragatas de Often-
de , que he o Dunquerque d' agora : e paf-
T^om: /. A ' fando
ir'*'i"'
2 CARTAS
fando , como faço , no paquebote , que he o
barco do Correyo ordinário , vou fegurò
de coflarios , por fer livre. Para em Cales
me naõ impedirem a fahida , nem nas ou-
tras Cidades athè Paris me negarem a en-
trada por hir de lugar infe^o , levo paffa-
porte e recomendação do Embaixador de
França que eftá nefte Reino, o qual tam-
bém me remetteo osmaíTos das embaixadas
debaixo dos feos , que foy a mayor feguran-
ça com que fe podiaõ enviar ,• e a tudo o
mais do lerviço de Sua Mageftâde fe ofFe-
receo com boa vontade. Medindo as jor-
liadas , efpero eftar em Paris dia de S. Frán-
cifco, Deos nos ajude e guarde a V. M.
muitos annos , como dezejo. Douvres 30,
de Setembro de 1647.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA.
CARTA II.
5
--.■£. ir
Ao mefmo Minijlro.
NA5 quero deixar de dar novas 1111-?
nhãs a V.M, porque fey que V.M. a$
eftimarâ , fendo melhores do que a
falta delias , e a tardança da minha viagem
haverão lá pronofticado. Cá fe cuydou que
éramos tomados , ou perdidos , e para tur
do houve occafiaó , porque lidamos com
inimigos , com tempeftades , com outros
infinitos géneros de trabalhos , e perigos,
de todos os quaes foy Deos lêrvido livrar-
me , ;e trazer-me ao cabo de jp. dias á
Paris , onde fico ao ferviço de V. M. de
faude , que naõ he pouco , havendo pade-
cido tanto , é naõ lem efperanças de que
os nég<3!CJos a que Sua Mageftade ío^ fer-
vido mandar-me, tenhaõ o fim queV. M.
e eu lhe dezejamos. Segundo o eftado em
que V. M. tinha pofto aquelle negocio ,
entendia eu que neftes últimos navios vief-
fem novas de eftar já publicado. Sô me
A ij peza-
4 ^AM^fmmymnrm^fs m oo.:
pezarâ , que fe contra elle fe levantarão
algumal diíEculdaJes , haj ao prevalecido os
authores defte mal entendido zelo contra
os que o tçm mais j^erdadeiro. Quanto mais
ando pelo munda I mais n\e confirmo nef-
ta verdade : e fe os que eftaõ neíTe Reyno
tiveraõ íahidò delle ; tíambem íahíriaõ da
eegUeira:iem que vivem neftá>,< % ém loiitris
materia?S4 ^Bafte ò; exemplo do Mkrquès .de
Niza^ íe 'O do íeo F. Franciíco de Macedo^
os quaés , tendo fido de taó contraria opi-
maõí*^i^quc iium deO; Gonfelhos y e o outro
ejfcr^veolllíros- contra ^Ifá , depois qíid tí-»
t^õ-*^ >mundo /tfo- ihe àbriraõ os dlho^' áé
maneira , «q^e-ambos fe iem retratado ,• e Ò
Marquês antes <'de'€U> vir^ti^ha^cícrido á -S?
Magèftade pedindb j com. granule- aperto õ
nieímo. de ^ue Nos í tratamos yé-fe- preza
muito de fer efte o feo voto. Os proveytos
que da execução defte negocio /e efperaõ ,
íaõ infaliiveis^ e áífim -.o prometem todos o's
Pòrtuguezes deftas pàitôs . , que falko com
menos receyo nas acçoens do que os que
lá vivem. Todos eftaõ muito íentidos de
ElRey de Caftella pola deftrui^aõ ; que 'íe
tem feito 'nas índias , e porque de p'ré^'
* zente
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. j
zente tomou todas as confignaçoens a to-
dos os Affentiftas Portuguezes [exceptuan-r
do nomeadamente os Genovezes ] de que
receberão igual perda e efcandalov Agora
he o tempo de que experimentem favor em
féo Rey natural, para que tratem de o fer-
vir antes a elle. V. M. vá por diante com
efta empreza , e diga a ElRey N. Senhor
o que fente , pois V. M. fabe , que co-
nhece Sua Mageftade a verdade , e intei-
reza do zelo , e juftiça de V. M. e quam
livre, /K^ de todos os outros refpeitos mais
que o de feo mayor ferviço , que por efta
via fe adiantaria com grandiíímas venta-
gens 5 e quando a experiência as naõ mof-
traffe,, JOu:della fe feguiíTe algum grave in-
conveniente , á concèíTaÕ defte privilegio
naõ tira a Sua Mageftade o poder para o
derogar , ou mudar quando for fervido. Ao
P, Manoel Monteyro me fará V. M. mercê
de oíFerecer por mim efta , em quanto o
tempo me naõ dá lugar, athè lhe efcrever
particularmente : e k {ç, defcuidar em fal^
lar a Sua Mageftade fobre o negocio que
ficou à conta de S. Reverendiffima , V. M.
iho lembre , e lho requeira por parte do
^ CARTAS
fcrviço de Deos c bem da Pátria , porque
fey quanto importaráó íuas diligencias pa-
ra o levar ao cabo , polo grande conceyto
que S. Mageftáde tem de luas letras , vir-
tude , e zelo. Deos guarde a V. M. mui-
tos annos como dezejo^ e como o noffo
Reyno ha mifter. Paris 2j. de Outubro
de 1(^47,
Servidor de V. M.
António Vieyr^.
CAR-
DO P. ANTOKIO VIEYRA. >
CARTA III.
Ao mefmo Minijiro.
\ Enhor meo : eícrevo efta jà de Olanda,
e ainda <jue fe ãugmenta a diftancia ,
e a aúzeticia , poffo affirmar com toda a
verdade a V. M. <jue naõ fe diminuem ,
antes crecem cada ves mais as íaudades*
L embrome dac|uella$ horas folitarias deíTa
Secretaria , em que o coração de V. M. e o
meo , como taÕ conformes no zelo , e no
dezejo , fe coftumavaõ entriftecer , ou con-
folar juntamente : c de huma , e outra
couza oíFerecem cada dia os tempos novas
cauzas , mas íèm aquelle allivio , que athê
por carta me falta na cinco mezes.
Pelo aíTento que tomou o Confelho de
Bftado fobre os agradecimentos , cfxt íe
mandarão ao Emoaixador Francifco de
Souza, julguei <juânto lâ feeftimarâ acon-
clufaõ defta paz. Nas primeiras cartas que
cfcreyi de Paris \ quafi a fegurey pelas que
JBC moftrou o Marquês de Niza. Nas fe*
% CAUTAS.; . ^
giindas a comecey a duvidar pelo que fuy
experimentando ; e agora tenho por quaíi
certo , que fe nao concluirá, por mais que
digaõ os que vaõ , e efcreva5 os que ficaõ,
ainda „ que a paz entre Caftelia e Olanda
fe publique , que lie o termo que lhe aíTig-
naõ os Miniílros de França, e noíTos. O
fucceíTo da Bahia, Senhor, he o que para
ícmpre nos liade concertar , ou defcon-
certar com efta gente , e athe vir recado
delle, poderão entreternos com conferenci-
as , mas naõ hao de concluir o Tratado.
Sobre o modo da guerra que íe deve
fazer, efcrevo o que me, ditou o zelo, e o
dezejo de que acertemos em negocio taõ
grande , e taõ arrifcado. V. M. rifque , e
emende o que lhe parecer menos acertado,
mas peço-lhe muito, feja devoto que ven-
çamos antes em féis mezes , doque arris-
carmos tudo em hum dia. Concertemos a
Armada , eftorvemos os mantimentos ao.;
inimigo ,• e eu feguro o CmBando refiltmtrem.
Manoel de Sequeyra levahuma viadeP
te papel , e o P. Jofeph Pautilier meo
Com panheyro outra , encomendo-o muito a
V. M.. e porque neftamefma occafiaõ te-
nho
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. >
ítilío cançado a V. M. com oito cartas de
differentes matérias para Sua Mageftade ,
e algumas muito largas, naõ quero dilatar
mais efta , e acabo com pedir a noíTo Se-
nhor muito bons principios de annos de
48. em que Deos nos faça ver as felicida-
des que as profecias nelle parece nos pro-
mettem. Haya 30. de Dezembro de 1*^47.
Depois de efcrita efta houve conferen-
cia hontem 3. de Janeyro na forma que
V. M. la vera. As efperanças da paz an-
tes fe adiantarão que diminuirão : muitas
graças devemos a Deos que peleja , e ne-
gocea por nos. A Armada tem arribado
duas vezes , perdeo jâ alguns navios , vay-
Ihe morrendo gente, e os ventos cada vez
mais contrários , e tempeftuofos : e jà fe
períuadem alguns deftes Fieis Chriftaõs e
feos predicadores , que naõ quer Deos que
vaõ ao Brazil ,♦ com que eftaõ mais bran-
dos , os que furiofamente queriaõ a guerra:
mas ainda pedem como quem a naõ teme.
Agora era o tempo de negociar , mas co-
mo o dinheiro , e os créditos efta5 na
maõ do Marques , e fe gaftaõ três íèma-
nas com hir e vir o correyo , perdem-fe oc-
Tom* L B çâfioens
«o ., Ç A ;R-'H1^^A S ..j
cafioens que ás vezes coníiftém ^m hum
momento. Eu naõ approvo, nem condeno,
mas ou Sua Mageftade naõ fie as embaixar
4as de quem naõ fia o dinheiro , ou fie o
dinheyrp de quem fia as embaixadas.
O màyoremais verdadeiro
* ';: ; Servidor de V. M.
António Vieyra,
CARTA
me mo
S^> . !:•
r.
0.
lltU:
Screvo efta por vi^,4e França par;?,
avizar a V. M. como fico arriba^
. <lo^m Barcelona, ond^ çheguey
Sábado 21, do corrente, 13. dias depois
de partir delTe porto : e já eílivera no d^
Leorne fegundo nos foraõ favoráveis os
tem-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. xi
tempos : mas a pezar de tudo nos meteo
aqui o Capitão do navio , que he natural
deíla terra ; onde fem duvida nos detivera
muitos dias , fe o Governador o naõ obri-
gara a faliir : hoje nos tornamos a embart
car , quererá Deos que nos acompanhem
os mefmos ventos que ainda vaõ continu-
ando , pofto que com receyos de fe muda-
rem , por eftar mos v ei» -veíper^s 4e, Ipa, ifiQr
va, ••■■ " ■ ' ■ ' "^ ^* vfi-íi víHí -''^^^ ■''"' ■^'^' *
As novas que poíTo dar a, y. M. de
Catali^nha , faõ : haver hum anno que lhe
falta. Vizorey ,• -eftâ nomeado o Duque; 4e
Mer^urip:, e fobre naõ acabar de chegar v
fe falia variamente : tem-fe pela cauza
mais verdadeira , na5 querer , ou naõ lhe
Eoder dar hoje França o fem que elle naÕ
ade vir ^ entretanto governa a guerra
Monfieur: de Marcin Francês , o politico
D. Jofeph de Margarit Catalão : e a hum
.e outro aífifte fem titulo o Bifpo de Maria
huma das melhores cabeças de França. A
^Ue e ao Governador ouvi fallar fobre as
couzas de Portugal , com huma noticia
;taõ inteira de tiido , e com circunftancias
taõ particulares , taõ miúdas ^ e taõ inte-
B ij riores.
11 C A R TAS.
riores , que affirmo a V. M. fiquey igual-
mente efpantado do muito que fabem de
nòs , e magoado da pouca noticia que nòs
temos delles , e dos mais. O poder que tem
França em Catalunha riaõ arriba de dous
mil cavallos , e athè quatorze mil infan-
tes nosprefidios , fuftentando tudo há mais
de hum anno à cufta do Principado. A$
confequencias que daqui tiraõ os Catalães^
e as que nòs podemos tirar, deixo ao dif-
trurfo de V. M. Com efte ta5 pequeno po-
der fe atreveo o Marques de Marcin a hir
efta femana intentar huma interpreza fo^
bre Tarragona 5 havia de fer na noyte de
antehontem , e naõ fe fabe athegora mais
que haverem-íe ouvido tiros pela madru-
gada, final de que foraõ íèn tidos. Os dias
paíTados fahíraõ os Caílelhanos da meíma
Tarragona fobre efta parte de Barcelona
que fó difta onze legoas , com hum exerci-
cito de loU. infantes , €3500. cavallos, es-
perando que com a vizinhança defte po-
der haveria quem tomáíTe a vôs de Caftcl-
la nefta Cidade 5 mas no mefmo ponto
foraõ lançadas delia ^ e levadas a França
e á outras apartes , todas as peíToas princi-
pães
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 13
^acs de que havia qualquer fofpeita , po-
fto que a nenhum fe lhe provou , nem
averiguou culpa j e com efte defengano fe
retirou outra vez para Tarragona o ex-
ercito Caftelhano , defmantelando fomente
as fortificaçoens de alguns lugares peque-
nos que eftaõ junto à marinha fem execu-
tarem hoftilidade alguma , nem nas pef-
foas , nem nas fazendas , porque o feo m-
tento era ganhar com bom tratamento
os ânimos dos Catalaens , e a efte fim qua-
fi todos os Cabos do exercito eraõ naturaes
de Catalunha , como também o he D.
Joaõ deQuaray, a cuja ordem vinha tudo.
O CoUeitor que aqui eftâ , que he boa
peflba , e dezejofo de fer promovido para
^ííe Reino , me deo a nova do Cardeal
Albernòs fer morto ,• com que teremos
menos em Roma hum grande inimigo. Ef-
tava feo hofpede o Duque dei Infantado ,
jqúe. naõ havia muito era chegado com feo
Tio o P. Pedro Gonçalvez de Mendonça.
Sahio por Geral da Companhia o P. Fran-
cifco Picolomini Senenfe, efe fizeraÕ tam-
bém todos os AlTift entes , menos o de Por-
tugal^ cuja eleição fe fuípendeo athè a che-
gada
í4 CA R T A S
gada dos Padres Portuguezes , que ainda
que partirão tarde , parece que liiraÕ a
tempo ,• eu o naÕ tenho para íer mais
largo. Guarde Deos a V. M. muitos an-
nos como dezejo. Barcelona 13. de Ja-
neiro de 1^50,
António Vieyra.
ctr-
.0
TA V.
Ao Príncipe 2). Theodq^oi
Senhor.
_y ÒiJ^i;
EO Principeíe meo Senhbr da
minha alma. Pelos avizos que
vaÕ a S. Mageftade entenderá Vi
A. com que coração efcrevo.efta , e mui-
to mais com que raiva;,, er com que impar
ciência ,'"vendome. prezo , e ataído; para
na5 poder em tal occafiaõ hirme deitar
aos pês de V. A. e acharme a feo lado em
todo o perigo. Mas eu romperey ás cadeas
quanto mais de prelTa me for poflivel , e
-^■■''■■'\ par-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA, i j
partir^y voando ^ fe naÒ a fazer compa-
nhia nos trabalhos do principio , ao rneno«;
a ter parte nas glorias , e alegria do fim :
que eíres fa5 os paíTos por onde fe haÕ de
-encaminhar os iucceífos , € felicidades def-
te fatal anno , ou feja a guerra fó em ter-
ra 5 ou fó no mar 5 ou juntamente em am-
bas as partes f porque o meo roteiro naõ
elpecifica o género , nem as particularida-
des delia j empregado todo em referir ,
admirar , e celebrar as vi<^orias.
Ah Senhor ! que falta pôde fer que fa-
ça a Y. A. nefta occafiaÒ efte fideíiílimo
criado , e cjuaõ poucos cônfidero a V. A.
com a reíbluçao , e valor , e experiência
que he neceffaria para faberem aconfelhar
^ V. A. o que mais lhe convém em taõ
Sl pertados cazos ! mas jà que na pre-
zença naõ poíTo , aconfelhe a V. A. a
ininha alma que toda mando a V. A.
fiefbe papel , e com toda ella lhe digo ;^
que tanto que chegar efta nova , V» A.
togo fem efperar outro preceito , fe ponha
de curto o mais bizarro que poder fer^ e íe
fayíi a cavallo por Lisboa , fem mais appa-
t^to^ nem companhia , que a que volunta-
./ riamente
Í6 C A R T A S
riamente feguir a V. A. moftrando-fe no
femblante muito alegre , e muito defaluf-
tado , e chegando a ver , e reconhecer
com os olhos todas as partes em que fe
trabalhar, informando-fe dos defignios , e
mandando , e ordenando o que melhor a
V. A. parecer , que fempre fera o mais a-
certado j mandando repartir algum dinhei-
ro entre os Toldados , e trabalhadores , e
fe V. A. por lua maÕ o fizeíTe levando pa-
ra iíTo quantidade de dobroens , efte feria
o meo voto , e qae V. A. fe humane co-
nhecendo os homens , e chamando-os por
feo nome , e fallando naõ fó aos grandes ,
e medianos , le naÕ ainda aos mais ordi-
^^arios ; porque defta maneira fe conquifta5
e fe conformaõ os coraçoens dos vaíTallos
os quais fe V. A. tiver da íúa parte , ne-
nhum poder de fora fera baftante a entrar
em Portugal ; fendo pelo contrario muito
fácil ainda qualquer outra mayor empreza
a quem tiveífe o dominio dos coraçoens.
S. Mageftade tem nefta parte huma venta-
gem muito conhecida , que he cftar de pof»
fe , e poder dar , quando Caftella fó pôde
prometer. Como há poucos Antonios Vi-
eiras
DO P. ANTÓNIO VffiYRA. 17
eiras jhâ também poucos que amem fó por
amar , e S. Mageítade na5 deve efperar fi-
nezas , fenaõ contentar-fe muito de que
fe queiraò vender aquelles , que lhe for ne-
ceíTario comprar. A pólvora, as balas , os
canhoens faõ comprados , e bem fe vê o
Ímpeto com que fervem , e o eftrago que
fazem nos inimigos : e mais natural heem
muitos homens o intereíTe que neftes inf-
trumentos a mefma natureza. Os que me-
nos fatisfeitos eftiverem de S. Mageftade ,
eífes chegue V. A. mais a fi , que impor-
tará pouco que no affedo fe divida5 as von-
tades com tanto que no eíFeito S. Magef-
tade e V. A. as achem obedientes e uni-
das. Faca-fe V. A. amar , e nefta fó pala-
vra digo a V. A. mais do que pudera em
largos difcurfos. Coníidere V. A. Senhor
que efta he primeira acça5 em que V. A.
hade adquirir nome ou de mais , ou de
menos grande Princepe. A idade, o enge-
nho , as obrigaçoens , tudo eftâ empenhando
a V. A. a obrar conforme feo Real fangue,
e moftrar ao mundo que he V. A. herdei-
ro de feos famofiflímos Primogenitores ,
naõ fó no cetro , mas muito mais no va~
Tom. L C lor.
i8 C A R T A S
lor. Toda Europa , cujos ouvidos eftaõ
cheos de louvores de V. A. eílâ com os o-
Ihos neíla occaíiao que he a primeira em
que V. A. fahe a reprezentar no theatro
do mundo , e na qual o nome que V. A.
ganhar com as foas acçoens , fera o por
que lerá avaliado e eftimado para fempre.
Naõ aconfelho a V. A. temeridades , mas
tenha Portugal e o mundo conceito de V.
A. que antes defpreza os perigos do que
os reconhece. O que tocar á fegurança da
peíToa de V. A. deixe V. A. fempre ao a-
mor e zelo dos feos vaíTallos , mas na5 a-
ceitando nefta parte confelho, que de mui-
to longe poíTa tocar ao decoro. A vida ef-
tâ fó na ma5 de Deos , eefta he aoccafiaò
«m que fervem as íitofofias que tantas
vezes ouvi a V. A. do defprezo delia. Da
mefma criação de V. A. fahio Achilles a
fer terror de Troya , e fama de Grécia : e
efta mefma defconfiança [ a qual inculco a
V. A. ] o fez mais Achilles, Eyameo Prin-
cepe , defpida-fe V. A. dos livros , que hc
chegado o tempo de enfinar aos Portugue-
zes , e ao mundo o que V. A. nelles tem
cíludado. Armas
Guerra, Vidorias, pôr
ban-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. i^
bandeiras inimigas ^ e coroas aos pês , faõ
de hoje por diante as obrigaçoens de V.
A. e eftas as minhas efper ancas. Oh como
as eílou já vendo naÕ fó defempenhadas ,
mas gloriofamente excedidas ! A graça do
Efpirito Santo ^ que he Efpirito de fortaleza,
affifta fempre no coração de V. A. cuja
muito alta , e muito poderofa peíToa guar-
de Deos como a Igreja , e os vaííallos de
V. A. havemos mifter, Roma 23.de Mayo
de 1(^50.
Faço meo liibftítuto ao P. IgnacioMaf-
earenhas , a quem peço ouça V. A. com
grande confiança neftas matérias , porque
ho muito de feo valor , refoluçaõ , e confe-
Iho , que tenho bem experimentado. Per-
doe V. A. ao meo amor efte e os outros
atrevimentos defta carta.
António Vieyra,
Cíj
CAR.-
zo
CARTAS
CARTA VI.
A certo Minijlro.
E nao fora de tanto ferviço de Deos,
naõ me atrevera a inquietar a V. M.
a tal hora , mas a cauza me defcul-
pa, e a grande piedade de V. M. me ani-
ma. Hoje feremeteo aV. M. do Confelho
Ultramarino huma petição de replica do
Procurador do Brazil e Padres Miílionarios
do Maranhão , a quem S. Mageftade man-
da pagar ametade da Ordinária de que lhe
fez mercê nos dizimos da Bahia 5 e por-
que correndo eíle pagamento por maõs dos
Miniílros da Fazenda daquelle Eílado fica
muito incerto , antes totalmente he como
fenaÕ fora , como a experiência tem mof-
trado j e os Milionários no Maranhão naõ
tem , nem pcklem ter outra couza de que
fe fuftentem , nem acudir ao culto Divi-
no, e ás outras obrigaçoens da converfaÕ,
para as quaes fao neceílarios reígates , e
outras couzas , como na replica fe apon-
ta.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ii
ta } pedem e inftaõ os Padres que o dito
pagamento fe- lhes faça por maõ dos con-
tratadores , ou rendeiros dos dizimos , que
he o meyo que os Reys paffados tomâraó ,
para que os ditos pagamentos foífem eíFe-
aivos , affim ao Biípo e Clero , como aos
mefmos Padres da Companhia, por fe ex-
perimentar que todos os outros apertos
com que as Provifoens Reaes o mandavaõ,
naõ eraõ baftantes contra as neceíTidades
da Fazenda , ou verdadeiras , ou fuppoftas,
que os Miniílros allegavaõ ; as quaes cou-
zas no tempo prezente , por fer de guerras,
faõ mais ordinárias , e ainda mais juftifi-
cadas j com que ficara de todo perdendo-
fe a miffaõ , e o fruto que delia fe efpera.
E com a juftificaçaõ da refidencia a que
nos oíFerecemos [ que era o ponto em que
reparava o Confelho ] fica o negocio fem
inconveniente algum. E aííím me diffe o
Conde de Odemira , que o havia de votar^
por fer matéria muito clara, e o contrario
contra o ferviço de S. Mageftade , e o in-
tento que fe pretendia ; e do mefmo pare-
cer fey que eftaõ os demais -Confelheiros.
Com S. Mageftade falley efta tarde fobre
efta
M CARTAS
ÊÍla matéria , e porque elle fe parte fegun-
da feira , e a quer deyxar reíoluta , por-
que aífim importa pola brevidade com que
o navio em que ha5 de hir os Padres fe a-
grefta ^ foy fervido de me dizer , que da
fua parte diíTeíTe a V. M. que folgaria que
eíla informação fe fizeífe a tempo , em que
com ella fe pudeíTe confultar pela manliaa
no Confelho , e no mefmo dia íubiífe e fe
defpachaífe : e o mefmo me manda dizer
ao Conde de Odemira. Com efta vaõ os
Alvarás de que confta5 os exemplos , e o
principal fundamento da juftificaçaõ da
noíTa cauza , que V. M. nos fará mercê ,
de que naõ fayaõ da fua maõ , porque im-
portaõ. Tenho dito , e naõ recomendo mais,
porque a cauza fe recomenda por fi mef-
ma , e porque fey que para todas as dó
ferviço de Deos eftâ fempre muy prompto o
favor de V. M. que he a pedra fundamen-
tal dos que fobre elle haõ de aífentar feos
votos. Alfim que a V. M. caberá a mayor
e principal parte do merecimento defta
fanta obra : e todos nos ficaremos com
nova obrigação de rogarmos a Deos pela
vida e faude de V. M, que o Senhor guar-
de
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ^r
de por muitos annos , como havemos mii-
ter. Por fer a hora que he , nao vou le-
var efte papel , mas eftimarey y que V.
M. me mande dizer por palavra pelo por-
tador quando o hirey bulcar. Collegio j.
de Julho de i6^i\
Creado de V. M.^
António Vieyra.
CARTA VII.
jdo Príncipe.
Senhor.
ESTA efcrevo a V. A. no Cabo Ver-
de aonde arribamos depois de trin-
ta dias de viagem, obrigados de tem-
peftades , coflarios , e outros trabalhos , e
infortúnios que nella fe padecèra5. Eu , Se-
nhor ^naõ fey fe os padeci, porque defde a
hora
24 CARTAS
hora em que o Navio defamarrou deíTe
Rio 5 naÔ eílive mais em mim , nem o ef-
tou ainda , attonito do cazo e da fatalidade
da minha partida , e de naõ faber como S.
Mageftade e V. A. a receberiaõ , pois nâ5
he poílivel feremlhe prezentes todas as cir-
cunftancias delia : taes que na5 fuy eu o
que me embarquey , fena5 ellas as que me '
levarão. V. A. vio muito bem a prompti-
daõ e vontade com que me rendi à de S.
Mageftade o dia que em prezença de V.
A. me fez mercê fignificar queria que ago-
ra ficaíTe : mas como entaò fe aflentou que
procedeíTe eu em fuppofiçaõ de que havia
de vir , em quanto S. Mageftade de publi-
co me naõ mandava revogar a licença pa-
ra Íatisfaça5 dos Padres , filo eu aíTim , pro-
cedendo em tudo , como quem fe embar-
cava. Na vefpora da partida fuy avizar a
S. Mageftade e a V. A. da brevidade com
que fe apreíTava , e que naquelle dia decia
a caravella para Belém , e S. Mageftade
e V. A. me fizer aò mercê dizer que logo
da tribuna fe mandaria recado ao P. Viei-
ra , e na mefma tribuna o torney a lem-
brar a S. Mageftade : efperey todo aquel-
le
DO P. ANTÓNIO VffiYRA. 25
le dia em caza por Pedro Vieira , ou efcrito
feo 5 e naÕ veyo, mas â noyte recado que nos
foílemos embarcar em amanhecendo. Na5
tive outro remédio mais que fazer o avizo
que fiz aV. A. o qual enviey pelo primei-
ro portador que pude haver , ao Bifpo do
Japaõ , aíTim por naõ íer hora de putra peA
foa fallar com V. A. como porque todo o
outro recado que foíTe direito ao Paço , fe-
ria muito fufpeitofo naquella occafiaõ , em
que todos os incrédulos andavaõ eíprei-
tando minhas acçoens , e efperando ofuc-
ceíTo. Sahi emfim hindome detendo quan-
to pude , como avizey a V. A. mas na pra-
ya foube , que o Procurador do Brazil ti-
nha recebido hum efcrito de Salvador Cor-
ffia-i no qual lhe dizia , que elle failára
com S. Mageftade, que eu naõ hia para o
Maranhão : e que o Sindicante tinha or-
dem demo notificar aííím , quando eufofle
cmbar carme. Entendi entaò que S. Ma-
geftade tinha mudado de traça , e com ep
ia noticia , e fuppofiçaõ me fuy mais de-
fafuftado para a caravella , onde achey o
Sindicante , mas elle nao me diíTc couza
:|lguma. As velas fe largarão , e eu fiquey
Tom. L D den-
i6 CARTAS
dentro nella , e fóra de mim , como ain-
da agora eftou , e eftarey athè faber que
S. Mageílade e V. A. tem conhecido a
verdade e íinceridade do meo animo , e
que em toda a fatalidade defte íucceíTo naõ
houve da minha parte acçaõ , nem ainda
penfamento , ou dezejo contrario ao que
S. Mageftade ultimamente me tinha orde-
nado , e eu promettido. Naõ fey, Senhor, que
diga nefte cazo , fena5 ou que Deos na5
quis que eu tiveííe merecimento neftaMif-
faõ 5 ou que fe conheça que toda ella he
obra fua ,• porque a primeira vês vinha eu
contra vontade deS. Mageftade , mas vinha
por minha vontade , e agora parti contra
a de S. Mageftade , e contra a minha , por
mero cazo , ou violência ':? e íe nella hou-
ve alguma vontade , foy fô 'a de Deos , a
qual verdadeiramente tenho conhecido em
muitas occafioens , com tanta evidencia ,
como fe o mefmo Senhor ma revelara. Sò
refta agora que eu naÕ falte a taõ clara
vocação do Ceo , como efpero naõ faltar
com a divina graça fegundo as medidas das
forças com que Deos for fervido alentar
minha fraqueza. Emfim , Senhor , venceo
Ki Deos
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. £7
Deos. Para o Maranhão vou voluntário
quanto à minha primeira intenção , e vio-
lento cjuanto á fegunda ,- mas muy refignado ^
e muy conforme , e com grandes eíperan-^
ças , de que efte cazo , naÕ foy acazo , fe-
naÕ diípoíiçaõ altiííima da Providencia Di-
vina, como jánefte Cabo Verde tenho ex-
perimentado em taÕ manifefto fruto das al-
mas , que quando na5 chegue a confeguir
outro , fó por efte poíTo dar por bem em-
pregada a MiíTaÕ , e a vida. O muito que nef-
ta terra e nas vizinhas fe pôde fazer em
bem das almas , e a extrema neceííidade em
que eftaõ , avizo em carta particular ao
Bifpo do Japaõ , para que o comunique a
V. A. eo modo com que fácil e promp-
tamente íê lhe pôde acudir. Na5 encareço
efte negocio , que he o único que hoje te-
nho no mundo , e o único que o mundo
devia ter , porque conheço a piedade e ze-
lo de V. A. a que N. Senhor hade fazer
por efte ferviço , na5 fó o mayor Monar-
ca da terra , mas hum dos mayores do
Ceo. Eu naÕ me efquecerey nunca de o
xogar aíTim a Deos em meos facrificios of-
ferecendo-os continuamente , como hoje
D ij fiz
1% .AilYJE A R T AS
fiz os três, hum por ElRey que D eos guar-
de , outro pela Rainha N. Senhora , e
outro por V. A. e o mefmofe fard nanof-
fa Miíiaõ tanto que chegarmos a ella / e
em tudo o que nella le obrar e merecer,
teraõ S. Mageftade e V. A. fempre a pri-
meira parte. Princepe e Senhor da minha
alma, a graça Divina more fempre na al-
ma de V. A. e o guarde com a vida, fau-
de, e felicidade que a Igreja e os vaíTallos
de V. A. havemos miíler. Cabo Verde zj#
de Dezcíiibro de i(íj2,
António Vieyra.
CARTA VIII.
^0 mefmo Senhor,
Senhor.
<n
O Cabo Verde dey conta a V. A.
da minha partida e das circun^
ftancias fataes delia : e porque na-
queiie porto naÕ ficava navio para Portu-
gal,
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 29
gal /e pode fer que eíle chegue primeiro^
remetto nelle a V. A. a pymeira via da-
quella carta ^ efperando da grandeza e cle-
mência de S. Mageftade e V. A. que co-
nhecido por taõ evidentes demoílraçoens
fer efta a vontade Divina , S. Mageftade e
V. A. fe íirvaÕ de conformar com ella a
ordem que em contrario me tinhaÕ dado ,
pois naÕ fuy eu o que a defobedeci , fenaõ
Deos o que por meyos taÕ violentos , e in-
voluntários impedio a execução delia. Em*
fim Senhor , Deos quis que com vontade
ou fe«m ella eu vieífe ao Maranhão , onde
jà eftou reconhecendo cada hora mayores
effeitos defta providencia , e experimentan-
do nella clariffimos indicios da minha pre-
deftinaçaÕ , e da de muitas almas • e por
efte meyo difpoem que ellas , e eu nos fal-
vemos. Eu agora começo a fer Religioío ,
e efpero na bondade Divina , que confor-
me os particulariffimos auxilios com que
me vejo aífiftido da íua poderofa e liberal
maÕ, acertarey ao fer , e verdadeiro Padre da
Companhia , que no conceito de V. A, á?
inda he mais : e fem duvida fe experimen-
ta allim neftas partes, onde poftoque haja
outras
3© CARTAS
outras Religioens , fó a efta parece que dea
Deos graça de aproveitar aos próximos. O
defamparo e neceíTidade efpiritual que aqui
fe padece, he verdadeiramente extrema, por-
que os Gentios e os Cliriftaos todos vivem
^ quafi em igual cegueira por falta de cultu-
ra e doutrina , naõ havendo quem cathe-
quize , nem adminiftre facramentos • ha-
vendo porem quem cative , e quem tira-
nize , e , o que lie peor , quem o approve ,
com que Portuguezes , e índios , todos fe
vao ao inferno. AoBifpodo JapaÕ dou mais
particular relação de tudo para que o re-
prezente a V. A. de cuja grande piedade e
zelo efpero nos mandará foccorrer com
maior numero de Miííionarios , que he o de
que fó temos neceílidade , e naõ podem
vir tantos que naÕ fejaÕ neceíTarios mais.
Ah Senhor que fe perdem infinitas almas
remidas com o fangue de Chrifto , por na5
haver quem as allumie com a luz da Fé ,
havendo tantas Religioens neíTe Reino , e
tantas letras ociofas! Acuda S. Mageftade ,
Senhor, e ainda V. A. a efte defemparo por
piedade , por chriftandade , e por efcru-
pulo de que de todas eftas almas fe hade
pe-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 31
pedir conta aos Reys de Portugal , e a V.
A. como a Princepe do Brazil. Naõ peço
rendas , nem fuílentaçaõ para os que vie-
rem , que Deos os fuftentarà : o que fó pe-
ço he que venhaõ , e que fejaõ muitos , e
de muito efpirito j porque ainda que os que
cá eftamos , vamos fazendo , e hajamos de
fazer tudo o que podermos , fem perdoar
a trabalho , nem perigo , Mejfis qmdem
multa y operartj autem pauci : e fe CliriPto diz :
Rõj^ate ergo Dominum meJfis , ut rmttat ope-
rários m vtneam fuam , S. Mageílade e V«
A. que eftaò no feo lugar, faÒ os fenhores
defta vinha, a cujos Reaes pês proftrados o
pedimos com toda ainftancia. Ao Procura-
dor do Brazil efcrevo trabalhe por nos
mandar em todos os navios alguns fogei-
tos , pedindo-os aos Superiores de ambas as
Provincias , mas naõ confio que efta dili-
gencia feja efficaz , fe V. A. naõ interpu-
zer íua Real authoridade , mandando-o aílim
aos mefmps Superiores por huma ordem
muy apertada. Sejaõ , Senhor , eftas as prin-
cipaes cadeiras que V. A. reparta : venhaÕ
muitos meftres da Fé a enfinar e reduzir à
Chrifto eftas gentilidades : e perfuada-fe V.
> A».
ji CARTA S
A. mco Princepe , que lhe haode preftar
jnais a V. A. para a defenfaÕ e eftabilida^
de do Reyno os exércitos de almas que cá
íè reduzirem , que os de foldados que lâ fe
aliftarem. Non falvatur Rex per multam
vtrtutem , Êf g^gcís non falvahtur m mulútu-
dtne virtutís fua. Fallax equus ad falutem : m
ahundanúa aute vtrtuUsfude nonfahahttur, Rcce
aculi Domini fuper metuentes eum , et m eis ,
qm fperant fuper mifericordia ejus. Pfalm,
32. 1(5. A muito alta , e muito poderofa
f^eíToa de V. A. guarde Deos como os vaf-
àllos de V. A. ea Chriftandade hâmifter,
Maranhão 25. Janeiro de 1653.
António Vieyra.
CAR.*^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 33
CARTA IX.
A ElRey fobre as necejjida-
des ejpiriíuaes do Maranhão.
Senhor.
COMO V. Mageftade foy fervido en-
comendarme ta5 particularmente a
converfaõ da gentilidade defte Ef-
tado , e a confervaçaÕ , e augmento de noP
fa Santa Fé nelle , faltaria eu muito a efta
obrigação , e à da conciencia, íenaõ déíTe
.conta a V. Mageftade dos grandes defem-
paros efpirituaes , que em todas eftas par-
tes fe padecem , apontando com toda a
brevidade que me for poíTivel os danos ,
as cauzas delles , e os remédios com que fe
lhe pôde e deve acudir.
Os moradores defte novo mundo [ que
affim fe pôde chamar ] ou faõ Portuguezes,
ou índios naturaes da terra. Os índios huns
fa5 gentios que vivem nos fertoens, infini-
Tom. L E tos
■■
34 '■• '-E AMTA S
tos no numero , e divcrfidade de lingoas :
outros fao pela mayór parte Chriftaos
que vivem entre os Portuguezes. Deites que
vivem entre os Portuguezes , huns fa5 li-
vres j que eftaõ em íiias aldeãs : outros fao
parte livres , parte cativos que moraõ com
os mefmos Portuguezes , e os fervem em
luas cazas , e lavouras , e fem os quaesel-
les de nenhuma maneira fe podem íiiften-
tar.
Os Portuguezes , Senhor , vivem neftas
partes em neceíTidade efpiritual pouco me-
nos que extrema , com grande falta de
doutrina , e de facramentos , havendo mui-
tos delles que naõ ouvem miífa , nem pre-
gação em todo o anno pola naõ terem 3
nem fabem os dias fantos para os guarda-
rerrí , nem os guardaÕ , ainda que os fai-
baõ : nem há quem a ilTo os obrigue ; o qual
defemparo he ainda mayor nas mulheres,
filhos , e filhas, morrendo naõ poucas ve-
zes huns e outros fem confiffaÕ.
A principal cauza diílo ( deixando ou-
tras mais remotas ) he a falta de Curas é
Párocos ^ porque em toda a Capitania
do Maranhão na-5 há mais que duas Igre-
^ jas
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 3 5
jas curadas , huma na terra jfírme , outra na
Ilha, que he mais de fetelegoas de compri-
do , e outras tantas de largo , e toda po-r
voada j com que he impoííivel acudir hum
fó Sacerdote a todos os que o haõ mifter,
principalmente havendo-fe de hir a pè ,
porque em todas eftas partes naÕ ha nen-
hum género de cavalgadura. Accrefcenta-
fe a efta grande falta de Sacerdotes , ferem
pela mayor parte os que ha , homens de pou-
cas letras , e menos zelo das almas -, por-
que ou vier ao para ca degradados , ou
por naÕ terem preftimo com que ganhara
vida em outra parte , a vieraõ bufcar a ef-
tas. Também pertence efte Eftado no efpi-
ritual ao Bifpo do Brazil , o qual refide
na Bahia, que he diftancia de quinhentas
legoas com os Olandezes no meyo , e fem
recurfo fenaÕ por via do Reino ^ com que
«ftas ovelhas naõ podem fer ouvidas , nem
vizitadas , e vivem verdadeiramente fem
paftor.
O remédio defte graviílimo dano he
o multiplicarem-fe as Igrejas , e Curas nos
lugares que parecerem mais acc5modados :
haver huma PeíToa Ecclefiaftica de letras ,
e
wm
; í c A K r A s.^
e zeloj quefeja adminiílrador de todo eftê
Eftado, ou tenha outro género de íuperni-
tendência fobre o eípiritual de todo elle ,
eonio há no Rio do Janeiro : ou ao menos^
que para fiiprir todas eftas faltas fe mande
numero baftante de Religiofos , que tenhaÕ
por inftituto a falvaça5 das almas , e que fe^
ja5 peíToas obfervantes do tal inftituto ; por-
que o que tem feito grande mal a efte Ef-
tado, faõ homens Religiofos de vida e dou-
trina pouco ajuftada.
Os índios que vivem em caza dos Por-
tuguezes , pela miferia de feo eftado , e pe-
la natural rudeza de quaíi todos > ainda
cm m-uito mayor parte lhes tocaÕ todos os
defemparos efpirituaes acima referidos. Mui-
tos deites vivem:::e morrem pagãos , íem
feos fenhores , nem Párocos lhes procu-
rarem baptifmo , nem fazerem efcrupulo
diíTo. Os qne tem nome , e baptifmo de
Ghriílãos , muitos o receberão fem fabe-
rem o que recebiaò , e vivem taõ gentios
como dantes eraõ , fendo muito raros , ain-
da dos mais ladinos , os que fe defobrigaõ
pek Quarefma , eha Chriftaos de feííenta
annos de idade que nunca fe confeílárao.
Os
^tv^^^f^'
:;>':-í-^-l.^>^3i^::;!v.-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 37
Os mais dellcs perguntados quando fe con-
feflaraõ a ultima ves , refpondem que com
o Padre Luis Figueira , o qual ha de-
zafete annos que falta deííe Eftado. O mor-
rerem fem confiíTaò he couza muy ordiná-
ria , pricipalmente os que moraõ fora da
Cidade , e também he ordinário o abufo
de lhes naõ darem a Comunhão , nem na
hora da morte.
As cauzas taõ grandes defte dano , e
perdição das almas , fa5 a mefma falta de
Curas , e Sacerdotes, e principalmente de
Religiofos , que tenhaõ por inftituto eftu-
dar e faber a lingoa , porque fem ella a-
Eroveitaõ pouco os Curas , e fó os que a fa-
em lhes podem adminiftrar os Sacramen-
tos como convém , principalmente o do
Baptifmo, e da Confiffaõ, que faõosmais
necelTarios.
O remédio he haver baftante numero
dos fobreditos Religiofos que doutrinem os
índios 5 e baptizem e rebaptizem os cjue
eftiverem mal baptizados, e lhes admini-
ftrem os demais Sacramentos, como j a fa-
zem com grande fruto , mas faõ poucos
para taõ grande feara.
jg C AR TAS
Eíle dano he commum a todos os ín-
dios. Os que vivem emcaza dos Portugue-
zes tem demais os cativeiros injuftos que
muitos delles padecem , de que V. Magefta-
de tantas vezes ha fido informado , e que
porventura he a principal cauza de todos
os caftigos que fe experimentaõ em todas
noíías Conquiílas.
As cauzas defte dano fe reduzem to-
das à cubica , principalmente dos mayo-
res , os quaes mandão fazer entradas pelos
fertoens , e das guerras injuftas fem autho-
ridade , nem juftificaçaõ alguma • e ainda
que trazem alguns verdeiramente cativos ,
por eílarem em cordas para ferem comi-
dos , ou por ferem efcravos em íiias terras,
os mais delles faõ livres , e tomados por
força ou por engano , e aílim os vendem
e fe fervem delles , como verdadeiros ca-
tivos.
O remédio queV. Mageílade , Senhor ,
e os Senhores Reys anteceíTores de V. Ma-
geílade procurarão dar a efta tirania , foy
mandar totalmente ferrar os fertoens , e
prohibir que naÕ houveíTem refgates , e de-
clarar por livres a todos os jà refgatados
de
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 39
de qualquer modo que o foíTem. Efte re-
tnedio , Senhor , verdadeiramente lie o mais
eíFedivo-de quantos fe podem reprezentar,
mas he diíEcultofiflímo , e quafi impoíTivel
de praticar, como a experiência tem mof-
trado em todos os tempos , e muito mais
nos motins defte anno , fundados todos em
ferem os índios o único remédio e fuftento
deftes moradores , que fem elles perece-
ria5
O meyo que parece mais conveniente ,
e praticável ( como já fe tem começado a
executar ) he examinarem-fe os cativeiros,
e ficarem livres os que fe acharem fer li-
vres , e cativos os que fe acharem fer ca*
tivos .
Mas para que efte exame feja com a in-
teireza e juftiça que convém , naÕ bafta
que os Oíficiaes da Camera o julguem , ain-
da que feja com aíliftencia do Sindicante:
mas he neceíTario , que o mefmo Sindicante
approve os ditos exames , e julgue todas
eftas cauzas e proceflos delias , e nefta for-
ma parece que fem nenhum encargo de
conciencia poderão ficar cativos os que fe
julgarem por taes. E porque o Dezembar-
gador
40 CARTAS
gador Joaõ Cabral de Barros he peííoa de
taÕ boas letras , e procede com tanta juf-
tiça e inteireza em todas as matérias , pare^
ce que tudo o que V. Mageftade houver
de fiar de hum grande Miniftro , o pôde
fiar delle.
E quanto aos refgates para o futuro , fe
fe houverem de fazer entradas fó a eíTe
fim y fera dar outra ves nos mefmos incon-
venientes. Mas porque convém que haja os
ditos refgates , ao menos por remir aquel-
las almas j o modo com que fe podiaÕ far
zer juftificadamente he efte. Que as entrar
das ao fertaò fe façaõ fó afim de hir con-
verter os gentios , e reduzillos à íbgeiçaò
da Igreja eda Coroa de V. Mageftade ( co-
mo V. Mageftade metem ordenado) eque
fe neíTas entradas fe acharem alguns índios
em cordas ou legitimamente efcravos^ que
eíTes fe poíTaõ comprar , e refgatar , ap^
provandò-o primeiro os Padres que forenj
à dita Miífaõ , nos quaes , quando menos ^
haverá fempre hum Theologo e hum bom
lingoa ; e para que iífo fe configa como con-
vém 5 que o Capitão que houver de levara
feo cargo adita entrada, naõ feja fó eleito
pela
m
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 41
pelo Capitão Mor, ou Governador, fenaÕ
por elle, pela Camera , pelos Prelados das
Religioens e Vigário geral , porque fe a
dita Capitania for data do Capitão Mor ,
mandara quem vá bufcar mais feos interef-
fes que os de Deos , e do bem commum.'
Os índios que moraò em ííias Aldeãs
com titulo de livres , faõ muito mais ca-
tivos , que os que moraÕ nas cazas parti-
culares dos Portuguezes , fó com huma dif-
ferença , que cada três annos tem hum novo
Senhor , que he o Governador , ou Capitão
Mor que vem a eftas partes , o qual íe fer-
ve delles como de feos , e os trata como
alheos • em que vem a eftar de muita peor
condição que os efcravos , pões ordinaria-
mente os ocupaõ em lavouras de tabaco ,
que he o mais cruel trabalho de quantos
Há no Brazil , mandaô-nos fervir violen-
tamente a peíToas j e em ferviços a que naò
vaõ fenaõ forçados , e morrem lá de puro
fentimento : tifaõ as mulheres cazadas das
Aldeãs , e poemnàs a fervir em cazas par-
ticulares com grandes deferviços de Deos,
e queixas de feos maridos , que depois de fe-
melhantes jornadas muitas vezes fe apari*
- Tom. l F tâõ
4t C A R T AS
téò delias, naõ lhes daõ tempo para lavra-*
rem e fazerem luas roças, com que elles , íuas
mulheres e feos filhos padecem e perecem j
emfim em tudo faõ tratados como efcra-^
naõ tendo a liberdade mais que na
vos
nome , pondolhes nas Aldeãs por Capitaens
alguns Mamelucos , ou homens de feme-
Ihante condiça5 , que faõ os executores
deftas injufticas • com que os triftes índios
efta5 hoje quafi acabados e confumidos, e
para naõ acabarem de feconfumir de todo,
eíliveraõ abaladas as Aldeãs efte anno pa-
ra fe paliarem a outras terras, onde vivef-
fem fora delia fogeiçaõ taõ mal fofrida , e
fem duvida ofizeraõ, fe por meyo dehum
Padre bom Lingoa os naõ reduziramos a que
efperaíTem nova refoluçaõ de V. Mageílade.
As cauzas defte dano bem fe vè , que
naõ faõ outras mais que a cobiça dos que
governaõ , muitos dos quaes coftumaõ di-
2er , que V. Mageftade os manda cá para
que fe venhaõ remediar , e pagar de feos
íerviços , e que elles naõ tem outro meyo de
o fazer , fenaõ efte.
O remédio que ifto tem ( e naõ há ou-
tro ) he mandar V. Mageftade que nenhum
DO P. ANTÓNIO YíEYRA. 43
Governador, ou Capitão Mor poíTa lavrar
tabaco , nem outro algum género , nem
por íi 5 nem por interpofta peííoa , nem
occupem , nem repartaÕ os índios fenaõ
quando foíTe para as fortiíícaçoens , ouou^
trás couzas do ferviço de V. Mageftade ,
nem ponhaõ Capitaens nas ditas Aldeãs »|
e que ellas fe governem fó pelos feos Prin-»
cipaes , que faÕ os Governadores de fuás
Naçoens , os quaes os repartirão aos Por-
tuguezes pelo eftipendio que lie coftume
voluntariamente como livres , e naÕ por
força : e que no tocante ao efpiritual , vifi-
tem fuás Aldeãs, ou reíidaõ nellas , poden^
do fer , os Religiofos , o que coftumaõ fazer ;
que he à forma a que depois de muitas ex-
periências fe reduzio o governo das Aldeãs
do Brazil , fem fe intrometerem com os ín-
dios , nem os Vifo-Reys , nem os Gover-
4iadores , mais que mandando-os chamar
quando eraõ neceíTarios para o ferviço Real,
4ia paz ou na guerra : e fó deíla maneira
fe poderão confervar , e augmentar as Al-
deãs , e viver como Chriftaos os índios
*dellas.
Os índios do Sertão fegundo as infor-
r ij mações
44 C A R T AS
iriaçoens que há , faÕ muitos por todos eP-
tes Rios , e no Rio das Almazonas innume-
raveis : em todos eftes lie verdadeiramente
extrema a neceílidade efpiritual que pa-
decem y na qual neceílidade obrica fob pe-
na de peccado a charidade chriílaa a que
lejaõ promptamente foccorridos de MinilP-
tros do Evangelho que lhes enlinem o cami-
nho da falvaçaõ j e efta obrigação , Senhor,
em V. Mageftade e nos Miniftros de V,
Mageílade a quem toca por razaõ de feo
Officio, he dobrada obrigação j porque na5
fó he de charidade , íenaõ de juftiça,pelo
contrato que os Sereniílimos Reys anteceí^
fores de V, Mageftade fizer a5 com os Sum^
mos Pontifices ^ e obrigação que tomáraÕ
fobre íi de mandarem pregar a Fé a todas
as terras de íiias Conquiftas.
As cauzas de athegora fe ter feito ta5
pouco fruto com eftas Gentes, fa5 princi-
palmente as tiranias que com elles temos
uzado , havendo Capitão que obrigou aa-
tar dez murroens acezos nos dez dedos das
mãos de hum Principal de huma Aldeã pa-
ra que lhe deíTe efcravos , dizendo que o
havia de deixar arder , em quanto lhos na5
déífe.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 4y
déíTe, e affim o fes, Eíle e femelhantes ter-
rores tem feito o nome dos Portiiguezes o-
diofo nos Sertoens , e defautorizado muito
a Fé , entendendo os Bárbaros , que he fó
em nôs pretexto de cobiça , com que mui-
tos fe tem retirado mais para o interior
dos boíques , e outros depois de vir , fe
tornaÕ defenganados , outros nos fazem
guerra , e o mal que podem , e todos ( que
he o que mais íè deve fentir ) le eftaÕ hin-
do a milhares ao inferno.
O remédio confifte na execuça5 de to*
dos os remédios que athequi fe tem apon-
tado j porque fe os índios mal cativos íe
puferem em liberdade , fe os das Aldeãs
viverem como verdadeiramente livres , fa-
zendo íiias lavouras , e fcrvindo fomente
por íua vontade , e por feo eftipendio , e
fe as entradas que fe fizerem ao fertaõ fo-
rem com verdadeira , e naõ fingida paz ,
e fe pregar aos índios a Fé deJÉSU Chri-
fto , fem mais intereíTe que o que elle ve-
io bufcar ao mundo , que faò as almas , e
houver quantidade de Religiofos que apren-
daõ as lingoas , e fe exercitem nefte mi-
jiiílerio com verdadeiro zelo , naò ha du-
i vida .
4^ CARTAS
vida que /concorrendo a graça Divina , com
efta difpofiçaõ dos inftrumentos humanos ,
X)s índios íe reduzirão facilmente á noíTa
amizade , abraçarão a Fé , vivirâõ como
Chriftãos , e com as novas do bom trata-
mento dos primeiros , trarão eftes após de
fi muitos outros , com que alem do bem
efpiritual feo , e de todoS feos defcenden-
tes , terá também a Republica muitos índios
que a íirvaõ , e que a defendaõ , como elles
foraõ os que em grande parte ajudarão a
reftauralla.
Ifto he Senhor o que me pareceo repre-
zentar aV. Mageftade por íatisfazer àmi-
tiha obrigação , e por defcargo de minha
conciencia , encarregando muito com toda
a fubmifíaò que devo à de V. Mageftade o
remédio deftes graviílimos danos , que pa^
decem taõ infinitas almas , de todas as quaes
Deos hade pedir conta à V. Mageftade c
muito mayor depois de chegarem ás Reaes
mãos deV. Mageftade eftas noticias , naò
de ouvidas , mas de viftas e experiência ,
mandadas por quem V- Mageftade muito
bem conhece que nao veio bufcar ao Ma>^
ranhaó mais que o mayor ferviço , e a
ma?-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 47
mayor gloria de Deos , e que abaixo del-
le nenhuma couza procurou nunca , nem
amou tanto como o fervi ço de V. Magef*
tade.
lílo que tenho dito he o mefmo que
fentem todos os que com verdadeiro zelo
do ferviço de Deos e bem comum , e com
a larga experiência deíle Eftado dezejaÕ o
augmento efpiritual e temporal delle : nem
poderá dizer o contrario , fenaÕ quem fe
governar por razoens e intereíTes particu-
lares , que faõ os que em tudo o tem per-
dido.
Pelo que , Rey e Senhor , poílrados aos
Reaespês de V. Mageftade , eeni nome de
todas as almas que neftas vaftiíTimas terras
de V. Mageftade eftaõ continuamente def-
cendo ao inferno por falta de quem as dou-
trine , pedem ellas , e pedimos os poucos
Religiofos que cà eftamos pelo Sangue de
Chrifto com que foraõ remidas , que fe firva
V. Mageftade de nos mandar mais compa-
nheiros com que continuemos , e augmen-
temos o começado : e que quando naõ ha-
ja em Portugal ( como naõ há ) todos os
que fao iieceffarios , poíTaõ vir outros de
Nações
48 CARTAS
Naçoens fem fufpeita , comofempre feper-^
mitio , para que ajuntando feo zelo e traba-
lho com o noíTo, poíTamos todos juntos em-
prender e continuar eíla grande Conquifta,
para a qual as forças fos dos que cá efta-
mos faõ taõ deíiguaes , promettendo aV.
Mageftade em nomedaquelle Senhor , que
dá e conferva os Reinos , que eíla obra de
tanta piedade e juíliça fera o mais folido
fundamento fobre que Y. Mageftade pôde
eftabelecer Portugal , por cuja conferva-
çaõ , e augmento todos ofFerecemos conti-
nuamente os noíí^s facrificios , e todas as
almas cue por noíTo meyo fc falvarem fa-
raó no Ceo a Deos a mefma oração. Mara-
nhão 20. de Mayo de 1653.
António Vieyra.
CAR-
-aSiS'
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 49
CARTA X.
A ElRej.
Senhor.
No fim da carta de que V. Mageftít-*
de me fez mercê, me mandaV. Ma-
geftade diga meo parecer fobre a
conveniência de haver neíte Eftado , ott
dous Capitaens Mores , ou hum fó Gover-
nador. Eu, Senhor, razoens politicas nun-
ca as foube , e hoje as fey muito menos ; mas
por obedecer direy tofcamente o que me
parece. Digo que menos mal fera hum la-
drão , que dous , e que mais diíEcultofos fe-
raô de achar dous homens de bem , que
hum. Sendo propoftos a CataÔ dous Ci-
dadãos Romanos para o provimento de
duas praças , refpondeo que ambos lhe deiP-
contentavaÕjhum porque nada tinha , ou-
tro porque nada lhe bailava. Taes faõ os
dous Capitães Mores em que fe repartio eP
"te Governo. N. de N. naõ tem nada , N. do
%m. L G N^
Ç0 J\: C A R T A S
N. fiaÕ llie baila nada ,• e eu na5 feyqual
he mayor tentaça5 , fe a neceíTidade , fe a
cobiça. Tudo quanto ha na Capitania do
Pará , tirando as terras , naÕ vai dez mil cru-
zados , como hje notório , e deita terra hade
tirar N. do Isl. mais de cem mil cru-
zados em três annos , fegundo fe lhe vaõ
logrando bem as induftrias. Tudo iílo fahe
do fangue e do íiior dos triftes índios, aos
quaes trata como taÕ efcravos feos , que
nenhum tem liberdade nem para deixar de
fervir a elle , nem para poder fervir a ou-
trem : o que além da injuíliça que fe faz
aos índios , he occaíia5 de padecerem mui-
tas neceíTidades os Portuguezes , e de pere-
cerem os pobres. Em huma Capitania def-
tas confeífey huma pobre mulher das que
vieraÕ das ilhas , a qual me diíTe com muitas
lagrimas , que de nove filhos , que tivera , lhe
morrerão em três mezes cinco filhos de pu-
ra fome e defemparo , e confolandoa eu
pela morte de tantos filhos refpondeo-me;
Padre , naõ faõ eífes os porque eu choro, fe-
naÕ pelos quatro que tenho vivos fem ter
com que os fiiftentar , epeço aDeos todos
©s dias que mos leve também, Saô làftimo'-
fa$
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 51
jfes as miferias que pafla efta pobre gente
das Ilhas , porque como naõ tem com que^_
agradecer, fe algum índio fe reparte , naô
Ine chega a elles , fenaõ aos poderofos ; e
he efte hum defemparo a que V. Magefta-
de por piedade devera mandar acudir com
eíFeito : mas taiíibem a ifto fe acode nos
capítulos de hum papel que com efta vay.
Tornando aos índios do Pará , dos quaes,
como dizia , íe ferve quem alli governa, co-
mo fe foraõ feos efcravos , e os trás quafi
todos OGCupados em feos intereíTes , princi-
palmente no dos tabacos ,• obrigame a cori'^
ciência a manifeftar a V. Mageftade os gran-
des peccados , que por occaíiaÒ defte fer-
viçò fe commettem.
Primeiramente nenhum deftes índios
Vay fenaõ violentado e por força, e o traba-
lho he exceflívo , e em que todos os an-
tios morrem muitos , por íer venenofiííimo o
Vapor do tabaco ,♦ o rigor com que faõ tra-
tados he mais que de efcravos 5 os nomes
que lhe chamaÕ e que elles muito fentem,
feííímos I o Comer he quafi nenhum ; apa-
ga ta5 limitada, que naõ fatisfás a menor
parte do tempo , nem dò trabalho j e co-
/ G ij mo
ji C A R TAS . t:
mo os tabacos fe lavraÕ fempre em terras
fortes e novas e muito diftatites das Aldeãs,
eftaõ os índios auzentes de fuás mulheres j
e orcjinariamente elles eellas em mao eftarí
do , e os filhos fem quem os ííiftente , por*»
que na5 tem os pays tempo para fazer ííias
roças , com que as Aldeãs eftaõ fempre em
grandiílima fome emiferia. Também aílim
auzentes e divididos nao podem osJndios
ler doutrinados , e vivem fem conhecimento
da Fé j nem ouvem MiíTa, nem atem para
a ouvir, nem feconfeflaõ pela Quarefma ,,
nem recebem nenhum outro facramento ,
ainda na morte : e aflim morrem e fe va5 ao
inferno íem haver quem tenha cuidado de
feos corpos, nem de íiias airnas / fendo jun-
tamente cauza eftas crueldades sác que mui-
tos índios já Chriftãos íè áuzentaõ de luas
povoaçoens , e fe vaõ para a gentilidade , e
de que os Gentios do lertaõ íiaõ queiraõ vir
para nos , temendo-fe do trabalho a que os
obrigaõ , a que elles de nenhum modo faõ
coftumados , e aíTim íe vem a perder as con-
verfoens ^ eos já convertidos : e osqucgo-
vernaõ faÔ os primeiros que íe perdem, e
os' fegundos feraõ os que os confentem : e
ifto
DO P. ANTONI® VjIEYKA: 15
iílo he o que cá lefaz ho^ei?^ jQt^!q]ae.fe fez
athegora. . ijiy} ci^p 'lOhLnTyiaxJ ííííííI
-i; AíTim que , 'Senhor ycoricie-nckre 'mais
concien cia he o principal e unicò talentQ
que fe hà de bufcar nos que vierem gover-
nar efte Eftado. Se houveíTe dous homens de
Gonçiencia, e outrps que lhe líiccedeírem;^
jia5 haveria inconvenientes emeftar o Go4
verno dividido. Mas fe naÕ houver mais que
hum , venha hum que governe tudo , e tra-
te do íej?\^iço de Deos ede V. Mageftade,e
fe naÔ houver nenhum , como athegora par
reçe qtie naÕ houve , naõ venha nenhum >
que melhor fe governara o Eftado fem elle,
que com elle ; fe para a juftiça houver hum
letrado redo , para o politico baft a a Ca-
mera, e para a guerra hum Sargento Mayor,
e eíTe dos da terra , e naõ de Elvas , nem
de Flandes 5 porque efte Eftado tendo tan-
tas legoas de coita e de ilhas e de rios ar
bertos , na5 feháde defender , nem pode,
com fortalezas , nem com exércitos , fena5
com aflaltos , com canoas , e principalmen-
te Gorn índios , e muitos índios ^ e efta giieii-
ra fó afabem fazer os moradores que çon-
quiftaraõ ifto , e naõ os que vem dePor-
i tugaL
j4 ^ Afpimí mw^^^msi oci
túgá, E bem le viõ por experiência ^ que
hum Governador que veio de Portugal ,
N4 de N. perdeo o MáranhaÒ', e hum Ca-
pl^â:o Môr AíitonioTeixeyra que cáfe ele^
geo o r^ftaúroit*^ ê ifto íêm íbcorro do Rei-^
no. Aqui há homens de boa calidade que
podem governar com mais noticia , e tam-
beni côilii iiíâís teiíior : e ainda que tratem
do feó iiiterêfle , fera pre lera com muito
mayor moderação , e tudo o que grangea-
rem ficara na terra y com que ella fe hirâ
a;tigitíent;ando * é íe desfrutarem a herdade ,
lerá coíiio dbnós ^ e naõ como rendeiros^
que he o que fazem os que vem de Portu-
gal. Mas huma vezque os índios efti verem
iridependentés dos Governadores , arranc^â-
âá- tRá rais , que hé^^^^peccadò capital ê
original defteEftado, cefTaràõ também to-
dos os outros que delle fe leguem , e Deos
terá mais motivo de nos fazer mercê.
' Efte he , Senhor , o fentir de quafi todos,
mas o meo fentir , e o meo chorar , e o
meo lamentar , he que tenho vindo a efte
Eftado ,' e trazido a elle tantos Religioíbí
muito íêr vos de Deos fó com intento de o
fervirmos mais e com mais quietação , e
:^ de
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. f j
de naõ tratarmG;s<de;i0i3;tíra couza que (da
falvaçaõ de noíías almas , e das deita po-
bre gente , fem nos divertirmos a nenhum
outro cuidado , cx^mo athegora pela bonda-
de de Deos temos feito ye que , a pezar de tu*
do iílo , feja taÕpoderofo o Demónio nef-
te Eftado , e V. Mageftade taõ mal fervi-
do nelle , que os que mais nos deverão fa-
vorecer e ajudar , e ainda compadecer-fe
de noíTos trabalhos , por naÕ dizer , edifi-
car-fe da conftancia e alegria com que os
vem padecer e defprezar , eííesfejao os que
nos tem pofto no mayor traball-io de todos,
perturbando noíías MiíToens , impedindo o
remédio e falvaçaõ de tantas almas , efo*-
bre tudo a quietação das noíTas , principal-
mente da minha que he a. mais fraca, fen-
dbmc neceíTario andar com pleitos , e re^
querimentos , e informaçoens , e ainda defcer
ao particular de efcrever vidas e procedimen-
tos alheos , de que fó Deos he verdadeiro
'JbíZí, ^ b^; o que eu naÕ poíTo fazer fem gran-^
de pena , e ainda efcrupulo , pofto que tu-^
<lo o que digo , Senhor , he fem payxaÕ , nem
ódio algum contra as peíToas de quem fal-
lo , e lomente porque Y*. Mageftade nao
i pôde
yá AiíYíC A R TA S
Í)ô de deferir ao remédio que pedimos íem
er inteiramente informado , e efta infor-*
maçaÕ fe naõ pode fazer fem nomear as peí^
foas que nos encontrão , e as cauzas e in->
tereíTesque^aifto as movem , para que fe ata^
Ihem. 'i^n"^(I o >?
Aílim que , Reye Senhor , V. Mageílade
mande coníiderar fe he bem que eftes ín-
dios firvaõ a Deos , a V. Mageftade , a Re-
publica , aos pobres , e a confervaçaÕ de
muitos outros índios : ou que , defprezados
todos eftes reípeitos , firvao com tantas of-
fenfas de Deos aõs intereíTes de hum fó ho-
mem , que he o que fempre fizeraõ e fa-
zem. E porque a diftancia do lugar naõ íb-
fre dilaçoens , nem interlocutórias , V. Ma-^
geftade fe lírva de mandar tomar rio parti-
cular de noíTasMifToenshumareíbluçaõ ul-
tima , com a qual nos livre V. Mageftade
-por hum a ves de requerimentos e de de-
mandas com os Miniftros de V. Magefta-
de ,• porque fe naõ eftivermos totalmente
izentos delles , nunca poderemos coníeguir
o fim para que viemos , da converfaÕ efal-
-vaçaÕ das almas , e fera melhor retirarmo-
nos a tratar fó da quietação das noffas.
DO P. ANTÓNIO VIEYRa: 57
A muito Alta e muito poderofa peíToa
de V. Mageftade guarde D eos como aChri-
ftandade e os VaíTallos de V* Mageftade
havemos mifter. Marjanhaõ 4. de Abril de
António Vieyra.
CARTA XI.
^ ElRej.
Senhor.
ECEBI a carta que V. Mageftade
me fez mercê mandar efcrever , e
depois de a venerar com todo o af-^
fedo que devo , achou a minha alma nel-
la toda aconfolaça5 que V. Mageftade por
fua piedade e grandeza quis que eu com
ella recebeíTe. Dou infinitas graças a Deos
pelo grande zelo da juftiça e faívaçaô das
almas que tem pofto na de V. Mageftade,
para que affim como tem fido reftauradòr
da liberdade dos Portuguezes , o feja tám-
- Tom. L H bem
C A R T A^ S
bem das deftes pobres Brazis , que bá trin-
ta e outo*annos padecem taò injuftos cat-
tiveiros e tiranias taÕ indignas do nome
Chriftaõ. Eu li aos índios aílim do Pará co-
mo deite Maranba5 a carta de V. Mage-
ftade 'y traduzida na fua lingoa , e com ella
ficarão muy confolados ^ e animados , e fe a-
cabaraõ dedefenganar,que o naõ ferem athe-
gora remediadas íuas oppreffoens , era por
naõ chegarem aos ouvidos de V. Mageíla-
de feos clamores : efperaÕ pelos efFeitos
deitas promeíTas , tendo por certo que lhe
na5 ííiccederâ com ellas o que athegora com
as demais , pois as vem firmadas pela Real
niaõ de V. Mageftade.
V. Mageftade me faz mercê dizer >, quê
mandou fe confirmaíTem os delpachos com
tudo o que de cá apontey j inas temo que
aconteça ao Maranhão o que nas enfer-
midades agudas , que entre as receitas eos
remédios peoré o enfermo de maneira , que
quando fe lhe vem a applicar , he neceíTario
que fejaõ outros mais efficazes. Tudo nefte
Eftado tem deftruido a demaziada cobiça
dos que governaò , e ainda depois de taÕ a?
cabado y na5 acabaõ de continuar os me
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. j^
yos de mais o confumir. O Maranhão e o
Pará lie huma Rochella de Portugal , e liu^
ma Conquifta por conquiílar , e huma ter-
ra onde V. Mageftade he nomeado , mas
naò obedecido. P
Vim com as ordens de V. Mageftade
em que tanto me encarregou a confervaçaõ
deftas Gentilidades , e aos Governadores e
Capitaens Mores que me deíTem toda a a-
juda , e favor que lhe pediíTe para as jor-
nadas que fe houveíTem de fazer ao fertaõ.
Aprezentey as ditas ordens ao Capitão Mor
N. de N. e logo affentamos que a primeira
MiíTaó foíTe o defcobrimento dos índios
Ibirajarâs , de que há fama neftas partes
que faô defcendentes de homens de Europa
que aqui viera5 dar em hum naufrágio. Fef-
le efte ajuftamento no primeiro de Março
de 1(^53. para fe executar em Junho do
mefmo anno : e fazendo eu todas as dili-
gencias, e muitas mais das que me tocavaò,
o Capitão Mor me foy entretendo fempre
com promeíTas e demonftraçoens exte-
riores de prevençoens athe partir o ulti^mo
•navio daquelle anno, paraque eu já naÕti*-
çVeíTe por onde avizar a V. Mageftade. Par-
H ij tido
6<3 CARTAS
tido o navio , fuy âs Aldeãs a fazer reze-'
nha da gente e das armas que tinhaÕ para
a jornada , e tanto que o Capitão Mor me
teve também auzente , fez numa junta a
què chamou as peíToas que elle quis , e por
feos votos , poílo que na5 de todos , fe àf-
fentou , que naÕ era tempo de liir ao dito
defcobrimento , e diffo íe fez hum auto ,
com que ficou desfeita a MiffaÕ. Eíle^ Se-
nhor , foy o pretexto , mas a cauza que fe
teve por verdadeira, era , porque os índios
nefte Maranhão faÕ poucos , e fe queria a-
proveitar delles como aproveita , ou occu-
pando-os em- couzas de feos intereíTes , ou
repartindo-os com quem lhos fabe agrade-
cer. E prova-fe claramente que nunca teve
tenção de que a jornada fe fizeíTe , porque
havendo de fer. dezoito ou vinte Canoas
as que havia de ter prevenidas , pedindolhe
• eu huma , tanto que fe desfez a MiíTaõ pa-
ra hir ao Pará , cuftoulhe muito o bufcalla
para ma dar: e fobre tudo no meímo tem-
po em que fe havia de difpôr a jornada ^
mandou elle fazer duas grandes lavouras
de tabaco , as quaes. era força que fe co-
IhclTem e benefiçiaíTem no mefmo tempo ^
coíi epe-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 6x.
e pelos mefmos índios que haviaÕ de hir a
ella _, por naõ haver outros. E naõ he de crer
que hum homem que he pobre , e tem de-
zejo de o naõ fer , quizeííe perder a íua la-
voura , e plantar o que naÕ havia de colher.
E eíles indicios eraÕ taõ manifeftos ainda
antes de fe defcobrir o eíFeito delles , que
por vezes mos avizáraõ os Padres que an-
davaõ pelas Aldeãs , advertindome que me
naõ fiaffe das promeíías do Capitão Mor ,
porque elles naõ viaÕ diípoíiçaÕ nenhuma
nos índios , e os trazia o dito CapitaÕ Mor
occupados todos em couzas muito alheas do
noflo penfamento. Finalmente o tempo em
que aMiflaõ fe aíTentou , era naõ fóbaftan-
te , fenaõ dobrado do que fe havia mifter
para a prevenção , e difpofiçaõ delia ,
quanto vay de Março a Junho. AíTim que
fe faltou o tempo , foy porque o naõ quis
a proveitar quem tinha obrigação diíTo, e
rnáis fazendolhe eu continuas lembranças ,
como fazia.
Defenganado defta MiíTaõ , ou engana-
do nella , partime para o Para com os Pa-
dres que tinha detido , e tratando de paíTar
-ao Rio das Almazonas me oífereceo o Ca-
pitão
i
C A R T A S
pitaõ Mor dalii N. do N. outra MiíTaõ pa^
ra o Rio dos Tocantins , em que fe dizia es-
tarem abaladas muitas Aldeãs de índios pa-
ra fe decerem. Aceitey , e tratey logo de
fe difpôr tudo o que nos era neceíiario ,
mas as traças e enganos com que nefte ne-
gocio fe houve N. do N. e as maquinas
que ordio para levar o effeito defta entra-
da ao fim de feos intereíTes , he im^oííivel
podello eu reprezentar a V. Mageílade. Pri-
meiramente dizendo elle que os índios eraò
mais de dez , ou doze mil , tratou de oi
repartir todos pelos moradores , que era
hum modo corado de os cativar e vender ,
fem mais differença que chamar á venda
repartição , eao preço agradecimento. Por
vezes me diíTe que os havia de repartir na
forma fobredita , oíFerecendome que toma-
ria delles para as noíTas Aldeãs do Mara-'-
nhaò e Pará todos os que quizeíTe , o que
eu de nenhuma maneira aceitey : fó diíTe
que os índios , quando quizeífem vir por.íua
vontade , fe haviaõ de pôr em ílias Aldeãs
nos lugares que foíTem mais accomodados â
íiia converfaÒ e confervaçaõ , porque ifto
era o que S. Mageílade ordenava, e o con-
trario 3
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. á^
•trario, manifefta violência einjuftiça: Pro-
curey que antes que os ditos índios defceííem
do ferta5 , fe lhe fizeíTem mantimentos ,
para que vindo naõ morreíTem á fome , co-
mo íuccede ordinariamente em femellian-
tes cazos,- masN. doN. me relpondeopor
vezes , que morreíTem muito embora , que
melhor era morrerem cá que no fertaõ ,
porque morria5 baptizados. j
Efta he huma das cauzas que tem deA
truido infinidade de índios neíle Eíla-
^o , tirarem-nos de fuás terras etrazerem-
nos ás noíTas fem lhe terem prevenidos os
mantimentos de que fe hacklefuílentar ;
mas fazem-no aíTim os que governaÕ , por-
que fe houverem de fazer as prevençoens
neceífarias , hade-fe gaftar muito tempo nel-
las , e entre tanto paíTaõ-fe os feos três an-
nos , e elles antes querem cincoenta índios
que os firvaõ , ainda que morrão quinhen-
tos , que muitos mil vivos e confervados ,
de que elles fena5haja5 de aproveitar. Em-
fim depois de grandes batalhas vim a con-
feguir que os índios fe houveíTem de trazer
para quatro Aldeãs das antigas do Pará /em-
que fe pudeíTem menos incommodamente
'-' dou-
X. CARTA S^
díutrinar , fendo que V. Mageftade nas or-
tn Òue foy fervido darme , ordena que os
Sorquedlfcerem do fertaõ feponhaom,
wàr que eu eleger e julgar por mais con-
veSente • mas nadadifto me quer confen-
tfr nem ^«ardar N. do N. , e amda na a-
Xm"nL das quatro Mdeas referidas fal-
tou logo com a palavra "^^^<i^f'^° E° ^
fem trizidos os Índios para outo Aldeãs e
Ss asque mais acommodadas ficavao aos
feos tabacos e outros mterefles
Nas fobreditas ordens manda V. Ma
.eftade que as MiíToens ao f"tao ^ «^^ P^^
S.ar , ou%or terra, as faça eu.afop^^^^^^
^Ítuím^drcl^^elírc^^^^^^^
r 'Sic^s e^ demais que for neceíTano.
foas praticas, eo ^g" f^adeno Regi-
Affim mais manda V- Maglta „
,,ento dos Caprtaens Mo^es que^l ^^P^^^^
de cazo mayor , nennuma p ^
de qualquer eftado on conà.<i^o <incki^
rtl U\r -O fertaõ bufcar os Gentios por
pofla hu ^o iLiL _.„„iios ainda que
kenhum modo , nem "^l^^°'\ ^e-
feja por fua vontade j e fero ^^baigo^^^^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 6^
nhor deitas duas ordens de V. Mageftade,
a primeira taõ particular , e a fegunda taô
apertada , entregou N. do N. efta jornada
do Rio dos Tocantins a hum Gafpar Car-
dofo, ferreiro aótual com tenda aberta, fa-
zendo-o Gapitaõ e Cabo delia ,• a efte ho-
mem deo o regimento do que fe havia
de obrar , ordenandolhe que cile fizeffe as
praticas aos índios , e que os trouxeíTe , e
çuzeíTe nos lugares que lhe nomeava , em-
fim entregando tudo à fua difpofiçaõ : e fó
no cabo do regimento lhe dizia que me déf-
fe conta do que fizeffe. Repliquey a efte
regimento , e moftrey a N. do N. as ordens de
y. Mageftade, requerilhe da parte do fer-
viço de Deos e de V. Mageftade que nos
naõ quizeffe perturbar as noffas Miffoens ,
nem intrometter-fe no que V. Mageftade
nos encomendava aNòs, e naò a elle , an-
tes a elle o prohibia • e que fe era necef-
fario hir Capitão e foldados para a fegur-
rança da jornada , que foffem muito em-
bora, mas que effes entendeííem fó no que
tocaffe à guerra , e naõ no particular de pra-
ticar , ou defcer os índios , pois V. Ma-
geftade no4o encomendava a Nos , e para
- Tom. L l iffo
1
66 CARTAS
iíTo mandava vir Padres , Lingoas do Bra-
zil a tantas deípezas fuás : e fobre tudo pro-
hibe expreíTamente , e fob taõ graves pe-
nas , que nenhuma pelToa fecular pudeíTe
Iiir bufcar índios : mas de nada diftofez
cazo N. do N. dizendo que nao havia de
mudar o feo regimento , e aíTim o deo ao
dito Gafpar Cardozo , mandandolhe que o
guardaíTe inviolavelmente. Succedeo iílo
tudo no mefmo dia da partida 5 hindome
já embarcar , veyo ter comigo o Vigário
Geral do Para N. de N. de quem V. Ma-
geílade por outra via terá largas informa-
çoens , intimo amigo e confidente de N.
do N. trouxeme o dito Vigário hum pa-
pel , em que N. do N. ordenava a Gafpar
Cardozo , que feguiíTe na jornada o que eu
difpuzeíTe • mas aqui eíleve o mayor enga-
no de todos , porque debaixo deíla ordem
lhe deo N. do N. outra em contrario , em
que lhe mandava que a nao guardaíTe , e
fizsíTe em tudo o que dizia no regimento
que lhe dera : e em eíFeito aílim o fez e
comprio o dito Gafpar Cardozo.
Partimos para o Rio dos Tocantins , eu
c outros três Religiofcs^ todos Sacerdotes
Theo-»
DG P. ANTÓNIO VIEYRA. 67
Theologos. e práticos na lingoa da terra ,
e dous delles infignes nella. Navegamos
pelo Rio acima duzentas e cincoenta le-
goas , chegamos ao lugar onde eftavaô os
índios que liiamos buícar : e Gaípar Car-
dozo foy o que conforme o feo regimento
governou íempre tudo , e o que em feo no-
me antes de chegar mandava embaixada
aos índios , e a quem elles fora5 reconhe-
cer depois de chegado , e o que lhes diííe
que os hia bufcar da parte de V. MagePca-
de e do Governador , e o que lhes fazia as
praticas por meyo de hum mulato que lhe
fervia de interprete : e no mefmo tempo ef-
tavamos Nôs nas noffas barracas , mudos co-
mo fe nos na5 pertencera aquella empre-
za , nem tivéramos lingoas , nem tanta
aúthoridade como o ferreiro para fallar, nem
fôramos aquelles homens a quem V. Ma-
geftade mandou vir ao Maranhão com tan-
,tos empenhos fó para efte fim , nem Gaf-
par Cardozo foíTe fecular a quem V. Ma-
'geílade o prohibe Ibb pena de cazo mayor.
fiz por três vezes requerimento ao dito
•Gafpar Cardozo, fe naò introm_etteííe no qiie
lhe naÕ tocava , e era próprio de noíTa pro-
ftí-v-:L,ri:;,; 1 ij fiííaõ
^8 CA r: 't Á S '' "
fiíTaõ e o para que V. Mageftade nos man-
dara ; moPtreillie e li-lhe diante dos Padres
e de outo ou dés foldados que levava con-
figo , a ordem de V. Mageftade e a do Ca-
pitão Mor , e refpondeo publicamente que
a de V. Mageftade naõ podia guardar , e
que a do Capitão Mor na5 queria. Bem en-
tenderão todos que efte modo de fallar era
de quem fe fiava em ordem fecreta que ti-
nha encontrada , e aífim mo declarou o meí-
mo G aí par Cardozo por muitas vezes e a
diíFerentes peffoas , como confta por cer-
tidoens juradas , nas quaes , e em outras
que envio ^ poderá V. Mageftade mandar ver
outras muitas circunftancias defte cazo^ ffiuy
notáveis e indignas; ''■^"^■^:"' 'csm ^c:r^l c^j
Emfim , Senhor , os piòDíes índios nos ài'^
'ziaõ que nao queriaÔ fazer outra couzafe-
naõ o que os Padres quizeflemo, í^e mque
ElKey -'mandava , trazendo fempre ElR-ey
na boca : mas GafparCardbzo, e os feos^
parte com promelTas , parte com ameaçosi,
parte com lhes darem demafiadamente de
beber, e os tirarem de íeojuizo, parte com
lhes dizerem que os Padres haviaÕ de tirai:
aos Principaes as muitas mulheres quecof-
tumavaõ
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 6^
tumavaò ter, para comifto os alienarem de
Nos : com eftas e outras femelliantes vio-
lências e impiedades arrancarão de fuás
terras metade dos índios que alli eftavaõ ,
( e feriaõ por todos mil almas ) e os trouxe-
raÔ pelo rio abaixo , e defpois de Gafpar
Cardozo repartir alguns pelos foldados , e
levar outros para fua caza , a màyor par-r
tè de todos fe puzeraõ na aldeã chamada de
Morajuba, fem embargo de na5 haver nelr
la mantimentos alguns para fe fuílentar em ,
juas herefta Aldeã a que çftâ mais perto dos
frincipaes tabacos de N. do N. :
Efte fóy , Senhor, o fim defta mal lograda
Miffaõ , na qual kk guardarão as ordens de
V. Mageftade ye os Padres fe ficarão com
os Indio&iy fcC-omo elles e Nos pretendiamos
«ara fe defcerem defpois commodamentQi,
aíTim deftas como de três outras naçoens
^vizinhas 1 eíperavamos trazer em muy pou^
,co' tempo à Fé de Chrifto mais de cinco ou
-feia mil almas , e com ellas muitas outras
no mefmoRio. Mas naõ fó ficarão eftas al-
^as fôra do grémio da Igreja , fenaÕ que
também forao .os Padres conílrangidos a
'ildxar naqueílefertao rnuitás de innocentes
7Ò .áiíY3C AR T A S ■ ■
que jà tinhaÕ baptizado , ficando em taÕ
evidente rifco de naÕ terem já mais quem
lhes enfine a Fê que receberão , e de vive-
rem e morrerem como os demais Gentios.
E certo , Senhor , he dor grande, e que há
mifter muita graça do Ceo para fe íofrer,
verem tantos Religiofos , homens de bem ,
que depois dê deixarem íuas pátrias ePro-
wincízs y é as commodidades que nellas ti-
nhaõy e tudo quanto podiaõ ter , por amor
de Deos , depois de paííarem mares e atra-
veíTarem ta5 grandes e perigoíbs rios ,
padecerem fomes , frios , chuvas / enfer-
midades , e as inclemências do mais deftem-
perado clima que tem o mundo : e depois
de íe exporem a tantos etaõ evidentes pe-
rigos devida , fó por falvar eílas pobres
almas , que quando as tinhaõ já quafi den-
tro das redes de Chrifto , lhas houveíTem de
tirar delias por huma violência ta5 enor*
me : e que os que fizeraõ efta injuria a Deosí,
â Fè 5 á Igreja , e a V. Mageftade , naõ fo&
fem os bárbaros das brenhas , nem outros
homens inimigos , ou eftranhos , fetlaô a^-
quelles mefmos de quem V. Mageftade coii'-
fia os feos Eftados , e a quem V. Mageftade
enco-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 71
encomenda primeiro que tudo a converfaõ
das almas , e lhes encarrega os meyos delia
íob pena de cazo mayor ! . ^ ^ , :.; r >
Por efta dor e por efta cauza foraô de
parecer todos os Padres deíla Miffaõ , que
eu partiíTe logo aos pês de V. Mageílade a
reprezentar eftas injuftiças e violências ,
e aclamar , e bradar , quando naÕbaftaí-
íe , e aííim eílive deliberado ; mas efte po-
bre rebanho he tao pobre , taõ defempa-
rado , c perfeguido , que nem por poucos
dias fe pode deixar fem grande rifco : e da
Real grandeza , juftiça , e piedade de V.
Mageílade efperamos que bailem eílas re-
gras para V. Mageílade lhes mandar de-
ferir com taõ prompto e breve remédio ,
como a matéria pede , e como todos eíles
perfeguidos Religiofos vaíTallos de V. Ma-
geílade e feos Miílionarios , proílrados aos
Reaes pês de V. Mageílade com todo o aíFe-
-<3:o de noíTas almas lhe pedimos.
:^ :r)'Pedimos , Senhor , a V. Mageílade o que
verdadeiramente he couza indigna de pe-
dirfe em hum Reino taõ catholico como
Portugal , f ahum Rey taõ pio e taõ
jiiílo como V. Mageíladejpedimos que man-
'w. ... de
de Vv Mageftade acudir aos Miniftros do
Evangelho , que mande libertar a Pregação
(da Fe , e desforçalla das violências que pa-
dece', que mande franquear o caminho da
tonveríaÕ das almas ,- e polias no alvedrio
natural em que Deos as criou : e que man-
de V. Mageftade tomar conta de todas as
^ue nefta oecaíiao fe púderaÕ falvar , e fe
queriaõ converter , e ificaÕ perdidas. E por-
que a experiência nos tem moftrado quaõ
pouco temidas , e obedecidas faõ neftas
-partes as ordens de V. Mageftade , por
particular mêrce lhe pedimos , que as que
de novo for fervido mandamos , naõfejao
com clauzula de que , fazendofe o contra-
rio , fe dê conta a V. Mageftade ; porque o
recuríb eftâ muy diftante , e naô há navio
fenáÕ de anno em anno : e em hum anno,
e em hum mes, e em hum dia perdem-fe.
Senhor , muitas almas. A pena de cazo ma-
yor grande he , e que devera fer muy te-
mida e refpeitada , mas como eftas penas
fe ouvem tantas vezes , e nunca fe vem ,
faõ taÕ mal cridas, como Nos eftamos experi-
mentando. Aílim que , Senhor, naò há líná5
izentar V. Mageftade as Mifíbens de toda
a ia*
f i>
É
t)0 P. ANTÓNIO VIEYRA. 73
è intervenção , e jurifdiçaõ dos que uzao
tao mal da que naõ tem , e libertar V.
Mageftade os Miniftros da pregação do E-
vangelho , pois Deos a fez tao abíbluta ,
e tao livre , que nao he bem que athe a
falvaçaõ dos índios feja nefte Eftado cati-
va como elles.
A muito alta , e muito poderofa Pef-
íba de V. Mageftade guarde Deos como a
Chriftandade e os Vaííallos de V. Mage-
ftade havemos mifter. Maranhão 4. de A-
bril de 1ÍJ4.
António Vieyra.
CART^ XII.
A ElRej.
Senhor.
SABE Deos , que com inuito zelo de
feo fervi ço , dezejo , que fe guarde
jujiiça a ejfa pobre gentt , para o
fue vos encommendo muito me advtrtaes de
Tom, l, lí , tw
^4
tudo
C A R T AS/
ò que vos parecer neceífarto. y :pork
que fazeis ntjfo muho ferviço a Deos e a
mim, Eftás palavras , Senhor , fa5 de V^
Mageftadc na caíta que foy fervido man-
dar-me efcrever , e muito dignas de V. Ma-
geftade , e porque as injuftiças que fe fa-
zem a efta pobre , e miferabiliííima gente
naõ cabem em nenhum papel , direy fo-
mente nefte o modo com que íe poderâ5
remediar , depois de o ter coníiderado e
encommendado a Deos , e o ter conferido
com algumas peíToas das mais antigas , ex-
perimentadas, e bem intencionadas defte E-
llado , pofto que fa5 nelle poucos os que
f)ôdem dar juizo nefta matéria , que fejaò
ivres de íuípeita e dignos de fè , porque
todos Ía5 intereíTados nos índios ,, e vivem,
c fe remedeaõ das meímas injuftiças , que
V. MageftadQ dezeja remediar.
O remédio pois , Senhor , coníifte em
que fe mude , q melhore a forma , porque
athegora fora5 governados os índios , o
que fe poderá fazer mandando V* Mage-»
ftade guardar os Capítulos feguintes.
I. Que os Governadores e Capitaen*
Mores naõ tenhao jurifdiçaõ alguma fobre
. os di^
P'
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. rf
os ditos índios naturaes da terra, aííim Chri-
ftâos como Gentios , e nem para os man-
dar , nem para os repartir , nem para ou-
tra alguma couza , falvo na ad:ual occa-
íiaÕ de guerra , a que feraõ obrigados a a-
codir , elles , e as peffoas que os tiverem a feo
cargo , como fazem em toda a parte ; e
para ferviço dos Governadores fe lhe no-
meará hum numero de índios convenien-
te , attendcndo à calidade e authoridade
do Cargo, e à quantidade que houver dos
ditos índios.
11. Que os índios tenhaõ hum Procu-
rador Geral em cada Capitania , o qual
Procurador aflim mefmo íeja independente
dos Governadores ^e Capitaens Mores em
todas as couxas pertencentes aos mefmos
índios , e efte Procurador feja huma das
peflbas mais principaes , e authorizadas , e
conhecida por de melhores procedimentos ,
ao qual elegera o povo no principio de cada
anno , podendo confirmar ao meímo , ou
eleger outro em cazo que naõ dê boa fa-
tisfaçaõ deíeo officio,-oqual officio exerci-
tara com a jurifdiça5 , e nos cazos queaó
diante fe apontaõ.
K ij III. Que
76 CARTAS
ni. Que os ditos índios eftejao to^
talmente fujeitos , efejaõ governados por
peíToas Religiofas , na forma que fe coftuma
em todo o Eílado do Brazil , por quanto
depois de fe intentarem todos os meyos ,
tem moftrado a experiência que fegundo o
natural e a capacidade dos índios , fó por
eíle modo podem fer bem governados , e
confervarem-fe em fuás Aldeãs.
IV. Que no principio de cada anno
fe faça Lifta de todos os índios de ferviço
que houver nas Aldeãs de cada Capitania,
e juntamente de todos os moradores delia,
e que conforme o numero dos ditos índios/
e dos ditos moradores , fe faça repartiçaS
dos índios que houverem de fervir aquelle
anno a cada hum , havendo refpeito á po^
breza , ou cabedal do$ ditos moradores ,-
de maneira que a dita repartição fe faça
com toda a igualdade , fendo em primei-
ro lugar providos os pobres , para que n aã
percçaõ , e as fobreditas liftas , e reparti-*
çaõ a faça o Prelado dos Religiofos que
adminiílrar os ditos índios , e o Procura*
dor Geral de cada Capitania conforme líias
coneiencias , fem na dita repartição fe poder
metei:
li'
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 77
meter Governador , nem Camera , nem ou-
tra alguma peflba de qualquer calidadeque
feja : e em qualquer duvida que houver por
parte dos índios ou moradores a cerca da
repartição, recorrerão ao dito Prelado , e
Procurador , e eftaraÕ pelo que elles refol-
verem femappellaçaõ, nemaggravo, nem
forma alguma de juizo.
V. Que , por quanto as Aldeãs eftaò
notavelmente diminuidas , os índios fe
unaõ do modo que parecer mais conveni-
ente y e em que os mefmos índios fe con-
formarem , e fe reduza5 a menor numero
de Aldeãs , para que fejaÕ , e poíTaÕ fer
melhor doutrinados , e que as ditas Al-
deãs aflim unidas fe ponhaõ nos fitios e lu-
gares que forem mais accõmodados , aflim
para o ferviço da Republica , como para a
confcrvaçaò dos mefmos índios.
VI. Que para que os índios tenhao
tempo de acodir ás luas lavouras , e fa-
mílias , e poíTaõ hir ás jornadas dos fer-
toens que fe haõ de fazer para defcer ou-
tros , c os converter á noíTa Santa Fè , ne-
nhum índio poíTa trabalhar fora da íua Al-
deã cada anno mais que quatro mezes ,
os
G A R T A S
os quaes quatro mezes naõ feraõjnntospor
huma vez , fenaõ repartidos em duas , pa-
ra que defta maneira . fe evitem os defer-
viços de Deos que fe feguem de eftarem
muito tempo auzentes de ííias cazas.
Vn. Que para que os índios fej ao pa-
gos de feo trabalho , nenhum índio hirá
íervir a morador algum , nem ainda nas
obras publicas do ferviço de S. Mageftade,
fem fe lhe depofitar primeiro o feo paga-
mento j o qual porem fe lhes naõ entrega-
ra fenaõ trazendo efcrito de que tem tra*
balhadõ ò tempo porque fe concertaràõ , e
para o dito depoíito dos pagamentos have-*
rà huma arca com duas chaves em cada
Aldeã , huma que terá o Religiofo que ad*»
miniílrar , e outra o Principal da meímai?
Aldeã.
VIÍI. Qúe todas asfemanas em todos
os quinze dias conforme o numero das Al-
deãs , haverá huma feira dos índios , á qual
cada Aldeã por feo turno trará a vender to-*
dos os frutos das ííias lavouras , e o mais que
tiverem , o que fervirâ aflim de que as po-
voações dos Portuguezes tenhaõ abundância
de mantimentos , como de que os índios le-*
Tem
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 7^
rem delias as couzas neceíTarias a feo uzo,
€ fe animem com efte comercio a traba-
lhar 5 e para que naõ fe llies pofla fazer
algum engano nos preços das couzas que
lhes forem dadas por comutação das ííias ^
prefidirâ nefta feira o Procurador dos ín-
dios , ou a peíToa a quem elle o cometer,
eleita por elle , e pelo Prelado dos Reli-
giofos , que na Capitania tiverem a feo
cargo os índios.
IX Que as entradas que fe fizerem
a© fertaÔ , as façaõ fomente pefloas eccleíi-
aÍLicas , como V. Mageftade tem ordena-
do aos Capitaens Mores fob pena de cazo
mayor em feos Regimentos^ e que os Re-
ligiofos , que fizerem as ditas entradas , fe-
jaõ os mefmos que adminiftrem os índios
em luas Aldeãs. Porque fendo da mefma
fiibjeiçaõ e doutrina , melhor os obedece-
fàõ , crefpeitaràõ , e hira5 com ellesmais
ftguros de alguma rebelliaô , ou traição.
X. Que pela cauza Ibbredita , e por
evitar bandos entre os índios que natural-
mente faõ varies , e inconftantes , e dezejo-
íbs de novidades , e para que a doutrina
que aprenderem, fej a a jnefma entre todo^
^^^ " íem
•o CARTAS
fem diverfidades de pareceres , de que le
nAdem feffuir craves inconvenientes , ainda
Se neftefftafo ha differentes Religioens ,
TJto dos índios fe encommende a hu-
:.aT5,aqudla q-V.Mageftade3ulgar jue
o fará com mavor inteireza , defmterefle
e zelo , aíTim do ferviço de Deos , e lai
ILõ das almas , como dobem Publico
Xr Que nenhuns índios fe defçao do
fertaõ "fem primeiro fe lhe fazeremTuas ro-
ças , e Aldeãs , onde poíTao viver , e aue
Sõíeiaô obrigados a entrar na pauta dos
índios^ do ferviço,na forma acima dita fe-
naõ depois deeftarem muy defcançados do
trabalho do caminho , e doutrmados , c
S^^efticados, e capazes de Jerm .pphca-
dos ao dito fer viço dos moradores , que fem
pre fe deve fazer fem nenhuma violência,
nem oppreffaÕ dos índios.
XII a^e fe nas entradas , que fe fi-
zerem ao fertaõ forein achados alguns In-
dS de corda , ou que de alguma outra
tneira feiaõ ' plgados ?^V^^
cativos , eftes taes fé poderão relgatar ,
com condição , que osRelipof^ comaffi-
ftencia do Cabo qtte for julguem pumeiro
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ? t
os ditos cativeiros por juftos e licitos ^
examinando-os por íi meímos : e para efte
fim hiraÕfempre às ditas jornadas Religio-
fos que fejaò juntamente bons Liíigoas , e
bons Theologos , e quando menqs , que
hum feja bom Tlieologo , outro bopi Lin-
goa.
XIII. Que em cázó que os ditos ref?
gates fe façaÕ nas entradas do fertaÕ:^:^;!
repartição delles fe faça pro rata ppr toi?
dos os moradores do Eftado , conforme p
numero dos Jndios que fereígatarem , co-
meçando jíêmpre pelos mais pobres , para
que tenhaõ quem os ajude : e os reparti-
dores feraõ os mefmos Procurador Gerai,
e Prelado da Religia5, que, como fica di-
to , haõde repartir os índios forros para ^
lerviço.
XIV. Que por quanto as jornadas ao
fertâõ que fe fazem , faõ ordinariamente
perigofas por razaõ dos bárbaros , para fe-
gurar os Religiofos e os índios que forem
nas ditas jornadas , haja companhia de fol-
dados brancos , a qual ou inteira ou di-f
vidida lhe dè efcol ta , conforme a neceffi-
dade o pedir : e que a dita companhia fe
- T^omiL L chame
li ,A.JVfm'A^ R T^^A'^^"! 'OCI
cháitié dá propagação da Fè , e para ellâ
fera efcolhido capitão e Toldados de ma-*
yor chriftandade e capacidade para o íer-
ta5 , aos quaes V. Mageftade honre coiií
algum privilegio particular : e que o dito
capitão e foldados naò feja companhia
creada de novo , fenaõ huma das mefmas
que hâV formada de ramo delias , e que fó
éfteja íujeita aos Governadores , e Capir
taens Mores emoccafiaõ de guerra adual,
ou delido que commetteffe, e no mais ef-
tara à dipofiçaò do Prelado máyor da Re-
ligião que tiver afeo cargo ^sMiíToensdò
fertaõ , que também fera Miíííonárío' Geral
de todo o Eftado : e conforme o que o di-
to Miííionario Geral diípuzeí, o dito Capi-
tão ouvirá , ou mandara os foldados que
forem neceíTarios para cada huma das Mifr
foens com feos Cabos , eos ditos Cabos fo-
mente teraõ jurifdiçaô na difpoliçaõ dá
guerra em cazo que fe haja de fazer , ^
qual fempre fera defenfiva , e de nenhum
ma maneira fe intrometerão a praticar aos
líidios, nem por fi , tiem por outrem , fob
l^ena de cazo mayor , como V- Mageftade
tem ordenado* ^
XV. Que
DO P. ANTÓNIO VffiYRA. 8 j
XV. Que as peças que fe levarem ao
fertaõ para os ditos refgates , liiraõ entre-
gues ao dito Cabo que for nas ditas entra-
das , ou a alguma das ditas peíToas bran-
cas que forem na mefma tropa , de quem
o povo mais as confiar , o qual dará con-
ta do dito cabedal à.Camera , ou a quen^
lhe fizer a dita entrega. m^r-be^ííq
ii : XV1.4^^Que os índios que íè deícerem?^
fe poraõ nos lugares que forem mais aco-
modados e neceíTarios á confervacaÕ , e
augmento do Eftado : mas iílo naÕ fazen-
do força ou violência alguma aos mef-
mos índios ^ fenaõ por vontade : e fe na
defcida dos ditos índios fe fizerem algumas
defpezas , fera5 à cufta das Capitanias em
que os ditos índios fe puzerem.
XVII. Que para que nas Aldeãs haja
muita gente deferviço , e os índios fecon-
íêrvem em mayor fimplicidade , e fujei-
çaó, íe naõ multipliquem nas Aldeãs oflBciaes
de guerra, e fomente haja, como no Efta-
do do Brazil , os Principaes , e Meirinhos ,
é hum Capita5 da guerra , e quando mui-
to, hum Sargento Mor por eftar introduzi-
do. Mas porque feria grande defconfola-
L ij çao
fa5 dos Ináios , que ao prefente tem os di-
tos cargos 5 fe lhes foflern tirados , fe con-
íèrvaràõ nelles athè que fe extinguaõ , e
naõ lè meterâ5 oiitros em feo lugar.
XVIII. Que a eleição dos ditos OíS-
eiaes , fe naõ faça pelos Governadores , nem
por Provifoens fuás , fenaõ pelos Princi-
paesdas mefmas Aldeãs, com parecer dos
Religiofos que as tiverm a feo cargo , fem
Provifaõ alguma , mais que huma íimples
nomeação , como fe faz no Brazil , para
que os pobres índios ná5 fejaõ enganados
com femelhantes papeis , como athegora
fora5 , nem fe lhes paguem com elles feos
trabalhos : e fomente quando faltaíTe fuc-*
ceíTor ao Principal de toda a Aldeã yloii
Naça5 , e fe houveíTe de fazer eleição em^
outro, no tal c azo propor a5 os ditos Pre-
lados , e Procurador Geral dos índios a
peíToa que entre elles ativer mais meteeft
mento , e lhes for maisibem aceita ,e o
Governador ou Gapitaò Mor em nome
de V. Mageftade lhe paíTarà Provifaõ.
XIX. Qne para que os Religiofos que
agora e pelo tempo em diante tiverem, o
cargo dos ditos índios , naõ tenhaõ ocçaT.
fiaò
DO í>. ANTÓNIO VIEYRA. 85^
fiaõ de os occupár em intereíTes particula-
res feos , naõ poíTaõ os ditos Religiofos
ter fazenda, nem lavoura de tabacos, ca-
naveaes , nem engenhos , nos quaes traba-
lhem índios , nem livres , nem efcravos.
E os índios que lhe forem neceíTarios para
o ferviço dos feos Conventos , fe lhes repar-
tirão na forma fobredita , aíím a ellesrj
como aos Religiofos das outras Religioens,
conforme a neceííidade dos ditos Conven-
tos , e quantidade que houver de índios.
Eftes fa5 , Senhor , os meyos, pelos quaes
fendo governados os índios , ceífaráõ de hu-
ma vez os inconvenientes graviíTimos que
com razaÕ daõ tanto cuidado a V. Mage-
ftade ; e para prova do zelo e defmte-
reífe com que vaõ apontados , naõ quero
mais juftiiícaçaõ que a dos mefmos Capi-
mlos. Muitas couzas das que nelles fe pro-
põem, eftaõ já calificadas , ou com o uzo
do Eftado do Brazil , recebido depois de
larga experiência , ou com Provifoens e
Regimentos de V. Mageftade , nos quaes
V. Mageftade tem mandado o mefmo que
acjui fe aponta. Atendeo-fe nefte Papel naõ
fó ao remédio das injuftiças, a que V.Ma-
t^v geftade
m CA R TAS ■
gcftâde quer acodir , mas também ao fér-
rico y confervaçaô , e augmento do Eílado,
que todo confifte em ter índios que o íir-
va5 , os quaes athegora o naÕ ferviaõ , aiii'»
da que os tiveíTe. O ponto da repartição
dos ditos índios , que he o principal , pa-
rece que fe naõ pôde fazer com mais jufti-
ficaçaõ , e poem-fe juntamente nas mãos
de hum feculár eleito pelo povo, e de hum
Religiofo Prelado , para que o Religiofo
feja olheiro do fecular, e o íecular do Re-*
ligiofo , e em hum eíleja feguro o zelo, e
em outro a conveniência. Na5 he eíle o
eftilo que íe uza no Brazil , porque lâ to-
do o governo dos índios depende abfolu-»
tamente dos Religioíbs fem fe fazer lifta
de índios , nem repartição , nem haver
procurador adjunto , nem outra alguma
forma , mais que a verdade , e eftilo dos
meímos Religiofos, que a experiência tem
moftrado que bafta ; mas aqui naÕ fe tra*
ta fó do jufto , fenáõ também do juftifica-»
do. Por efte modo , Senhor , e fó por elle
poderão os índios jà Chriftaos confervarfe
iem luas Aldeãs , e ferem doutrinados nel-
las : hávcrd quem leve os Miífionarios aos
fer-
DO í>. ANTÓNIO VIEYRA- tf
íertoens a trazer muitos outros a fé , e
obediência deV. Mageftade: teraõ remédio
os pobres que hoje perecem : ceíTaráõ a*í
injurias , e injuftiças dos que governa5 : ^e
finalmente ficaráÕ defencarregadas as con-
cien^ias de quantos nellas tem parte , que
faõ quaíi todos.
Efte he , Senhor , o meo parecer ^ eò
^ée^i -todos os MiíUonarios que neftas par-?^
tes andamos , e temos experimentado , e
padecido os inconvenientes , que do coíIt
trario-fe feguem: e tudo o que aqui fe aponta,
e refere fer conforme ao que entendemos em
noíTas conciencias , o certifico de todos, e
de mim o juro in verbo Sacerdotis. -s
Sô parece que faltava dizer aqui , que
Religiofos , ou que Religião hade fer a que
tenha a feo cargo os índios na forma fo-
bredita j mas neftc particular naò tenho
cu ^nempoíTo ter voto , porque fou Padre
da Companhia. Só digo que he neceíTario que
íèja huma Religião de muy calificada e
fegura virtude , de grande defintereíTe , de
grande zelo da falvaçaõ das almas , e ie^
trás muy bem fundadas, com que faiba o
que obra , e o que enfina j porque ps ca*-
'^^' - zos
n C A R T AS
zos que ca occorrem fao grandes , c mui*
tos delles novos , e naõ tratados nos li-
vros. Emfim , Senhor , a Religia5 feja a^
quella que V. Mageftade julgar por mais
idónea para ta5 importante empreza , e
feja qualquer que for. Câ tive noticia que
V. Mageílade encarregara a converfaõ de
Cabo Verde e cofta de Guine aos Padres
Capuchinhos de Itália , e me pareceo elei^
çaò do Ceo , e muy digna de V. Magefta-
de , pelo grande conceito que tenho do ef*
pirito e zelo daquelles Religiofos. E lem^
brado eftarâ o Secretario Pedro Vieira , que
lhe falley eu mefmo nelles para efte fim
da converfaõ das almas , e lhe diííe , qu©
tomara que no noífoReyno fe trocara efta
Religião por alguma outra , ííippofto naã
fer elle capaz de fe multiplicarem.
Mas qualquer que feja à Religião a que
V. Mageftade encomendar a converfaõ def-
te Eftado, fe ella c os índios naõ eftiveremt
independentes dos que governarem , Vi
Mageftade pôde eftar muy certo que nun-i
ca a converfaõ hirâ pordiante y nem nella
ferfaraõ os empregos -que a grandeza d^
Conquifta promette , porque eftas terras naõ
faõ
^ DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 8^
iko como as da índia , ou Japaõ , ondeòs
Religiofos va5 de Gidade em Cidade /mas
tudo faÕ brenhas lem caminho , cheyas de
mil perigos , e rios de dificultofiílima na-
vegação , pelos quaes os Miílionarios na5
haõde hir nadando , fenaõ em canoas , e
eíTas muitas , e bem armadas , por cauza
dos larbaix)^ , e jftas ^anoasi., jè qs man-
timentos para ell<as.,, ç o^ remeiros , e os
guias , e os prin^cipáes deffeníbres tudo íaõ
índios , e tudo he dos índios , e fe os ín-
dios andarem divertidos nos intereíTes dos
Governadores , e naõ dependerem fómen-
1^ dos Religiofos 5 nem elles os teraõ para
^s ditas Miííoens , nem eftaraõ doutrina^
áos como convém para ellas , nem lhes
obedecerão , nerii lhe feraõ fieis , nem fe
fará nada. Pelo contrario , fó dizerfe aos
índios do fertaõ que naõ haõ de fer fugei-
tos aos Governadores bailará paraque to-
4oS)fe deçao com grande facilidade, efe
Tenhaô fazer Chriftãos, porque fó a fama
e o medo do trabalho , e opreíTaõ em que
os trazem os que governaõ , he o que os
detém nos feos .matos, como cada dianofe^
lo manda5 dizer , e hecouza taõ notória,^
ciThm. I^ M CO-
fo , C A R T^A S
como digría de lè lhe pôr remédio,
tihaõ 64 de Abril de 1^54.
MarâS»
António Vieyra.
C A R T A XIII.
Senhor.
COM eíla remeto a V. Mageftade a
relação do que fe tem obrado nâ^
execução da Ley de V. Mageftáde
Ibbre a liberdade dos índios* Muitos ficaõ?
íentenciados ao cativeiro por prevalecer o
numero dos votos mais que o pezo dasra-
zoens. V. Mageftáde fendo fervido, as poderi
mandar pezar em balanças mais fieis qur
as defte Eftado , onde tudo nadou fempre
em fangue dos pobres índios , e ainda foU
gaÔ de fe afogar nelle os que dçzejaõ ti--
rar do perigo aos demais. Com tudo fe
puzcraõ em liberdade muitos ^ cuja juftiça
.:. .v.por
CO P. ANTÓNIO VIEYRÁ. 9%
por notória efcapou das unhas aos julga-
aores. Tudo o que nefte particular , e no»
demais fe tem obrado a favor das Chriftan-
dades , e em obediência da Ley , e Regimen-
to de V. Mageftade, fe deve ao Governa*
dor André Vidal , que em recebendo a$
ordens de V. Mageftade , fe embarcou logo
para efta Capitania do Pará a dar a execu-
ção muitas couzas que fem íua prezença
íênaõ podiaõ confeguir fe o braço eccleíi'
aftico ajudara ao lecukr , tudo fe puzera
facilmente em ordem , e juftiça , mas co-
mo as cabeças das Religioens tem opiniões
contrarias as que V. Mageftade manda pra*
ticar , eftaõ as conciencias como dantes^
ç o que na5 nafce deftas raizes , dura fóem
quanto dura o temor. Jà dizem que virá
obtro Governador , e entaõ tudo íerà co-
jmo dantes era , e eu em parte aflim o te-
mo , porque todos os que câ coftumara5
vir athegora traziaõ os olhos fó no inte*
refle , e todos osintereffes defta terra con-
liftem fó no fangue , e íúor dos índios. '
De André Vidal direy a V. Mageftade
o que me naô atrevi athegora j por menaÒ
Hpreffar j e porque tenho conhecido tan^
\ M ij tos
n-
J € a: R T A:^
tos homens, fey que ha mifter mmtotemf
po para fe conhecer hum homem. Tem
-V. Mageítade muy poucos no feo Reyno
que fejaó como André Vidal , eu o conhe^
cia pouco mais que de vifta , íefama : he
tanto para tudo o demais , como para fol^
dado : muito Chriftao , muito executivo ,
muito amigo dajuftiça ^: eda raza6 , muir
to zelozo do fervi ço de V. Mageftade i, e
obfervador dasiuas Reaes ordens , e fobré
tudo muito deíintereffado j e que entende
muy bem todas asrnaterias, pofto quenao
falle em verfo ,9^^ hé a falta que lhe a-
çhava certo Miniftro grande da Corte de
y. Mageftade. Pelo que tem ajudado a eC*
jtas JChriftandades: llieí)tenh(^ obrigação 'j
Jmàs pelo que toca aoferviço de V. Mage*
ftade (de que nem ainda cá nie poíTo eA
^uecer) digo a V. Mageftade que eftâ An-
dré Vidal perdido no Maranhão ^ ^ que
naõ eftivera a índia perdida fe V. Magê*
ftade lha entregara , digo ifto porque o di-
go nefte Papel que naõ háde paíTar das
mãos de V./ Mageftade, ealTim oeíperodo
conhecimento que V. Mageftade tem da
verdade ./^íe definterelfe com que fempre.
,^ 1 falley
DO P.aANTONíO VIEYRA. 93
falley a ,V. Mageftade , e do Real , c ca-
íholico zelo com que V. Mageftade deze-
na que em todos os Reynos de V. Mageftade
fe faça juftiça , e fe adiante a Fè. A mui-
to Alta e muito poderofa PeíToa de V. Ma^
geftade guarde Deos como a Chriftandade e
os VaíTallos de V. Mageftade havemos mi*
^er,? Para 6. de Dezembro de lí^jj.
>i Ví'
António Vieyra.
;3íi3i
CARTA XIV.
A ElRey.
Senhor*
4
OR carta de V. Mageftade efcrita
em 9. de Abril de i^jj. me orde-
na V; Mageftade por feo Real , e
Oatholico zelo và dando conta fempre a
V. Mageftade do que for liiccedendo nef-
tas Chriftandades , e do que fe oíFerecer
a^ceíTârio para o bem delias , como laefte fa-
«y. Tan-
^4 C A R T A S
Tanto que cheguey , Senhor , ao Ma**
ranha5 conforme o Regimento de V. Ma-
geftade , tomey logo poíTe das Aldeãs dos
índios , e efiviey a ellas Religiofos , que
commayor aflifteiícia do que athegora tra-
taffem de ííia doutrina , como fazem com
grande proveito dáquellas almas.
Ao Pará onde He mayor o defemparo
me paffey logo , e porque as Aldeãs efta5
muy diftantes ,í d muy defpovoadas degen*
te pelas dezordens do tempo paflado , re-^
parti por ellas três Miííoens , cada huma de
doúã Keligrofos ,' par aque continuamente as
andem correndo , e viíitando em quanto
fe naô ajuntaõ conforme a ordem de V.
Mageftade , « fe põem em capacidade de
haver nellas reíidencia. Também deixey
dous Padres no Gurupí que he outra Capi-
tania fita entre o Maranhão e Pará onde
há duas Aldeãs de Índios.
Ao Gunrpâ que he na boca do rio das
Atrpafonas na5 pude hir, por ferforçofa ^
minha aíTiftencia no Pará ao exame , e jui^
^o dos cativeiros da Ley de 16 fi. c para
outros negócios de fèrviço de Deos , e àt
V. Mageftadef mas enviey dom Rêligiofctó
qué
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ^y
que tomâíTem á liiá conta as Aldeãs daquel-
lé deftrito, levarão eíles ReligiofoS comíí-
go mais de cem índios libertados , dos que
QS Portuguezes tinhaò cativado no rio das
Almafonas , fendo amigos, e confederados
noíTos , e foy efte refgate huma boa prova
das novas ordens de V. Mageftade a favor
dos índios que os Padres lhe for ao publi-
car , c com que elles ficarão muy conten-
tes , e animados , e jà faõ partidos por di-^
ferentes braços do rio a levar a meímano^
Vá aos de ííias naçoens , algumas das quaes
faõ populofiíTimas , e fe efperaõ por efte
meyo grandes converíbens.
A grande Ilha chamada dos Joanes fòy
outra MiíTao dedous Religiofos em compa-
ahia das tropas de guerra queaella feman-*
dara5 pelas rafoens de que jà fe fez avizo
a V, Mageftade, epofto que os Padres teM
ofEerecido a paz àquellas naçoens , mas co-
mo he em companhia das armas , e elles
éftâo taõ cfcandalizádos dos agravos que dos
Portuguezes tem recebido / naÔ admitirão
ãthegora a prática da. paz , e hà poucas ef~
per ancas de que venhaõ taã cedo a àdmi-
tiila , porque dizem qiíe conhecem muy
^ -^ bem
^fr.', auefempie lhe abemos, Senhoí,
fe cSTiliiidades, Quando .im^FW
S:ií.e.|ra6 dons Padres a^nj^^
narê que he iio Maranhão , h^erao decec
aíauma gente de naça5 Guajajaras. , e,p^
alguma^gení ^ , dar aos outrosIOfT:
^''^^''^Si^to rio d^s To-
wo iM|tteiif^* _ _^ ^ ^ ccibiça ,dc q»em
4ii$:BWíQíí.|wrKPPw«í.^^^^ . , muitos
entaÕ gosejnava , ; agoi a^^m 4
éftaya4*endi49^ P^^^WJd^,,5 osPadres
huma embaixada (^^0»«-^j^ trezentas
çaõ dos Topmamha^^,Mq^^dilU
Lgoas pelomefmo nMcx^a^l^^^ 1^^^^^
Iv^trm "e tS ^-ovas aW
eftas terras , e icv^^ Padxe^
bufcar *;«d^^ 1^5^ ^ „ç do booi «ato que
zerao ni, é^m^^/m ^ ^ ihp
«5
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 9^
lhe faziaõ os Padres bem certificados , mas
que fó dos Portuguezes fe temiaõ , e quê
em quanto naõ tinhaõ mayores experiên-
cias de fe guardarem as novas ordens de
V. Mageftade que os Padres lhe contavaõ,
naõ fe queriaõ defcer para taõ perto dos
Portuguezes. Ifto diíTeraõ , e fizeraõ mui-*
tos dos mais velhos daquella naçaõ , e dos
que pareciaõ entre elles mais prudentes , a
quem feguia5 os de fua obediência. Mas
cutros, aquém Deos parece tinha efcolhih^
do , fe vieraÕ de muy boa vontade com 0$
Padres, chegarão a efta Cidade do Paraná
oytava de todos os Santos com feífenta ca-
noas carregadas defta gente , em que vinhaõ
mais de mil almas , das quaes no caminho
íbraõ algumas para o Ceo , dos demais ef*
taõ jà baptizados os innocentes , eos adul-
tos le vaõ cathequizando. úí.. «aniiu
Chegados eftes índios liiccedeo húa còu*
za digna de fe faber para remédio de muitas
que nefte Eftado fe uzaõ do mefmo genef
ro. Haverá oito annos que fe fez huma ea4
trada â efta mefma naçaõ dos Topinam^
bàs, de que foy por Cabo hum Bento Ko-
drigues de Oliveira, etrouxeraõ muitos dos
^ Tom, /, N ditos
CA R T A S
ditos índios por efcravos : fuccedeo pois
que entre os que agora vieraõ, muitos acha^
raõ eá feos irmãos , e parentes ,• e fendo
filhos dos mefmos pays , e das mefmas
mãys , huns faõ livres , outros efcravos ,
fem mais razaõ de diíFerença , que ferem
huns trazidos pelos Padres ia Companhia,
e outros pelos OíEciaes das tropas. Tam-
bém nefta de Bento Rodrigues tinha hidof
hum Religiofo de certa Religião , o qual
trouxe grande cantidade dos ditos efcravos,
e foy eíte hum dos grandes impedimentos?
que os Padres achàraõ para reduzir eftes
índios , porque quando lhe allegavaô que
erao Religioíos , e que mnaõ haviaõ de
cativar^ como tinhaõ feito os Capitães Por-
tuguezes , lhe refpondiaõ' elles , que tam-f
beni aquelle era Religiofo, e os cativara ;
e fe os índios das noíías Chriftandades lhes
iiaõ explicarão o diíFerente modo dos Pa-
dres da Companhia , baftára efte exemplo
para nao fe reduzirem.
Eíia boa opiniaõ que os Padres tem en-
tre os índios , os confervou , e defendeo en-
tre elles fem efcoíta de foldados ^ porque
§gp levarão comfigo nuis Portuguezes que
hum
*'Sl})
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ^f
hum cirurgião , couza athè hoje nunca vi-
|la, fendo muitas e muy barbaras as nà-*
çòens por cujas terras paíTáraõ j antes trõti-
xeraÕ os Principaes , cu Cabeças de duas
delias , períuadindo-os a que também fe-^
guiflem , e fe quizeíTem defcer a fer vãíTallòs
de V. Mageílade^í^ha^^coiii elles temos jà
affentado o tempo , e o modo com qUè d
haõ de fazer. Huma deftas náçoêns he 0
dos Catingas , que íempre foraõ inimigos^
dos Portuguezes , e com guerras e aíTaltoi
tem feito muitos^ danos ás nofías terras y
que lhe ficaÕ mais vidinhas ,♦ mas já ficao
de paz , aílim com nofco , como cornou^
tra naça5 também amiga , com quem tra-
ziao guerra. Demais deftas trouxera5 oi
Padres noticias de outras naçoens que ha^
bitaõ por todoaquelle Rio dos Tocantini^^
muitas das quaes fallaõ a lingoà geíal, è
fe efpera que com pouca difiículdade fe re-
duziráõ a noíTa Santa Fè. ^
Eftas faõ 5 Senhor:, as obras , e os luga-
res em que ficamos ao prezente occupados
os Religiofos da Companhia que nefta
Miflaô nos achamos , os quaes fomos por
todos vinte , e de dous em dous eftamos
too \AMY&C:A':K^TTm$ - ''
diyidos por oiide o pede -a mayor neceffil
dade. Da volta que fa^o ^para o MaranJiaõ;
determino de enviar Miíiaõ aos índios d<j
Camuci j e do Searâ^ que eftaò para a parte
do Sul , e he tanto o numero delles , cos
wm a neceíEdade qúe tem de doutrinai
^ Agora reprezentar%:íaaK.Mage '
couzas de que neceííitaeftaMiffao para fet
cultivada como convém ^e íe colher delia
o copiofo fruto , que lua grandeza promeír-^
tiUiA mefle he muita ^^^ecos o|>erariospou-
çc^ j e efta he a primeira couza de que
Ibbrç %oàm neqeffitamosi Ao Jadre Geralj
ci^s^^ç^élv^krtó^e^dBi J^tug:al: ^erdo : firazil-
tenho dado conta 4eflar falta; ^ Qf&0Májm
eípero de íeo zelo e charidâde , qiie m3i
faltarto com efte ilbccorro a huma emprai
za taÕ própria do noffo inílituto , jara quo
eIles:o façaÕ corn máyor promptidaÕ e dfe
feito, importaria muito que V. Mageftad^
© mandaíTe recomendar com todo o aper^
ttbaos mefmos Provinciaes de Portugal a
Brazilí: ,:je juntamente ao Padre Geral , ^
Affiftente de Roma^ naõ fó para que o or-f
denem aílim aos mefmos Provinciaes , mas
para que de Itália , e'das outras aaçoensdç
^'ijiámú . . ^ Europa
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. tor
Éiiropã nt)s venhaõ Miílionarios , como coP
pamaíaõ hir para as Miííbens da Ixidiao^íJ^
páõ , e CJiina , Gom que ellas fe tem augínen-
lado de íugeitos de grandes letras e vir-*
tudes , que naturalmente as augmentaràõ ^
podendo ^rometter a V. Mageftade , que
quanto for crefcendo aqui o numero dos
Mifli43narios , erefcerâtambem o das con-
yeírfoens das almas a muitos milhares por
-uoq/Ví íègunda ?Q(m2s^&^rtí\Ato hí miílaf
cífe Mi&õ jkêiií que F. Mageftade ^ Sè^
íthor , nos feça mef ce d& que poííamos rU
Yer nella quieta « patcificamente iem as pèr^
tufbaçbetis e perfeguiçoens com que os Por-
tuguezes ectkíiáftiíios e leculares continua^
mente nos moleftaõ^pÊ^tinquietaõ. :T©íí#i
contra nos o Povo, às ReligMepiji <mDê^
nátarios das Capitanias MôreSrjB^ég^lâ
mente todos os que neíle Reyno , « n^fti
Eftado laõ intereífados nofangue eíiiordo^
* índios ^ cuja menoridade nos fó defende^
mqsl^i^} porque liiftentamos que íe Ihei
guardem ias Leys e Regimentos de V, M^
geftade j e os livramos íe naõ cativem 1 4
^fiteí^p)tS9gueâferv«n3t lhe paguem o íèo trà^
^qo^íuS balho ,
102 CA R TAS
balho , por eftas duas cauzas taõ juAi-?
ficadas encorremos no ódio , e períegUH
çaõ de todos : e he neceflario que gaftemos
em nos defender deftas batalhas o tempo,
que fora melhor empregado na conquifta
da Fè j e exercício da doutrina a que vie*
mos. à^^hr^V^l
O remédio que ifto tem , e que fó pô-?
de íèr eíFedivo , he que V. Mageftade neíTa
Corte fe firva de naÕ admittir requerimento
algum fobre às matérias da nova Ley e Re*
gimçnto , que fobre taÕ maduras deliberar*
çoens V. Mageftade mandou guardar nefte
Éftado , mandando V. Mageftade paíTar De#
eretos aos Concelhos aonde tocar , que na5
feja admittido , nem ouvido nellts quem
fobre éftes particulares pretender innovar /
ou alterar couza alguma. Epara V. Mage-
ftade ó haver por bem , e mandar aííim , ha
muitas e m,uy forçofas rafoens , que que-^-
ro apontar aqui, para que fejaÕprezentes i
V^, Mageftade. ^? íVít-
? Primeira : Porque as couzas que V. Ma-
geftade foy fervido refolver, todas forao exa^í
minadas e confhltadas com as peíToâs ínai^
timoratas, e de mayores letras que VjMar^
geftade
(^««Hpi»?
; DO P. ANTÓNIO VIEYRA: tò^
geftade tem em feos Reynos. Segunda : por*
gue efta coníiilta e refoluçaõ fe tomou de-
pois de ferem viílas todas as Leys antigas ,
Breves dos Summos Pontífices , Coníultas
do Concelho Ultramarino , e todos os mais
documentos que podia haver na matéria.
Terceira: Porque de tudo fe deo primeiro
vifta ao Procurador do Maranhão e Para , os
quaes deraõ por efcrito íiias razoens. Quar^
ta : Porque em particular o que toca ás Mif*
foens , entradas do fertâõ , e governo efpi-^
ritual, e politico dos índios , tudo foynaõ
fó approvado pelos mefmos Procuradores ^
fenaõ ajuftado com elles, como coníla dé'
papel que eftâ na Secretaria de Eftado, de
letra de Gafpar Dias Ferreira , que fe achou
aa meíma conferencia, € o efcreveo. Quin-^^
ta: porque feria contra a authoridade das mejp
mas Leys, íe cada dia íe mudaííem. Sexta#
porque em quanto fenaõ fechar aporta de
huma vez a todos os requerimentos em
contrario , nunca os moradores defte Eftado
fe ha5 de aquietar , e fó quando virem a
deliberação de V. Mageftade em os naõ
querer oíivir nefta matéria , acabarão de fe
defengaaar nella , e fe acommcdaráõ ao
^W'^'íítà\
lue
104 t A K TAS
que fe tem ordeíiado. Sétima ; porque fó
por efte meyo fe pôde atalhar as grandes
injuftiças , e tiranias que nefte Eftado pa-
decem os índios, cativandofe os livres , e
nao fe pagando aos que trabalhão , que faõ
os dous pontos da Ley e Regimento de V.
Mageftade, e fem os quaes fenaõ podem
confervar os índios , nem o Eftado. Ou-
tavo : porque na junta que fe fez fobre
efta matéria , conforme o Decreto de Wu
Mageftade, fefeguiraò as opinioens mais lar-
gas, e mais favoráveis aos moradores , e
çendofelhe concedido tudo o que nos limi-
tes da juftiça era poíTivel , na5 lhes fica»
que pretender , fenaõ o injufto. Nona^5
porque os mefmòs Religiofos , a que Deos
da dezejo de empregar a vida na conver^
faõ deftas gentilidades , com á noticia def-
tas inquietaçoens fe esfriaÕ , e corre gran-
de rifco , que os meímos que cà tem vin-
do , fe arrependaõ , porque vieraõ bufcar
a converfaõ das almas dos infiéis , e naõ
aperturbaçaõ das fiias. Decima : porque fe V»
Mageftade defende , e ampara todos os
feos Miniftros por inferiores que fejao ,
com jnuita mais razaõ o merecem efte$
DO P/ ANTÓNIO VIEYRA. loj
looarias *, ^me faÕ mandados por V.
áMageftade ,^ que debaixo da íua firma de
^. Mageftade deixarão iíias pátrias ,.,^
Cpllegiós j e tudo o que podiaõ ter , ;c
rèfperar das çouzas hum^anas. , íó por ícr^
yirera a Deos e a V' Mageftade na ma-
lyofc^f lÉiaás: importante empreza , que he
W>propagaça5 daFè , e o defcargo dacon^
xiencia de V . Mageftade ^ e fe os Miniftros
èo Santo Ofli cio laõ com muita razaõ tao
iPdpeita<iose venerados , porque defendem
*a Fè na paz , quanta razão há para que os
-que defendem a mefma Fè na campanha,
^a; pbantaõfedilataÕ com o fangue ecom
í^^^rmidaso^i íejâõ^ favorecidos e amparados
lia j^andeza: deY. Mag^ por meyode
*#0lReaes Miniftros ?.Tsena5 perfeguidos, ,
e defprezados , e afrontados de todos , como
-fâÕ os que nefta MiffaÒ fervimo^^p^^ cpjal
fe ex per imen ta o qu^e d efâ e o princi pio da
Igreja Te na5 lè de nenhuma • porque nas
outras eraõ os Pregadores favorecidos , e
amparadios dos Chriftãos ^ e perfeguidos e
-mat*ty rizados dos Gentios >• e nefta; os Geti^
tios^ no$ amaÕ ry nos recebem , e nos vene-»
^aõ ;í e^cje Chriflâosí , ainda ileligiofos e
V Ti?/;/. A O Por-
ip^ C A R T A 5 '
e Portiaguezes , faõ os que nos pej-fèguem e ^
frontão , e fobre tudo nos perturhaõ / e
impedem o exercido de noflbs minifterios,
e ^ çonverfaõ das almas , que lie o que
mais fe fente.
Finalmente, Senhor, quando na5hom
vera nenhuma outra raza5 , e quando tu*
do o que V. Mageftade tem ordenado , naõ
fora ta5 jufto e taõ juftiiícado como he ,
fó polo que agora direy o devia V; Mage-
ftade mandar continuar fem mudança nem
alteração alguma. Tudo o que V. Mage-
ftade tem ordenado na ultima Ley e Regi^
imento, eftâ publicado iaos índios, naõ íb
neftas terras e ims tâzinhás fe,^ ^fína^en^ otb-
trás muy apartadas e remotas , onde por
recados e por efcrito tem mandado o Go-
vernador ,e os Padres a diííerentes índios
das mefmas naçoens , para que lhes refí-
ra5 o novo trato que V. Mageftade lhes
manda fazer 5 e como todos os índios hao
de, viver debaixo da protecção e doutrina
dõ^BPadres da Companhia , que he o que
elles dezeja5,pola grande fama que os dir
tos Padres tem de ferem os mayores amir
gos e defenfores dos,mefmos índios:, eporr-
» iíTo
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. lo^
íffo fa5 delles muito amados. Ifto lie,Senkor^
o que eftà mandado dizer a todos , o que
jâ tem abalado a muitos das Ikas terras , e
o que nas noíTas detém a outros , que de
deíeíperados fe queriáô fahir delias. E fe
agora viíTem que eílas promeíías e efpe-
ranças defarmavaõ em vaõ , e tornavao as
couzas a correr pelo -eftilo que d' mies ,
nenhum credito íe dajrja mais entre4>^ Ín-
dios ás Leys e ordens de V. Mageftade , nem
ás palavras dos Governadores : eos Miílio-
-narios perderiaó toda a opinião e authori-
dade que tem com elles : c naÕ íó naõ deA
ceriaõ do fertaõ a ferChriftãos e VaíTallos
^áeV. Mageftade. as snaçoens que fe efpe-
raõ , mas ainda os Chriftãos e VaíTallos
€;ntigos deíèfperariaõ totalmente e defpo-
voariaõ fuás Aldeãs , como outras ve^es
tem feito , e fe arruinaria por efta via to-
do o fundamento do Eftado e das Chriílan'^
dades , que confifte na confervaçaõ , e facili--
-dade de ter índios.
*i Efperamos qme V. Mageftade mandará
confiderar o pezo defta razaõ , e das mais,
como a importância delias pede.
A muito alta e muito poderofa Peftba
oilí O ij de
^e V. Mageftade guarde Deos, como a ChrP
ftandadp e os Vaffallos de V. Mageftade
Cavemos mifter. Para 8. de Dezembro de
António Vieyra,
í£hv
'.nnúm-^A^S ■
W jUL Iv IA
ojIdo o> oíii «í ^jp.sbiá:*io7f:ín
carta com .quc^V. Mageftade nos
fez mercê mandar honrar e à^
fenderí y recebeo efta Miffaõ d)s>i'\^4 Mage-»
ftade comj o affeâ:o e veneração que de-»
via yt>e comia meíma proftrados todos aos
Reaêspês deV, Mageftade rendemos a V*
Mageftade as graças pola juftiça e piedá^
de defte favor ^ de cuj a refoluçaÕ dependia
o eftabelecimento deftas Chriftandades '^
como da continuação delie dependerão feos
âugmcntQs*. ' . . .^|>r-i2a;ii?í^
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. lof
Eu em particulaí: /Senhora , no defpaçhQ
defte Memorial que detao longe reprefen-
tey aV. Mageftade, conheci que ainda naô
eftava totalmente morto na memoria de
V. Mageftade quem tantas vezes arrifcou a
vida ás tempeftades > ás balas , ás peftes ,
£ ás treiçoens dos inimigos de Portugal, pa-»
ra que elle e todas as partes de lua Monar^
quia fè eftabeleceflem na Coroa de V. Ma-
geftade. Com a falta delRey e do Princepe
que eftao no Géé mdo me faltou , e a be-
nevolência que o feo refpeito me concilia-
va con^ os Miniftros j fe lepultou toda com
elles 5 e em feo lugar reíufcítárao os ódios,
iia^inv^,tíiií|p|álklfevj(k que então íe diílí--
mú^fíM\í^í^^J^?mjp:m^cax^ íentimento,
hé que íè vinguem . eftes ódios , naÔ cm,
fnim , fenaõ nas almas deftes Chriftaos ç
XSoitios , cuj a falvaçaõ fe impede , e , quani^
do menos , fe perturba muito , por fe dareiB
lôuvidos a informaçoens taõ alheas da ver-
dade e do conhecimento que os mefniios
JMiniftros deverão ter da minha , e do meo
deílnterefle , na experiência de tantos an^
11Q&, Mas aíSm havia de íer , para que t
$mxçê q^e lií^^ oMageft^de^^n^ (giz, ai dev^
UÍ .': toda
iio C A R T A S
toda á grandeza de V. Mageftade.
í Com tudo j para que confte aos Mini-
ftros e Tribunaes , fiz petição ao Governa*
dor D. Pedro de Mello mandafle examinar
juridicamente todas as queixas que ndft
Corte fetem feito contra os Reiigiofos deí^
ta Miííaõ , e todas va5 examinadas 15 e^ a
verdade provada na forma que V. Mage*
ftadc lhes pôde mandar ver. Aííim fe mu-*
daõ os tempos y e nao hte o menor íãcrificiía
que poílb oííerecer a Deos íías circunítart*
cias do prezente , verme por feo amor etít
eftado qtie haja mifter teílemunhas a mi*^
nha verdade. Mas o terme V. Màg^''
mandado deferir jfèm ellas^ y íby a líi
mercê que podia receber dá Real benigni«
dade de V. Mageftade , e por ella me pu-ít
dera dar por bem pa^o de todos os meofe
ferviçoSj perigos ,c trabalhos , quando ai ti*
vera fervido por paga, >;
Sobre efte favor taõ grande, me diz mkit
o Bifpo Oonfeífor da parte de V. Mage*
ftade,aue tudo o que for neceíTario amim/
e a Miííaõ, o reprefente a V. Mageftade f
porque V. Mageftade nos quer fazer mer<}ê
de nos mandar aíTiftir e foccocrer. Eu, Sê*fí
nhora
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. in
íihora 5 depois que deixey o lugar que tinha
aos pès delRey e de V. Mageftade, nunca
- mais me foy neceíTario nada , porque na-
quelle facrificio renunciey tudo , nem o
mundo tem que me dar , depois que mç
deo quanto tinha , quanto podia , e eu o
puz nas maÕs de Deos para o empregar
melhor. As MiíToens como naõ tem mais
que a mercê que S. Mageftade fez aos pri-
meirx)s dés Religiofoç y e fobre eft e nume-
ro tem crefcido muitos , e cadat dia lè eP
peraõ mais , bem fe deixa ver a eftreiteza
com que fe paíTará nellas , e a falta quefe
padecera de tudo. Mas os empenhos das
gaerras preftntes, a que os efíeitos da far-
zènda Real eftaõ divertidos , faõ taõ juftos
€ taõ grandes , que me nao confente o zelo
da Gonfervâçaõ do Reyno ( que em mim
he íèmpre o meímo ) atrevermo-nos a pe^
dir fazenda , quando todos devem oíFerecer
o Tangue. O que fó peço em nome de to-
dos os Religiofos deftas MiíToens he , que
V. Mageftade nos mande confervar fem^
prena firmeza das ordens que trouxe ò Go-
vernador , de que acerca das MiíToens e dos
índios fe naõ mude, nem altere couza ai-
-mBãk guma
■f'j
112 CA R T À S
guma j mandando V. Mageftade recom-
mendar de novo muito |, e |ii> meímo Go-
Tcrnador y a affiftencia etavoí dos Miffiona^
rios , em forma que entenda elle e todo o
Eftado, que O mayor cuidado e dezejo de
V. Mageftade he o augmento e propaga*
çaÕ da Fè e converfaÕ das gentilidades ^
como verdadeiramente he : e que os Reli-*-
giòíbs da Companhia , como Miniftros da
i^eíina converlaô ^ iiaõde ter lèntpre b^
grandeza e juftif a deipJiMageftade muito
íegura a protecção 0attparo. Guarde Deos
a Real Peffoa de V» Mageftade , como ^
Ghriftandade e os Vaílallos de V. Magefta^
de havemos mifter, Maratíhaõ i . de Setèitil
bro de i^j8, -
António Vieyraé
n
k'}f'if-J>
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 113
Senhor.
Governador D. Pedro de Mello i
fegundo as inftancias com que tem
pedido licença a V. Mageftade
cara fe recolher ao Reyno , eípera fazello
na monção defte inverno , em quanto par-
to ao Rio das Almazonas a aíTentar huma
Miflaõ nas naçoens dos Inimgaibas , e ou*"
tra na dos Tapuyas que faõ vizinhas de
muitas outras , em que fe efpera grande
converfaÕ de almas , ferviço de V. Mage-
ftade , e augmento de todo oEftado , que
fó por efta via pôde vir a fer o que pro-
mette a largueza de luas terras e mares : da
importância da paz dos Inimgaibas c quan-
to ao comercio que tem as naçoens daquellas
partes com os Holandezes , jà dey conta
a V. Mageftade, ede como também fica5
reduzidos à obediência de V, Mageftade
--MT^m, L P toda
IÍ4 C A^ T A S
toda a ferra de Tibiapava , e franqueado
OíCaminh-Oopor terra athe Pernambuco quie
Ía5 mais dé 300; legoas por coílâs infefía-^^
das athegora de naçoens inimigas e barba--?
ras ; agora levo também a meo cargo as^;
ordens de hum notável defcubrimento dei
que íe eípèraõ ainda mayoJces coníequencias^
pola comodidade dos rios , que multidão , e
bondade da gente , e pola lièceílídade qwm
tem depila efta3 Gapitanias da parte do M^i^
ranhaõ ., e as maás do íift^do , eftaõ mu'^
fatos^ de índios , e por iflo menos defen-t
didas , e expoftas à inva^^aõ dos inimigos^
com os quaesfè experimenta jâ o valor 0
fiddidade defta naçaÕ , porque âlguns^ítólfl
to que entre nos ba^ia ^^ fôrao os quémar-f
^f 'guerra fizera© aos Holandeses, quandd
<|CGupara5 efta Gidade > athê os lançaremf
fera delia. Tudo ifto > Senhor , reprezen-^
to a V. Mageftade para que quando o Go^
vernador D. Pedro parta antes de eu che-^
gar deftas Miffoens , feja prezente a V.
Mageftade o muito que a V. Mageílade
tem fervido neíte Eftado , em menos de
dous annos e meyo de feo governo , porque
taado- Q que fe obrou fe deve principalmen-^
te
DO P. ^NTDNIO ^VIEYRA. if^
t^bâo feo zelo , cuidado , dilpoíiçaò ^exc-';
euçaõ^ que he gratide , e fem a qmal fe tiaã
pudera CGnlèguir couza de coníideraçaõ ,
e muito menos tantas etaÕ diíRcultozasem
t;a5 breve tempo. A Deos e a V. Mage-
ftade pedimos todos os Religiofos deftas
MiíToenSjlàe mande V. Mageftade íuGcedèf,
íjuando V. Mageftade aííim o teíiha orde-
nado , peflba de tal talento e Chriftandade
que leve -pordiaôie o <jue elletem começa^
éo, que V. Mageftade por ííiá grandeza, deve^
mandar agradecer e premiar como fervi çíosi
taõ final adosrherecem, pára que conheçaâ
todos que V, Mageftade eftima os defta qua-
lidade , pois laõ verdadeiramente osmayo-
r€síç e de que mais depende a confervaçaõ do
Reyno , fundado fo no mundo por Deos
para dikjtar ^ Fé : epòfto que V. Mageftade
chame a D. Pedro de Mello para mais perto
da Real PeíToa de V. Mageftade , por con-
correrem nefte Fidalgo as qualidades mais
neceíTarias para o tempo prezente , coma
nelle tenho conhecido em todo o tempo
qtie o tratey , entendo , e affim o peço a
V. Mageftade, que na mefina peííoa deD.
Pedro pôde V. Mageftade continuar a Real
^ P ij pro-
ti6 â CA R TAS A
protecção , com que V. Mageftade foy fer-
vido crear e augmentar efta Gonquifta de
Chriílo , fervindo~fe V. Mageftade do feo
confelho e das luas noticias que faõ mui-
tas : e nas das partes Ultramarinas como
em todas as mais , experimentará V. Ma-
geftade quanto Chriftao ^ e bem intencio-
nado he o feo zelo , e quam acertado o
íèo voto*
,^^c! Çuarde I>eos^ Real Peíloa de V. Ma-^
geftade como a Ghrillandade e òs Vaílal-
los de V. Mageftade havemos miíler. Maé
s.iqbfiíiiavoíl ©lioíí ò.:XÍh ^^ Oi^p'm^■■^''^ot
os^nom ^n- aiíp ^ oItóM, st oib^^' M ■o°^iáiâ.
^iiMiíteq:ofoj António Vieyra.
J. í fí3, fç ■iffi^ J-J ^ jrf-ll ^^.^^^^
:.mm^
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA: ii>
■'iXy
i-âQ^Díilj
TÍIFITI f}$
B(/po do "Japão.
Senhor Bifpo.
ONTRA a vontade , e contra o en-^
'i tendimento efcrevo efta á V. Se-
_ nh<^i^;?Êontra a vontade , porqul
ke matéria que muito firíto , e que a todoá
nos efta muitomal: contra o entendimen^
to , porque me diz o noíTo Governador e
amigo D. Pedro de Mello , que na monça5
defte inverno hade partir para o Reyno ,
porque lhe hade vir fucceííbr de Lisboa, a
que de nenhum modo me poíTo perlíiadir,
por mais que fey as inftancias que elle tem
Feito. Eu quis reprezentar com todo o en-
carecimento a S. Mageftade , e pedir a V-
Senhoria, naõ fó que acabaíTe D. Pedro o
feo governo , mas que continuaíTe nelle
por muito mais tempo , e o naÕ fiz, por-
íjue me convinha por noíTa amizade , e
fiaõ çra rafaõ qtte lhe pagafle as obrigações
J 'S
quç lhe tenho , com moftrar, que eramaísT
amigt) in^c^^ifequéíjfeoi §é é^me^^tígmiwp
e ítieceder ò que ellé diz 5 lá õterá "V^^ Ste^
nhoria aonde V. Senhoria corti^ os feo^
poderes, pois eu nao valho nada, lhe pôd^;
íazer agradecer o muito que nos tem feit<3b
é faz , que nao repito a V. Senhoria , pois
he efte affumpto a mais ordinária matéria
das iiíinhas cartas; Em liimma digo : que
i^€S^í4dô^-' âfííiôi '^'^irWf^ íèí-têni:^ obrãdrif
âuitò^em- fòr f ifo^^dtnpêis^;^^' iè^S:^^ Mage^s
ftade , e ít teni^lálf áite fendamentôs a rixúm
to mayore^ obrâS y ie todo íe deve à difpo^
fiçáÕ e execução de D^ Pêdií^ , íferÉ^^^ quâÉ
ntàhuma couza íe púder^^<aAeguirçè lifti^
to minos tantas, e t-aÔ diffictilt^rfks e de^âií^
ia ím^^itantiá» Queira Deoi^qôé lá o íki^
teê êtehece^^s^tie fó temos > olhos nká
fr^fictófas edíP^áfcitttejo , e naô ^ortfide^aÕ^
qtíe 'o ^èynó de Portugal nao foy fundada
para fò efteíider pot Caftella , íèhaõ pára
dilia|af ' a Fé de Chrifto , e ò Reyho ^dè
Deos pdo mutido. A S. Mageftade rep^e^
:zento,que importará ainda para feo feívi^
ço, qué os defta; qualidade íêpr^iMe^íií
Como merecem, para que haja ^^tíi^icofttfo
nue
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. tif
núe o que D. Pedro tem começado • e
<p^mmh& homàétlkc tal peííba , que nm
definánche o que com tato bom zelo , e
com taõ bons trabalhos fe vay fazendo. Se
aígum aHirio mcfica íia auzeneia defte Fi-
dalgo , he dezejar ver muitos de fuás qua-
lidades junto da Peflba de S.- Mageftade , e
mais jíO tempo prezmte , em que taõ nece-
ífario lie o bom coração , e fidelidade ^.
\^ltf é honra : tudo ifto tenho conhecida
em R. Pédrò deppís?que' o trato. Já eudif^
foa V* Senhoria que êm hum lugar doConce^
nho Ultramarino feria muito bom o feo vo-?
ífe^polas iioticias que tem deftas partes ,
eieu fio que depois que S. Mageftade ex-
perimentar a limpeza do íêo zelo , e cla-
sá^a do feô jtiizo em todas as materií^s, íe
hade querer SiMageftadelèr^irdelle ^^
à)da^. A' experien:cia me reporto ;,4bbfe>^
<|ual nao fêrá neceíTario o favor que V.
Senhoria me faz , o qual eu renunciara de
boa vontade na peffoa de D. Pedro para
feos âccrefcentamentos quando elle o houve-i
íá mifter 5 polas obrigaçoens que lhe tenho^
f poios bens qii^ lhe dezejo : traganos
fie©t oboas B©yas-de V» Senhoria , a que:^
I20 CARTAS
mefmo Senhor nos guarde para noffb âm-»
paro e dezempenho. Maranbaõ 4. de De-
zembro de 1660,
Humilde Creado e que mais ama
a V. Senhoria*
António VieyraJ
CARTA XVIII.
j^o Touque do CadavaL
ENHOR: com razão diz V. Exccl^
lencia,que andaõ os trabalhos enca*»
,,„^^ deadòs. E quanto ao do Senhor Con-
de de Soure , na5 acho outro allivio a ta5
grande matéria de fentimento mais , que a
confideraça5 de haver Deos trocado asfen-
tenças , deixando-nos a vida do Conde pa-
ra muitos annos , como havemos mifter , c
levando para o Ceo aquelle penhor , cuja
faudade fe pôde confolar com muitos outros,
que Deos ainda lhe dará. Mas appiicanda
a ca-*
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 121
a-eadeados trabalhos aos meos , tem-íe
ella travado de maneira , que fendo o meo
mayor fentimento a auzeneia de V. Excel-
lencia defla Corte , quaíi me vem a íèr ai-
livio 5 ou remédio a mefma auzeneia, pois
feria nova circunftancia de pena faltarme
a communicaçaõ de V. Excellencia , fe V.
Excellencia faltar de Lisboa. Narrarey o ca-
zo como tem paflado , pofto que já dey a
V. Excellencia as primeiras noticias delle.
Tive avizo haverá quinze dias , que me
eftava decretado novo deíterro: huma Ver-
faò diz , que para o Brazil , outra para
o Maranhão , outra para Angola • fahio
ifto de hum dos mayores Minilfros , e com
termos taõ efFedivos ,, que fe tomou infor-
mação dos navios que havia para aquellas
.partes. Dezejey faber a cauza defta novi,-
iade , e no correo paííado me avizaraã^:^
ou notificarão fora por huma carta ou car-
tas que eu efcrevera a V. Excellencia , dif-
correndo fobre as pazes do Minho , a fa-
•WQi!' da negociação , e de quem a obrava
Écti. e que comunicando V. Excellencia ef*
tas cartas , chegara de maõ em maõ o que
«nellasfe dizia aparte, onde de tudo fe fí^
'^v^2^^ L Q^ zera
12' 2
CARTA S
zera( palavras formaes ) refinadiííima pe-
çonha. Na5 hà heregia que fe naõ tiràíTa
da Sagrada Efcritura , e com tudo as pala-
vras fa5 diótadas pelo Efpirito Santo , mas
naõ eftâ o mal nas palavras , fenaÕ na
interpretação que lhes querem dar : e co-
£no dizem que foraõ de maõ em ma5 ^ bem
pôde ler que chegaííem ta5 diíFerentes , que
totalmente na5 foíTem as minhas , e aílim
o creo. Mas de qualquer modo que haja ,
ou naõ haja fido, eu eftou pela íentença ,
e hirey para onde me mandarem , feja
Africa , ou America , que em toda a par-
te ha terra para o corpo , e Deos para ã
alma , e là nos acharemos todos diante da-
quelle Tribunal , onde fó teftemunha á
verdade , fentençea a juftiçaye nunca he
condenada a innocencia. Além deílecafti*^
go que dizem eftâ decretado , feme noti-
fiea outro , pofto que me naÕ declaraÕ de
que tribunal fahio , em que me ordenaõ
por modo de confelho , que me abftenha
de efcrever âquella Perfonagem , a quem eí-
erevi o fobredito ( porque naÕ nomeaÕ à
PeíToa de V. Excellencia) e que fó o faça
por efta vez , dando fatisfaçaõ de mim e
L\ con-
/
DO^P. ANTÓNIO VIEYRA. ny
conta daoceafiaõ. Efta lie , Senhor , toda a
hiftoria com que entrou o aano de 1662
e fe vay declarando por critico contra mim
pois na5 fó defterraÕ a V. Excellencia de
Lisboa , mas a mim de V. Excellencia , da
qual fentença o meo coração fe ri muito no
meyo do feo fentimento , appellando dos
inftrumentos da memoria para a melma me-
moria , e dando graças a Deos , porque
os que tem jurifdiçaõ fobre o papel , na5
a tem fobre a alma. Saõ hoje os vinte que
y . Excellencia tem fmalado por dia decre-
torio da partida. O tempo eftâ claro e con-
certado , ainda que o naõefteja o mundo.
O que importa, he que V.Excellencia tenha
muy boa viagem , e que V. Excellencia a
procure fazer com o mayor defcanço , e
comodidade, efe V. Excellencia em Gou-
vea achar menos Lisboa , também fera ai-
livio o achalla menos ,• e nenhuma couza
faltará a V. Excellencia em toda a parte ,
pois fe leva comíígo. De mim naò tenho
que dizer a V. Excellencia , porque o mef-
mo que tenho dito , ferve para todos os
tempos, pois fou e hey deí-r o mefmoem
^todos. Se com eíFeito me mandarem em-
Q^ij barcar;
íài4 CARTAS
barcar ; como na hora da morte naõ hàre-
Íervaça5 , aproveitarme-hey do privilegio
para dizer a V* Excellencia o a Dio : no
entre tanto, fe me naõ he licito procurar
novas de V. Excellencia em direitura , fallo
hey por outra via , que naõ me haÕde im-
pedir todas os homens. E quando elles o
façaõ ', as de Deos eftaÕ fora da fua jurifdi-
çaõ 5 e empregar-fe-ha o meo aíFeóto todo
em oraçoens , e facrificios, rogando ao meí--
mo Senhor como fempre faço , pela fe^
licidade daPeíToa eCazadeV. Excellencia
e fobre tudo , pedindo a fua Divina Mar
geftade, tenha a V. Excellencia no nume*
ro de feos Vaffallos , confervando íèmpre
a V. Excellencia em ííia graça com gran-
des augrhentos delia /que he oque ío hade
durar, e o que fó importa. Guarde Deos a
V. Excellencia muitos annos como dezejo.
Porto 20. de Janeiro de 16^3.
Convém que a noticia defta refoluçaõ
naõ paíTe de V. Excellencia , por refpeito de
quem ma notificou , principalmente , naÕ
fe me dizendo donde, manou, o que eu pro-
curei faber.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra. CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA: ny
CARTA XIX.
Ao Marquês de Gouvea.
ENHOR. Naõ poderey dizer a V.
Excellencia que tenho boas feftas ,
pois me faltaõ novas de V. Excellen-
cia , fem as quais he força crefça o cuidado
em que fempre me tem a faude de V. Ex-
cellencia nos rigores deíTe lugar , e defte
tempo. Queira N. Senhor feja outra a cau-
fa , com a qual mais facilmente me com-
por ey.
Por eftas partes naõ hà couzà digna de
3relaça5 , mais que parecer fe tem recolhi-
do o exercito do Minho , pois me dizem
em carta do Porto que o amigo JoaÒ Nu-
nes da Cunha vem ter a Feita a fua Cafa.
Na mefma carta vem o paragrafo feguin-
<te : Anda aqui : ^ue o Re^ de Argel he Por-
tuguez de junto a Pinhel , e que mandou pre^
Isente a ElRey , e recommendaçoem para feos
-parentes , e certa peça para o vizmho dapor-
4a y que he hum Crucifixo , e que jà ElRey
; ' dera
'n
fté C AR TA S
dera dous lugares em mojle^yros a duas fohri-
nhãs do dito. Se ajfirn he , parece fe cumpre
a profecia : Huma porta fe abrirá nurn dos
Reynos Africanos &fc. Athequi a carta ;
em confirmação da qual conta hum Padre
que aqui chegou os dias paífados de Roma ,
que he certo haver no dito Reyno de Ar-
gel hum Portuguez de Pinhel que lá he
Baxâ muito poderofo , muito bem quifto,
e de grande authoridade , e que he veroíi-?
mel , que a efte o levantaíTem por Rey , por
que confta fer morto violentamente o Tur-
co\,que alli reinava.
E nos últimos avizos que viera5 de Ro-
ma fe efcreve também que outro filho xle
hum Reydaquellas partes, convertido aFè,
íe fará prezentar ao Pontifice , e pedira
fer recebido na Companhia, em cujo novi-
ciado já ficava feito Rehgiofo. Pela mef-
ma via de Roma me avizaraõ também de
Lisboa nefte correyo , que o exercito da
Turco tinha tomado fette Cidades de A-
lemanha , e que a íitiada era Praga , com
que ficava5 cortados todos os foccorros de
Vienna de Auftria , e o Emperador em íum-^
ma defconfiança. Tudo fe vay encaminhan*
do
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. iif
do ao caftigo da Chriftandade , que , fegun-
do as profecias , he a ultima diípoíiçao
das felicidades que fe efperaÕ.Tragame Deos
a de boas novas de V. Excellencia para que
comece o anno de (^4. com taÕ felices prin-
cípios, como aV. Excellencia dezejo. Cuja
PeíToa o Ceo guarde por muitos annos, co-
mo havemos mifter , e eu continuamente
lhe peço em todas as minhas oraçoens e
íâcrificios. Coimbra 20, de Dezembro de
Capellaõ e menor Creado de V.
Excellencia.
António Vieyra.
CAR^
li
ít :
;8
A R T AS
'H^.
3 yij
AT>
/:\ ."\
emxes
ENHOR. Algum privilegio íè hade
tomar â conta da faude de S. A. de
que a V. Senhoria fa5 devidos os pri-^
jneiros parabéns, como taõ intereííadoe mâ.iá
que todos no dezejo ^/ ^í^ ^ftimaçaõ dellat
GonfeíTo a V. Senhoria que depois de tres
vezes morto , e tres vezes reíufcitado nep*
te anno , íby tanta a minha defconfiança da
vida^ coind tiolíí>diaí>5defte gi^aíxde cuydadóí
Bemdita feja a Divina Bondade, que taÕ in-^
teiramente nos livrou delle , e a V. Se-*
nhoria do extremo fentimento em que a-
companhey ^, e cdníiderey fempre a V. Se-
nhoria 5 como quem taõ lembrado eftâ do
afFeóto com que V. Senhoria amava , e a-
dorava a S. A. no tempo em que eu podia
ferteftemunha delle, que naÕ confidero ho-*^
je diminuido , fena5 muy crefcido fempre,
como o pede a razaò.
Eu, Senhor^ como tenho dito a V. Se-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. t%f
nhoria, três vezes cheguey ás portas da mar-
te nefta minha doença, de que torney a ar-
ribar , fóra de toda a eíperança , por mercê
de Deos. Sirva-fe fua Divina Mageftade
que fejapara ofaberfervir 5 ainda que pou-
co poíIo,mal convalecido, e com receyos
de recahir, porque naõ pode a minha fra-
queza com a intemperança deftes ares , e
com os rigores defte fegundo cárcere de
Coimbra para onde me mandarão , naõ fey
por que culpas. Efta há fido também a cauza
<do meo diuturno íilencio , e de naõ pro-
curar novas de V. Senhoria por carta , co-
«íio ainda agora o naõ fizera , fe o Padre
Reytor de Santo Antaõ , que também me
iiaõ efe revê há mais de hum anno , por ter-
ípeira peífoa me naõ avizára que V. Senho-?
ria o determinava fazer ; com que fuppo-
jtiho naõ haverá de prezente o perigo que
experimentey com a ultima de V. Senho-
ria que recebi no Porto , que como alhea,
de todo o myfterio naõ duvidey moftrar a
algum amigo, o qual na interpretação del-
ia devia de naÕ guardar a íinceridade que
efte honrado nome fignifica. Emfim aqui
^ftou , e aqui eftive tantas vezes para mor-
Tom, L R rer.
rer, e entendendo os médicos que fó a mu*
dança dos ;áres me podia dar íaiide , na5
me quis Conceder eííe favor aquella Pátria
por quem eu tantas vezes arriíquey ávida.
Sobre tudo eftimo que V. Senhoria eo
Senhor Marquês ( de quem fempre procuro
líovas por todas íÉl^i§á^<q(íiem^hepòíIv
àgjaô paílado lempre com a vida € laude
ique a S. Excellencia e a V. Senhoria dez^
J^^companhando ern tOílâSí^s^tunas deífè
3ânnô , j á eomí^é^gdíloi, ^áteiip^l^fentim^n-
to /a diíferença 4:jté>4íêlto b^fperimentou a
Caza de V; Seàhèrââi: ^v^ogandcv íempre^u
Pèõsí a x^toáe^v^í^ áugi^ríflP tóm a^ fe]#*
iida^^^rj^êsy ..nStataMlii-^^ê^o ^aiteí^*íá[*i^
principaes <:õl\imnás- dèlte^^Ò *tfieím Se*
nhc^ ■■gimrde^;^^^^!^te)^iap '«^^'^ a^ ^V^
ulterilgtó íílegMs^^ífe^ boítío á VJ Senho-
ria dfeze|o^ ^i^gfcitât i^. d£^ Dezembro^ de
d& V^. Senhoík:,
Aníonio Vièyra^
'l:~ Ú^Sti -'Sèst ;>/iíll.' l>íS-.íV
. CAR-
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. 131
mi3
IJK
-U.
D3^
(||v|í<É|NHQR* Yaõ eftas regras , pois Và
^Senhoria lho confente, acompanluar
_ íP(ií5lMiíSenhoria na peregrinação de
Saii^afegrM y e tefl:ífi car, o mayor gofto com
=qi^rQjéieç%|2feJ^je fofa geimittido , quem
^sueferevé «.q^-JD^lxi -póde^ V. Senhoria dar-
Ii^r|í§rêdit%x5,goque be efte o termo mais
-^UmmcxêmscmiS^tfl níiep coração pode-
^idecilM^a?oe3|tJ^lW^líÇQ|n ique^ajBa/y:e íe
fjgroiihe^e ohrigadQ â peíToa de V. Senho-
ra; pois na5 haveria outra força, nemreJp-
peito humano que o obrigaíTe a tornar a ver
<<j>»Md0 depois de eftar taõ dçfengaMdoj
€! aborrecido delle. Mas como em V. Se-
nhoria fe quebrarão todas as leys do meC-
mo mundo , razaõ era que fe quebraflem
também todas, para de mais perto fervir ,
venerar , e lograr aprezençade V. Senho*
da. Bem fey, que pelo bordo de V. Senho-
ria naõ faz a nao agoa : e eíle conhecimen-
->iA._.. R ij to
to fó me baila , ainda que tudo o mais íe
perdêrai , para que a minba íatisfaçaõ e
go&o tiSLÕ ' Jpo&jà mais íazer naufrágio^
Tudo o mais pertence aoexterior^ e eufá
quizèra viver dos bens da alma ; em que
naõ tem poder o tempo , nem jurifdiçaõa
fd!rtuna4£*:feaie Sv Mageftade.que Deos giia^
É(è;'y ainda he mayor do que provara© os
íucceíTos do anno paíTado : e em mim pofe
^^íie: íèja particular inftituto o; conhecete
l^ipmaÕ he rnereeioajeMímíoidezef alia I pofa
qhei&bre as^ obtigaçirónsÃde A^aííatlo ^ te^
rfio^ as que herdey qdo&í mortos ^é as que
ddvcfe: aos i vivos i^ieiiasxqneeípero dever à
tóflS^i de SoíMa^eflras&i.^' quando aííim na4
^rdadé do meó affeífioí, como nasí^^minha^
tóterpretaçoens; reconhecer hum men^r D-a^
IxieL^píe lograr íhuma mayor Monarquia*!
Bsquè/ íer^a ^. Senhon meo , íe o principio
áfftaofeéioidade eítiveíTe guardado para o
Senhor Marques, como principal inftrumenr^
to delia ? Eu naõ acho naquelle noffo Profeta
mais. jque hum fó encontro com os CafteHi
IhanoSy que eílaria ainda por cumprir : mas
êffe de .tanta felicidade , que haja deafo;
,|pmbrar o mundo. Se efta ultima fentença.
-í^u hada
DO P. AKTONIO VIEYRA: 133
fiadè ter alguma interlocutoria , ^naõ me
sotífta j fó poderey affirmar que naõ faz
íB^ça^délla alguma o mefm© Author. Efta
Kènhuma das razoens , porque feriaõ de
grande importância apreffarem-íe osmeyos
da>iucceíIaÕ.Tamoííos Priucepes. Nenhum
femtiuieutôf tepho de que o cazamento de
França naõ efteja concluido. Poderá fen
que tenha Deos determinado outra unia5
mais vizinha ^ e de mayor grapdeza , e
€OBveniem€Ía.> EnmFÊ-tanto eftimo a pere4
grinaçaõ de V. Senhoria febre tao repeti-
das affiftencias do Gorpo Santo, e me ale-
gra fummamente que a alma delle tenha
%tm bom goftoi < Emfim Senhor , naõ he
tempo de o tomar , a V. Senhoria. Aquelle
papel íevay fazendo, quanto o permitte a
frieza do tempo , e a fraqueza da faudei,;
iBas naõ o vera o mundo , femque Y. Se^
nhoria o veja , e o emende primeiro. A-
quelles documentos em que fali ey na carta
paífada , naõ dem cuidado a jV. Senhoria ,
porque ainda depois do Entrudo viràÕ ia
tempo.: A obra hade íer larga y.e jà^o^cipí:!
meça a íer , e ainda naÕ he obra. Quei^
SoihoiC: Marquês me tenha em lua graça^
^$ã efti-
) ,1
1^4 C A R T A S 11
eftimo quanto devo , e pofto que em to^
dos os meos Ã^rificios tenlio particular
cuy dado de o$^ oííer ecer a Deos pol^ vida,
eftado , e feiiGidade de Sua Excellenciai ,^
daqui pordiante o farey com o mayor afr
fedo e inítaacia que pede aoccafiaõvPeQS
guarde (Z^^Yu Senhoria muitos ;aniias!C0©pio
dezejo e havemos miíler. Coimbra ^i.dt
Janeiro de lóó^f^un^^^m^ tòi
rÀii^^- .eEou lia £.. ^::-- .íívsiçi óímCT .oiisflsa
^oo o "m-JãO^ Eoouoq oh ■ zMÚ^qíal no inso^-
,8oboi.'3b Bí3n3iiaqx3 3 ^ ojíi^mioaiíri
■/íllob 3lL3o;>
5 if ^ííTris-ifisJ:)!
.L
UmQft0
1
ti:
lÈin
rOEOSíHOR. Com grande cuydado eí*
...'\
operava neftçcorrey O por í:eritas áó?*
íTLâs que efpalhou nefta nUniverfidade
o paffado em muitas cartas deíTa noíTa Cor*
te , em* que o ódio , e emulaça5 parece
eftâ hoje mais defaíbrado , sou ftiriofa dcí
DO P. ANTÓNIO VIEYRA: 13 j
ijtíeèrn outros tempos : mas com as novas
i^aV* ^nkoria me fez mereê dar de ha^
l&^kég^dò ò Penhor Marqvtès á Provin^
rciti ,j e do que havia difpofto em Montez
líiór y e com as mais particularidades que
^tpâdre ^.e^pOÉ deS^ Antaõ me enviou, dò
^^^tife>affeftas publicas com que S. Excel'-
Jencia entrara e fora recebido em Évora ^
fíâo fó ceflou o cuydado , mas fe conver^-
teò na mayor alegria e eftimaçaô , de que
cu logo n3ê€2^i©iíonifta, pôr ler aííimne-
cefla^rio. Tanto prevalecem nanoíla Pátria
os rumores^ contra: iavei^dade , e asjnven-
çoens ou líifpeitas de poucos contra o co-
nhecimento e experiência de todos.
- |\.| jiiftificaçoerís do livro do Beato\A~
mâdeo eftimey graiidemente ver pela va-
riedade e incerteza com que nelle fallaõ
os Authores : e o melhor qiie tíém , he èffca-
retn defempedidas daquelle fecco /onde as
couzas deíke género coftumaõ encalhar ná
nofTa terra. As deS. Frey Gil tomara tam-
btójítet^loéJme lembra que as tinha anti#-
gainíente hum efparteiro das portas da Mouí*
faria em hum de quatro livros deftàs curio^
ádades ^ que elle empreitou agora faz^<^*?
".^'v - te
i3<^ C A R TAS
te annos âo Padre Joa5 de Vafconcellos^
quando compunha o livro da Reftauraça5
de Portugal , que imprimio com nome do
Doutor Gregório de Almeida.
Por cânaÕ lià couza digna de relação,
mais que liaver-fe hoje dado principio ás
mezas na fala dos noíTos eftudos , onde o
Meftre^que he o Padre Francifco Guedesí,
tomou por problema dos futuros continr
gentes , Se havia de vir ou naô ElRey D.
SebaftiaÕ ? e depois de o difputar com ap-
plaufo por huma e outra parte , refolveo>
que o verdadeiro Encuberto profetizado he
ElRey , que Deos guarde, Dom AfFoníb VL
Por íinal que para eu o crer e confeflair
affim y na5 foy neceíTario nenhum dos ar4*,
gumentos que ouvi , porque depois que obr
iervey as felicidades de S. Mageftade , e a
providencia taÕ particular com que aíliíle
o Ceo a todas íuas acçoens , eílou inteyra-*
jnente perfuadido a iíTo. Nem fe poderá
dizer por mim quemudey aopiniaÔ depois
que me vi a^o remo^j porque efte meo delt
terrq nunca o tive por gale: antes, fe naã
fora ta5 fogeito às inclemências do tern-»
po , o tivera porparaizodaterra. Seaquetla
^ Obra
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. f^r
pbra chegar a merecer efte nome, íeràhu-
ma grande prova y-^^e pode fer que „ admira-^
vél difto que digo.
Como para ella me era5 heceffarios os
livros , tomey por minha conta a difpofi-
çaõ de toda efta livraria que eftâ hojemuy
melhorada na ordem 6 concerto que naõ
tinha , e fe defcubriraõ nella muitos Au^
thores , principalmente antigos , que naõ
fó eftava5 encubertos ,rrias perdidos em
tanta confufaõ. Hum- official que aqui tía-
balhou com boa vontade ^ tem o requeri-j^
mténto .do memorial induzo ',qitepeça^
V. Senhoria feja fervido paíTar pelos olho^J
e mahdalrme di2^er fe tem ' lugar, é que"dí^
ligencia íç deve fa^eii^^ifiaõ ine culpe ^^
Senhoí^ia-, de tanta importunidade , pG*rqu0
mê tenho efta obra fó por de charidade y fe¥
aàõ de obediência , pois V. Seiihoria^fííS
^anda taõ repetidamente o faça affim.-'^ ^>
r* A cautela que repreíehtou aV. Senhò^
fia o Padre Reytor, tenho por muy conve-
niente ao tempo ,e -para que feja mayor^^
importa que- íè naõ íeya no íbbrelcritof^
4iorRe dei^V. .Senhoria. Guarde JJeos a "\^
Senhoria tantos aíinps para tánç^s ielidú
i^; 7%^. L \. S áades
C^a CA R TA S
dades como eu a V. Senhoria dezejo. Co-^
imbra 3.'de Março de 1664.
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CARTA XXIII.
AT>^ Rodrigo de Menezes.
ENHOR. Sò nas faudades de V. Se-í*
nhoria creo , e fe as de V* Senhorim
fa5 de me ver , e as de outros de nte
ouvir y as minhas todas faõ de ver e ouviír
a V. Senhoria que he o que mais dezejo
nefta vida. Eu , Senhor , naÕ preguey a Cin-
za , nem determino pregar a vivos , nem
^ mortos , porque athe pelos mortos me
calumnia5 os vivos , e quando padeço tan*
to pelo que naõ diííe , naõ me quero ex*
pôr amayores rifcos pelo que <lifler , e pa*
ra que V, Senhoria veja quam curiofa he
.wji.r.:. ^ , , ■ - --a boa
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. t3^
a boa vontade de meos calumniadoresr-^
nefte mefmo correyo fe mandou informar
certo Miniftro deíía Corte feeílivera eu em
Coimbra pela Cinza , porque fe aíBrmava
em Lisboa que eftava eu lá efcondido neíTe
tempo ,• fe eu tivera habilidade para feme-
Ihantes furtos , quem os havia de faber
primeiro ,que V. Senhoria ? Mas tornando
aos Sermoens ^ ainda que naõ poíTo man-
dar aV. Senhoria o de Cinza que naõ hou-
ve, poder ey remeter outros^e todos , e aíTim
o prometo tanto que aiíTo der lugar a Obra
com que eftou entre mãos , a qual he ne-
ceffario que fe apreíTe , porque naõ venha
depois do tempo : trabalho nella quanto
poíTo , e mais do que poíTo. As Profecias
ôe S. Frey Gil eftimey muito. O livro de
Ser afino de Razis procurey por terceira
peíToa como avizey a V- Senhoria , a ré^
pofta depois de muitos dias , foy que no
CoUegio do Carmo naõ havia tal livro ,
nem ainda noticia delle. O Padre frey Ifi-
doro da Luz , que he grande meo amigo,
e tomou por fiia conta eíla diligencia, en^
tende que o dono do livro o naõ quis em-
fteftar , e tomou efte defvio , e como me
S ij di-
»4i.>
C A R T À'S
dizem que compõem fobre o Apocalypfe, te-
rá rafa5 para o fazer , mas ainda haverá
tempo para nos ajudarmos do que V. Se-
nhoria tem mandado vir de França. A no-
va do defcazamento tem fido mais aceita
de muitos do que foy a do cazamento , e
eu entro também nefte numero , porque
havendo o noíTo Rey de cazar còm filha
de vaíTallo , naõ faltaria huín a lavradora
cm Portugal , quando o Juiz do Povo naõ
tiveíTe filha. Atrevo-me a dizer ifto fó a
V. Senhoria , porque me diíTeraõ , que a-^
the os mefmos Cazamenteyros eraõ defte
parecer. Algum dia o naõ fuy eu de que o
Princepe D. Theodofio cazaíle em Sabo-
ya y porque naõ era bem que o privaíTe^
mos de liuma taõ grande elperança como
a de poder cazar com a Princeza de Ca-
mélia , e vir a herdar Efpanha , pois por
certo que me naõ deve menos amor ElRey
que Deos guarde , nem lhe efpero ^ nem
profetizo menos felicidades , antes efta he
■^ menor das íuas , e que fera fe as preven-
çoens de Caftella foíTem as difpofiçoensde
tudo ifto ! Deos pôde mais que elles , ea-
ma-nos mais que à elles i^íe^ naõ me peza
de
DO P. ANTÓNIO ViEYRA. 141
^de ver ao Senhor Marquês taõ empenhado
em taõ notáveis tempos. Deos guarde a
"V. Senhoria eom tanta vida e felicidade
como a V. Senhoria dezejo. Coimbra ulti-
mo de Março de 166^,
Creado de V. Senhoria
António Vieyra.
CARTA XXIV.
AT^. Rodrigo de Menez.es.
ENHOR. Com huma firma de V.
Senhoria que o Padre Reytor de S.
Antaõ me remeteo em hum feo eP-
crito , tive muy alegres Pafchoas , porque
ella me fegurou do meo mayor cuidado ,
^que he a laude de V. Senhoria ^ e do que
inais eftimo depois delia nefte mundo , que
lie faber me tem V. Senhoria em líia gra-
fa, Na melma carta que aquelle meo re*
>*í-w.
com-»
i4t C AR T AS
cõmendado havia de prezentar a V. Se-
nhoria , fignificava eu a V. Senhoria quam
pouco empenhado eílava nofeo deípacho,
mas V. Senhoria pela muita mercê que em
tudo me quer fazer , mede os favores com
a fua grandeza , e naÔ com o meo deze-
jo , porque beijo muitas vezes a maõ a V.
Senhoria. Cá tive meos rebates como ò
anno paíTado , de me quererem mudar o
degredo para mais longe nefta occafiaô de
Nãos da índia - mas na5 faõ neceíTarias as
calmas de Guine , nem as tormentas do Ca-
bo da Boa Efperança , baftaõ os frios de Co
imbra para fatisfazerem á vontade de meos
amigos. Depois que entrou Abril , fe eí^
friarao notavelmente bs dias , e ao meímo
paílo íe atrazou afaude , mas nem poriíía
levantey a maô da nolTa Obra , cujo luc-
ceíTo depende tanto do tempo , que pode-
rá fer fe apreíTe mais do que alguns cuy-
daõ. Na livraria delRey hàhum Comento
do Abbade Joaquim fobre o Apocalypíe ,
que hà muitos annos fe me empreftou , e
agora me importava muito tornallo a ver,
podendo íer ^ "Vi Senhoria me fará mercê
mandallo entregar ao Padre Reytor par^
que
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 143
que mo remetta. De câ naõ ha mais no-
vidades que ouvirmos fomente os eftron-
dos que íe publicaõ de exércitos de Caftel-
la fobre Alemtejo, ecomo eu vou taõ do-
bradamente empenhado nos bons ííicceíTos
daquella Provincia, dezejo que Deos ouça
as minhas oraçoens , poíto que indignas ,
e as de meos companheiros que faõ con-
tinuas. O mefmo Senhor guarde a V.
Senhoria com ta5 alegres Pafchoas como
a Y. Senhoria dezejo. Coimbra 14 de Abril
de 1^54.
Greado de V. i'enhoria.
António Vieyra.
CAR-
^
144
CARTAS
CARTA XXV.
A1>^ Rodrigo de Menezes.
ENHOR. Muito fe deteve efta car-
ta de V. Senhoria que recebi em 25,
ferido efcrita aos 12. devia dç fer ^
caaza a auzeacia do Padre Reytor que foy
paíTar a fefta à batida dalém logrando os
privilégios da liberdade , que eu lhe naõ
envejo mais que athè o Loreto, Mas tor-
nando â carta : foy recebida corei mayor
gofto 5 porque foy elperada com mais com-
pridas faudades ^ e ella me trouxe as feftas ,
que fem ella naõ hà outra via por onde
chegaífem , e fempre que me trouxerem taÕ
boas novas de V. Senhoria, e do Senhor Mar-
quês que Deòs guarde , leraÒ para mim no-
vas Pafcoas.
Efta minha com rafaõ fe pôde chamar
certidão de íupervivencia , porque quando
efcrevi a ultima , ficava jà com rebates de
grave doença de que ainda naõ eftou total-
mente livre j poáo que lhe tenho aplica-
do
DO P. ANTÓNIO' VIEYRA.
do os remédios negativos com todo o ri^
gor y por me naófogeitar ao dos médicos:
vayme parecendo que efcaparey , que naõ
íèrá pequena mercê dcDeos em tempo que
os ares defta Cidade andaÕ taô contagio-
los. Morre muita gente , fogem todos os
que podem ; e ninguém íahe de caza , fe-
naõ com os defeafívos de pefte , tendo-fe
mandado affim com pregoens' públicos , a
requerimento dos melrnos que vivem das
noíTas enfermidades. Nefte mefmo Abril fe
tem padecido aqui os mais ligoroíbs frios
de Dezembro , e as mayores calmas de Ju-
lho em que nos ficamos abrazándo : e naò
he muito que com a intemperança defte^
extremos fejaõ tantas as doenças , e taõ a-
gtidas y que fó nefta freguefia do Salvador
le enterrarão hontem cinco , fendo huma
das que fe eftimaõ por mais fadias. Dou m
parabém a V. Senhoria de fe efcrever nefte
meímo tempo , que nao hâ doenças em>
Alemtejo , que he grande difpofiçaÕ para
os felices fucceíTos , que aquella Provincia
nos promette efteanno com a prezençado
Senhor Marquês.
Na5 poffoencarecer a V. Senhoria quaaí*»
^ h T to
.14^ CA R T A:S
tó eftimey 5 e fe eílimou neíle Collegio a.
reláçaõ por menor do exercito que S. Ex-
cellencia tem prevenido para efta Campa-
nha. FizeraÕ-fe muitas copias para hirem
a todos os CoUegios defta banda , que fe-
ra5 de grande animo para todos , e tam-
bém para que fe fayba , o que nem todos
publica5. Por eftarafaÕ queria eu jà repre-*
zentar a V. Senhoria que importaria mui^:
to, quando V. Senhoria me faz mercê ef-
crever , virem as novas do que paíTar em
Alcmtejo, para que confte fempre da ver-
dade , e para que tenha5 oppoíiçaõ , e fe
mao dè credito as que coílumaò elpalhar
as pennas dos menos affedos. Mas efpero
que haÕ dê feí os íticceífos ta5 grandes, e
tao .mànifeftos que os na5 poífa efcurecer
nenhuma enseja. Todas as profecias mo
promettem affim , e fome faz temor, que
entre o mundo prezente , e a gloria quefe
efpera haja algum pmgatorio em meyo ,
no qual fe paguem peccados de eícandalò
publico 5 cujo remédio dezej ara eu que to^
«naraõ muito por íiia conta , naÕ os Pre-
gadores que dizem em commum , fenao os
ConfeíTores, os Confelheiros ^ e os amigos
que
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. Í47
íqnt podem fallar em particular. NaÔ po-í-
íihamos a Deos em eftado em que deixe
de nos fazer mercês , por na5 parecer íq-
■o. — í ^ í
Se o Sermaõ de Santa Engrapia eftivera
em eftado de fe poder lèr , fora com efta,
mas como a mayor parte foy por aponta'-
mentos , he neeeffario informallo de no^
vo , para que feja o que era. O principio
que por lá anda copiado , vi eu antes de
yir , mas tem muy poucas palavras que
concordem com o original , e taes anda5
a^mayor parte dos meos de miftura com
outros , que o naõ íâÕ ^ e tudo íe pôde re-
mediar fomente còm a eftampa. Se Deos
quizcr que affim feja , elle dará faude. Por
agora quizera ver fe poíTo levar ao cabo
ÊÍta Obra que para que feja obra he neeef-
fario faya atempo, ou antes do tempo. A-*
gora me retirey a Villa franca por ordem
dos médicos, e efpero ter mais horas de que
prometto a V. Senhoria , que naÕ perde-*
rey nènhum.a das que puder aproveitar fem
rifco.
Naõ me maíuíou Y. Senhoria o efcrito
de frey Joa5 da Silveira , e fó me diíTe V. Se-
' T ij nhoria
148 t: A r:t À s
nhoria que ò livro eílava no Collegíó dejP
ta Univerfidade , mas fem nomear o Reli-
giofoque o tinha. A diligencia em comum
fez o Meftre frey Ifidoro da Luz , meo gran-
de amigo , mas refponderaõ-lhe como avi-
zey aV; Senhoria , que naõ havia no Col-
legio tal livro, nem noticia de tal Author.
Sobre o Abbade Joaquim efcrevi haverá
dous correyos , e pofto que também me fe-
ram neceíTarios os outros papeis que vi quan-
do V. Senhoria mos mandou a Xabregas ,
ainda na5 chego ao lugar aonde elles fer-
vem. Os alicerces e primeiras paredes vaÕ
todas fundadas em authoridade Divina: e
pafmo de ver quam grandes, thefomosellaõ
efcondidos noque todos trazem entre mãos,
e diante dos òUios. Jl tomara qiie alguma
parte eftivera em eftado de fe aprezentar
aos , de V. Senhoria j mas Deos ajudara. Q
mefmp Senhor guarde a V. Senhoria mui^
tos annos como d^ii^io. Coimbra^jzS. de
Ahxilàc 166^, ■■•hodn-j^ ,Y í:. o:*or
Creado de V. Senhoria.
Aiitonio Vieyra.
CAR*
r>0 P< ANTÓNIO VffiYRA. 149
CARTA XXVI.
AT>. Rodrigo de Menez.es.
ENHOR. Ainda as Nãos da índia
na altura do Cabo verde naõ eftaraõ,
e pofto que nos perdoara5 o degre-
do /padecemos em Coimbra as calmas de
Guiné 5 e menos mal fora fe fó fe padece-
rão as calmas , mas faõ as doenças taÕ ge-
raes , e taõ malignas , que já os médicos
lhe mandarão aplicar os defeníivos da pef-
leye falta pouco para lhe darem o nome ;
êfpero na Divina bondade que naõ hàde dar
tamanho caftigo a efta terra , poílo que baf-
tem fó.os meos peccados para o merecer,
Hias quando aíTim fuccedeffe , também con-
fio, me hàde dar fua graça para dedicar a
vida ao ferviço , e cura deitas almas , co-
mo ja lho tenho oíFerecido , comquedarey
por bem trocada a minha miíTâõ. AíTim
que , Senhor , quando a reftituiçaô de que V.
Senhoria tanto fe lembra por me fazer m»r-
€ê , tivera algum lugar , naõ he o da tem-
\^^fh
r^o C A R T AS
po pr^zente , em que pôde haver occafia5
de fazer a Deos,que tanto nos merece, al-
gum particular íerviço.
As novas que V. Senhoria me faz mer-
cê dar do Senhor Marquês que Deos guar-
de , eftimo fempre igualmente e agora mui-
to mais pela circunftancia do tempo em que
himos entrando. O inimigo como Author ,
fahirá primeiro , e Nos obfervaremos feo$
défignios fegundo as leys da guerra defeníi-
va^mas ofucceffo da Campanha coníifte ria
viétoria , e efta hâde fer daquelle a quem Deos
aquizer dar , e hade querer dalla a quem
a tiver promettido. E certo , que fe naõ ú^
vera tanta confiança nas fuás promeíTas ,
naõ fey fe me defconfiaraõ os noíTos mere-
cimentos ; mas Deos pôde primeiro caftigar
aos culpados , e depois fazer os cafti^ados
vidoriofos : permitta V. Senhoria eftesre-
ceos ao meo amor , que quem ama muito,
teme tudo.
O meo recomendado do perdão , tardou
em me avizar da mercê que recebera deV.
Senhoria , pela qual torno a beijar amaõ a
V. Senhoria muitas v^ezes. Vim de Villar
franca ao Cõllegia afliílir a huns ados j
pafla^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. n j
paífados elles, fe Deos der vida, faço con-
ta de voltar , porque naõ perde nada na mu-
dança aquella 06ra de V. Senhoria. Deos
guarde a V. Senhoria muitos annos como
dezejo. Coimbra j de Mayo de 1664.,
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
€ARTA XXVII.
^T>. Rodrigo de Menez.es ^-^
ENHOR. O cuidado com que eípe-
ro novas da faude de V. Senhoria ^
particularmente depois que íe efcre-
ve ^ que também Lisboa naõ eftâ fadia ,
merece toda a mercê que V. Senhoria me
faz , pofto que quando olho para a minha
indignidade, conheço quam devedor fica
íempre o meo coração ao exceíTo com que
V. Senhoria me honra ,• efpero na bon,da-
.^^^^^-^-^ de
de Divina me hade dar vida , e tempo em
que moftre a V. Senhoria , que , ainda que
íou indigno de tanto favor, naÕfou ingra-
to a elle.
As doenças do CoUegio eftaõ paradas ,
e o mefmo fe diz da Cidade , na5 fey fe por
eftar defpovoada , porque todos os que po-
derão , fugirão delia. Agora vam os dias ma-
is frelcos, ejá Mayo parece Mayo , queira
Deos levantar hum taõ grande caíligo , e
reduzir á ordem natural eílascauzas fegun-
das que faõ os inftrumentos de íiia juftiça*
Efta Villa franca eftâ feita a caza da
faude 5 e todos os convalecentes que fe paf-
fa5 a ella , experimentaõ melhoria , eu vou
continuando na minha mediocridade íem
perder as horas que Deos me dà de mayor
alento , entendendo que o mefmo Senhor
as haverá por bem empregadas , e que fó
para lhe poder fazer efte fervi ço , me con-
íervou a vida j taÕ unida eftâ em tudo a
íiia gloria com as noíTas felicidades! E ver-^
dadeiramente , Senhor , que quando con-
íidero no mefmo que vou efcrevendo (que
athegora faõ Efcritturas , e promeíTas Divi-
nas) aífim como por huma parte me aíTombra
o que
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. lyj
ò que Deos quer fazer em Nôs , aflim por
outra me admira igualmente o pouco que
os Portuguezes fazemos por rnerecer eítas
mifericordias. Efta he a rafao que me faz
temer que antes da felicidade que fe eípe-
ra , venha algum caftigo que fe naõ teme ,
e que fe execute em nôs aquella que V. Se-
nhoria chama dura Ley , de padecer o com-
mum pelos peccados dos particulares. To-
do o Portuguez que n.a5 procura fer San-
to y naõ merece que Deos o guarde para
as felicidades que tem promettido , e de
que cedo hâde meter de poíTe a Portugal.
As novas de Caílella fao quaes pode-
inos dezejar , fe fao verdadeiras. Eu con-
feflb a V. Senhoria que naõ fey tomar pê
jQrellas , porque fe he certo o grande nu-^
mero que dizem tem o inimigo de caval-
laria , parece que a naõ fez , nem fuften-
ta fem fim. Por outra parte o tempo de
fahir á campanha , principalmente em an-
Jio taõ fecco , parece , que vay paíTando. Se
o inimigo tiveíTe poder maritimo , diíTera
eu fem duvida, queefperava por Junho par
-rá navegar com ] galês os mares da noíTa
cofta ,♦ mas difto naõ ouço fallar , e aflim
i,-!Iim, /, y me
m
IJ4 C A R T ÀS" "^I
me tem em grande ííifpenfaÕ efte aníio , ò
qual há muito me promette , ou muita guer-
ra 3 ou nenhuma guerra j e fempre terey
por melhor efte fegundo ,• mas naõ poflo
naÕ me inclinar a que havemos de terhu-
ma grande vidoria : e que feria íè foíTe em
Lisboa ? Muitos difparates faÕ eftes para
efcritos , mas que fará quem naÕ pôde en-
cobrir nada do feo coração aV. Senhoria?
A carta do Senhor Marques que Deos guar-
de 5 li com os extremos de gofto com
que eftimo todas ascouzas de S. Excellen-
cia. Quererá Noflo Senhor que os íucceíTos
reípondâõ ás dilpofiçoens. As Liftas fol-
f;ârey de ver , e laõ muy boas todas aquel-
as addiçoens para os que naÕ fabem fazer
conceito da§ defpezas de hum exercito.
Oh quem poderá faliar de perto com V.
Senhoria t mas naõ quero , nem devo fa-
&er lenaÕ o que Deos quer. O mefmo Se-
nhor guarde a V. Senhoria com a vida e
faude que dezejo , nem he neceflario de-
sejar mais. Villa Franca 15?. de Mayo de
1(^64.
O Memorial inclufo he de hum Padre
amigo meo , irmaõ do pretendente: mas o
* meo
j
í : mi
DO P. ANTÓNIO VIEYKA. tjj
meo empenho lie que fe faça juftiça , e o
que for mayor ferviço de Deos , como Vw
§ejtthoria faz em tudo. '
Creado de V. Senhoria.
António VieyraV
T
eARTAXXVIII.
A^D. Rodrigo de Menezes.
ENHOR. As cartas de V. Senhoria
íaõ todas, quando chegaô, o único al-
livio , aflim como antes de chegarem,
o único cuidado do meo coração , o qual
tenho fempre dividido em Lisboa t Alem-
tejo , efperando as novas que me trazem
com a lufpenfa5 que cauza o tempo ta5
occaíionado para os receos Ha íaude , e t;a5
próximo aos fucceffos e accidentes díi
guerra. Mas efta que recebi de^. Senh<è
ria^efcrita em 17. de Mayo, com a do Sé^
" y ij nhor
nhor 'Marques que Déós guarde , de que elíá^
pela exceííiva mercê que V. Senhoria' me'
faz 5 veyo a companhâda, naô' fò fora5 para
mim o coftumado allivio e confolaçaÕ ,
mas para toda efta grande Comunidade do
Gollegio de Coimbra (que na verdade he
a Corte da Gompanhia) hum alento, e
huma alegria geral,amayor que eu nunca
nelle vi. Todos amaõ extraordinariamen-
te a cenfervaçaÕ do Reyno , e todos tem
muy particular affeéto a peííba do Senhor
Marquês como a principal columna delle ;
e .como a mercê que V'. Senhoria me faz
lie taõ grande , e tao publica , que fe na5
pôde encobrir, todos pr òcuraÕ faber de mim
'^'certeza . do .éftado do noíTò exercitoj, <íe
que: pôr todais as outras vias fe efcreve com
grande variedade , e pouco fundamento;
Eu IheS: comunico o que fe pôde cÔmuni-.
oar ^ e guardo fó para mim o que convém
refervar , icm que fou muy acautelado ye
efcrupulofo c e o meímo faço eiii algumas,
copias qtie^nrVio ao Padre Provincial, com^
quem. : tenho eft^a correfpondencia» i ii^oi^
4jvi?$lrí,anda ' vifitando a Proyincia. -Aílíni;
que em toda aCQmpatihia deíla banda he
nota-!
DO P.^ ANTÓNIO VIEYRA; lyr
áótàVel ò áppláufó comqtie ellas novas Ía5
recebidas', efodàella goza a mercê que Y*
Senhoria me faz y pela qual na5 tenho eu
cabedal^ de palavras com que dar aV. Se-
nhoria as devidas graças, as quaes' remet-
to todas ao filencio do coraçaÕ , que V. Se-
nhoria taõ bem conhece.
f O difcurfo que V. Senhoria faz fobre
a rnayor e mais útil operação que podem.
fâ:^er efte anno as noílas armas , tomara
eu r ver. confultado a ElRey por todos feos
Gonfelheiros de Guerra , e decretado , e fir-
jnado por S, Mageftade: e feno Concelho
^^e Eftremôs fe refolver aílim , entenderey
que tempos a Deps muito da noíía parte ,
pois nos infpira , os -mais feguros meyos da
çoníervaçaQ^^fjife lainda os de mayor gloria
e reputação do Reyno. Que mayor credi-
to pôde dezejar Portugal, quedizer-fe nas;
Naçóens eftrangeiras , que tendo Caftella
ajiintado e unido todo o feo poder , foy
taõ íuperior o noffo , que fe naõ atreveoa
úhir em campanha ? e que mayor utilida-
de t>ie feUcidade para o publico e partiçu^
lar do Rcyno j.que conlervallo em taes cir-
cunílancias fem pender hum homem , nem
'>ís^lV:Ji4 ;
158 C A R T AS I
hum cav alio , nem derramar huma gótta
de fangue , que íempre na caza onde fal*
ta , faz trifte avidoria por muy ventajofa
que feja ? e que mayor ventura , nem vi-j
ótoria, que confeguir os effeitos delia fcm
os rifcos de huma batalha , nem os danos
da guerra ? Emfim , Senhor , eu tomara ver
efte difcurfo de V. Senhoria impreflb com
letras de ouro y e que faUáraõ pelo eftilo
deile os do noíTo difgraçado Mercúrio tàS
pouco ponderado no que diz, como no que
naõ diz. Elle he de opinia5 que façamos
alguma couza : e pudera coníiderar , como
faõ lido y nos exemplos de Fábio Máximo^
que hà òC(c:afi<|ens; etíi qiífeSô .imôfeffaíziíÉP
coníifte tudoíísl ^e que os conlèlhos dos
grandes Generaes fe nâ5 deípre^zem: e qu#
os rumores do vulgo , nem íâÕ grandes y
íiem fa5 confelhps. O nolTó exercito , gra-
ças a Deos , e ao Senhor Marquês, he o
mayor que vi o' Portugal , e que excede
o credito de quanto efte ãnnò fe efpera-
va. Os intentos do inimigo ^ fe nâõ tem po-
der maritimo , como |)âíêcê que naÔ tem j^
naõ póíTô atinar quâés fèja5 , hàveádo-tó
empenhado tanto , faivõ fe g nóvò Gover-
nador
DO P. ÃNTÒNlO VffiYRA. IJ9
nador das armas .Marcim , como me diíTe
õ Dezembargador Duarte Ribeyro lho ou-
vira em França , quer praticar o feo di-
d:ame de nos cançar com levas e defpezas,
para nos vencer fem batalhas. Se aífimfor
nôs aceitaremos o partido.
^9^€:0ni o Padre Meftre Frey Ifidoro , de-
púiê <!«€ V. Senhoria me mandou a ííia car-
ta ^comuniquey alguns pontos daquella
Cferâ ^ e eftiiti^y muito a approvaçaõ do feo
l^atecer y como de tantas letras /e juizo.
Para quando voltar , avizarey a V. Se^-
nhoria de alguns papeis que podem vir por
íua via 3 que ainda agora me naõ faõ ta5
átceflarios. Deos guarde a V. Senhoria
itmitos antes \> e me traga fcmpretaõboas
novas de V. Senhoria ^ e do Senhor Mar-
quês, como dezejo, e havemos mifter.Co-í-
imbra i6. de Mayo de 166^, :/
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CAR-
t6o .AJít-C A R TAS /
CARTA XXI^.
jdT>. Rodrigo deM
ENHOR. Muito rico chegou efte ul-
timo eorreyo de Mayo , e muito cqr--
^,^^^ tas efperanças nos da de haver de ler
o anna mais fértil na campanha , do que
tem fido nos campos. Gom grandiíTimo apr
plaufo li a todos as novas de Alem tejo^
€ foy neceíTario lellas muitas vezes , fem""
pre com dobrado gofto m^ò y porque ote-^
nho do que leo , e do que ouço , que fa5
graças aDeos, e vivas ao Seahor-Marquèsi
que elle guarde. Nunca tal poder vio Por^
tugal ^ nem tal difpofiçaõ , nem tal con*
curfo de couzas, nem taõ m^nifeftos favof
res do Ceo , e diligenciados , como V. Se-
nhoria pondera, por noíTos próprios inimi-'
gos. Com que podemos dizer , que naõfó
nos foccorre Inglaterra , e França , mas
também Caftella.Qu©rér4o mefino Senhor,
Author de todas eftas felicidades , dar iguaes
fins a taõ notáveis princípios.
Ao
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. i^í
Ao Senhor Marquês bejo mil vezes á
maõ pela lembrança que tem defte feo me-
nor çreado , e grande áiercê que rtie faz :
naõ dou as graças particularmente a Suã
Excellencia pela razaõ do tempo , e por
todas as que a V. Senhoria faõ prezentes :.
mas todas as letras daquellas regras pago
4 vifta nos facrificios de cada dia , com
qijer acompanho as oraçoens geraes /que
t«o dos fazemos , em que o meo coração
vay taõ empenhado na utilidade e felici-*^
dade commum de toda a caza de V. Se-í^t
nhoria. Crea V. Senhoria do meo aíFeóto,^
que fó pelo gofto defte motivo emprendê-*
ara de muito boa vontade o trabalho com
queJido do defcobrimento das noflas efpe-
ranças , e felicidades , das quaes naÕ pòn
4e deixar de caber a mayor parte á caza
de V. Senhoria , pois Deos a tem tomado
pelo primeiro e principal inftrumento del-
ias. Cada hora fe me vaÕ defcobrindo ma^
yores , e mais feguros fundamentos , para
cuja eftabilidade , como jâ outras vezes
íignifiquey a V. Senhoria, o que fobre tu*
do fe deve dezejar nos inftrumentosi, iffií
eauzas fegundas^he humildade e mais humil
X
dade ^
i6i .A C A K T AS 0(i
dade, confiança emais confiança em Deos>
e hum profundo e verdadeiro conlíecimen-'
to y que da fua maÕ vem e hade vir tú^
do ,• e certo que naÕ há para mim mayor
confolaçaõ que ler em todas as cartas de
y. Senhoria, como V. Senhoria refere tu-
do à Divina mifericordia. -
O roteiro do Abbade Joaquim , ainda
nos naõ faz falta na altura em que himos :-
elle fez outro livro dos Pontifeces , em que
fe vem as fuás imagens eftampadas comhu-
ma infcripçaÕ breve em que fe defcobrem
Qs myfterios de cada huma : e porque a do
Papa prezente tem couzas muy notáveis ,
e que grandemente conduzem ao intento ,
eftimàra eu muito vello , pofto que jà ô li
e-m Roma., Aqui teve hum livro deftes o
Reytor Saldanha, que naõ poíTo- defcobrir:
no Reyno deve de haver outros.
-bS.fMagefl:áde haverá jà reíbluto aquel-^
les vbtos. O do Senhor Marquês hè , quat
devia fer ,♦ mas eu me na5 deípego ainda do
de V. Senhoria , porque , quando menos, he
o mais feguro. Cá me mandarão hum cè-^'
meta com duas meyas Luas no meyo , que
dizem appareceo em Alemanha em 12. de
Janei-;
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. i%
Janeiro. Sirva-fe V. Senhoria de mç dizer^
íc he couza certa , e de que fe poíTa fazer
fundamento. Se lâ eftâ o Ceo irado , cá eftâ
propicio. Deos que tanta mercê nos faz,
guarde a V. Senhoria muitos annos como
dezejo. Vílla Franca 2. de Junho de 1(^(54^
» C reado de ^*rSenhoria. ^
António Vieyra.
"-t^fc»; J>f ^fT^^í Hf l/>'^ í>^<r
^T>.
o
■([?p|.;|-f?5
ENHOR. As cartâS de que V. Se-^
nhoria me fez mercê efta íemana , fi-
zer aõ no meo animo os eíFeitos que
fempre , e mayores , fe o podem fer ^ por-
que os fayores de V. Senhoria fempre faõ
aYantajados. Daqui pordiante as eíperarey
fçma-a meíraa anseia , mas cpm mayor cuyr»
^fecií^i X rj dado.
i64 CA R TA S >^
dado , pois temos ao Senhor Marquês que
Deos guarde , e o noíTo exercito em cam-
panha ^ com huma refoluçaÕ em que os in-
convenientes faÕ taõ conhecidos , o rifco
taõ certo , e a utilidade nenhuma. : Qual
neíla matéria feja o mço parecer ^ tenho jâ
manifeftado a V. Senhoria : e também V.
Senhoria veria que me naõ deci delle , de-
pois dei^êr a primeira propofta de Alem-
^^jo , e todas luas razoens , que faõ todas
as que fe podem confiderar pela parte con-
traria. Achara5-fe nefta Quinta a femana
paíTada alguns Religiofos muito bem en-
tendidos , e como em Coirnbra . tudo faõ
sdiíputas 5 na quarta feira à^nòyte emí<que
fe eíperavaÕ as cartas do correyo j íe dif-
putou a queftaõ , Se cpnvinha ,'ou n^õ, fahir
})0f*hoír0 "exército , e foy eouza para mim
sriíaravilhoía , e poucas vezes vifta , que
todos concordaíTem em que naõ convinha
fahir , fendo que os votos dos Religioíbs
Ía5 ordinariamente os mais arrojados. Che-
garão emfim pela manhaa as cartas , e
moftrando-lhe eu a fegunda propofta , foy
grandiflimo o applaulb que fe fez à todas a$
razoens delia , e triunfavaõ todos grande-
men-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. i(5j
metite com a fua opinião , pofto que na5
havia de quem triunfar, por fer, como di-
go, de todos. No correyo do Minho tive
carta de peffoa que tem as melhores intel-
licencias , em que me dizia que fabia de
certo que o intento do inimigo era cançar-
nos , e quebrantar-nos efte veráõ , para
depois nos entrar com todo o poder , o qual
Hâ^; ajuntando fecretamente de todas as
partes , e que a efte fim tinha junto o Con-
de de Caftrilho grande fomma de dinheiro
de moeda nova ^ e fabbado tivemos carta
de Évora de 30. do paíTado , em que hum
Padre defta Provincia que acompanha o
Conde de S. Joaõ diz como o exercito era
mandado fahir , e pedia o encommendaíTem
ínuíto â Deos , porque fahia contra aopi-
á^ífáaBí , :e brados de todos. O que eu eftimo
muito , he que o Senhor Marquês tenha
feito a fegunda propofta , porque , como S.
Excellencia diz , quem diz o que entende,
cfaz o que lhe mandão , naõ hemais obri-
fado. O reparo das aíliftencias do Francez
b muy galante : folguey de ver o concei-
to que V. Senhoria faz dosfeos intentos nos
ibccorros que nos dá porApiftos. Muycer-
q^ij.i^: to
tSó cartas
to eftou que nps naõ háde ver no eftado
que prefume* Mas he laftima que poíTaõ
tanto com nofco os feos refpeitos , quan-
do elles fa5 deíla calidade. Por outra via
tive noticia , que o mefmo Francez fazia
huma poderofa companhia para a índia
Oriental, em que o Rey entrava comqua*
tro milhoens , e fazia notáveis partidos a
todos os que meteíTem nella feos cabedaesj
Muy dijfferentemente dizem eftas pretençõe^
cem aquelloutros penfamentos. Mas naõ
hade querer quem nos deo as Gonquiftas ^
que fejaõ ellas roupa de Francezes. Oh quò-
grande couza fora contentarmo-nos contl
a vidor ia ^ do i nimigo fe ntó atrever a fahi^
em campanha com nofco ,>.iÉbrtificarmo;?*
no$ , e eíperar com o noíTo exercito intei^r
re^i í^ e receber nefta rodela a eftocada ^i
quê fó affim naõ podia fer penetrante. Em-
fim , Senhor , o meo coração naÕ fe pôde a-
partar hum ponto do parecer de V. Se-
nhoria , pofto que o na5 fey explicar com
tal evidencia • eme admiro muito que ou^
viíTc a V. Senhoria Miniftro grande aquel-
le difcurfo , e na5 fe rendeíte a elle. Eii^f
me tenho refoluto a que he vontade ^ ou per-*, .
miflaõ
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. i6r
tnilTaò Divina , que o noíTo exercito faya
a pezar dos juizos humanos. O eíFeito mos-
trara quaes faõ os fins defta íua Providen-
cia. E porque efta hade chegar a V. Se-
nhoria jà depois do Corpo de Deos , digo
á V.vSenhoria que hum Mathematico de
boa vida , fciencia , e muito amigo do
Reyno , diz que ameaçaÕ as eftrellas na-
quelle dia a Portugal hum calo fatal. Naò
duvido que o Santiflimo Sacramento feja
muy ofFendido nefte Reyno, mas em nen-
hum da Chriftandade he mais venerado ,
nem fervido : poderá fer , que feja a fata-
lidade ( fe tem algum fundamento ) amef-
ma fahida á; campanha 5 com ta5 pouco
fim e utilidade , como fe confidera. Atre-
vome a fallar aífim , porque fallo com V.
Senhoria. Deos fabe , e pode mais que os
homens , e anda taÕ zelofo de fiias mife-
ricordias , que por todas as vias quer que
conheçamos que faõ fiias. Por momentos
efperamos muy boas novas. O Senhor dos ex-
ércitos a quem offerecemos todas noíTas
oraçoens e facrificios , no las mande quaes
havemos mifter / e a V. Senhoria giiarda
muitos aanos para may ores felicidadcs^ co-*
>*^^"'- -^ - ^ mo
ia CARTAS
Madezejo Villa Franca 9. de Junho de
1664.
Creado de V. Senhoria.
, António Vieyra.
CARTA XXXI.
AT). Rodrigo de Menez.es.
ENHOR, Muito me mortifica Deos,
e na parte e tempo mais fenfivel f
feja elle por tudo louvado. No cor*
reyo paííado naÕ pude efcrever a V. Se-*
nnoria , nem agora opoflo fazer mais. que
eftas duas regras de maõ alhea , porque
vindo de Villa Franca a efte CoUegio em
dia de Corpus , naquella mefma tarde me
deo huma grande febre , e depois huma
grande eryfipela, cujainflammaça5 e força
amainou com féis fangriás , mas ficou c»
vay continuando em febre knta com creC4
cimentos do todas as tardes na ineímafòr-«
DO p: ANTÓNIO VIEYRA. i<$^:
ma do anno paíTado , que muito me mo-:
leílaõ e enfraquecem. Entramos em Eftioy
que naÕ he bom tempo para curas , masi
julga o Doutor Sanfins que heneçeíTarioí
applicar alguns .medicamentos , e affim oi
começa a fazer. Deos , qiie he o verdadeiro
medico, dará o que forlervidoi No meímo,
dia defte meo aecidente recebei -a nova de?
V. Senhoria haver livrado do da pedra r^
que foy e he para mim o mayor allivio ^í
pois eftimo e devo eftimar a faude de V^r
Senhoriamuito mais que a própria. n>
A mercê que me faz o Senhor Mar-^
quês que Deos guarde , e o aífedo de que
Ibu devedor a S. Excellencia, conheço mui«,
to bem • c fe eu fora digno de que Deos
ouvira minhas praçoens; ^ também V. Se-*;
nhoria conhecera nos effeitos que ,naõ he
meo animo defagradecido , eque fabemeo
coração dezejar , ainda que na5 ppíTa fa-;
tisfazer. Naõ pojlo agora ofiFerecer mais fa-*!
crifi cios que; os, da penitencia j pofto que
íãõ muitos ^ *çr qontinuos , e com grandc>
aíFefto os que nefte Goikgiofe falsem a Deos.
pdo bom luceefloi de nonas armas , eiíiçu^^^
p Bliddade íj^onfidero ^a.^^ Senhoreia :igiíir^
'^ h L Y almente
Si
i/à"?
I70T ,hÃ'm:Awmw^
mo pelo particular, (^eíra^ Noffo Seáfioií
dar-nos muito que feftejar com èíle dobra-s^
ào gbfto. O meo GoráçâÔ eò mé© }uizofift
naó aparta hum ponto do á^WMotííox^á^^
e âffim efpêío as íiovas coní t^ktò ályoro-^
çOjComo fufto. Quando vejo ós meyos que fe
emprendem , pâreceme que tkâmô»s os ò-^
lhos do fim , e de todos os fins. Se quere-^
mos honra e- Credito com o mundo , qub
mayòr credito , que nao íè atrever o ini*
migo a pelejar com o noffo exercito ? e fé
cjuêremós utilidade e conveniências , que
^âíyoi^ utilidade que íCõníervar o- metoí|^
elército , e á iiofe cavallaria inteira 9-e
áefender a Provincia ^eá campanha , eos
frutos delia em tal annõ^^v e accreícentaé*
íègurançâ para a futuro com fortificar os
poftos d^ mayor importância ? Tudo ifto fe
arriíca , e fe pôde perder em qualquer au-»
zenclà donóíTo exercito, e na diftanciade
Valença na5 fe repre^entaõ menos rifcos
<jue íiòutras emprezas. Emfim, Senhor,quan-
docoíitrà todas eftas razoens confidero â;
réfoluçaõ que íê mandou tomar ^ na5 poílb
I deixaf d^ entender , que hâ dehãixo delia
b I V alguns
-r^-t
DO p; ANTÓNIO VIEYRA.
algum intento particular da Providencia
Divina , que o tempo nos moftrarâ qual
íèja : e para todo o íucceíTo éftimo gran*
demente que o Senhor Marquês tenha hu-^
ma e outra ve^ declarado íeo parecer ytjue
também íe aviza hc o de todo o exercito.
A carta de Madrid ajuda muito o peii-
iamento de Vv ■Senhoria , e me admira ^ue
ós noiTo^ Conrelheiros façaÕ taÕ pouca po n-
■deraçaõ daquicUas noticias , que naõ faÔ
jpara defprezar. A rdiaçao imp^rfa êm Se*
vilha folguéy e folgarão muito tod<>s dê
ver: fica guardada com os mais papeis. As
profecias do Abbade Joaquim naÕ vieraS
ainda. Os Ana^rammas etudo ornais defte
género, eílimarey ^ e cèrto^que he grande
á; mortificação :com que mé "Tejo atalhado^
porque hia a Obra vento em popa y d<:à*
da TÊZ Fe defcobriaõ mayores^y^-e^mais fir-*
íite^ elpèranças y mas ainda âisfíaõ perco ,
dê que Deo5 me náoháde rtiatar antes de
chegar ao porto dézejàd^. I>eòs guarde á
V. Senhoria muitos annos caiiio de^ejo^
Ciâí#)ra ij de Jútiho de t^4>. oLoj oié'n
5b mt)d rnereadó^dè V^ Senhtóaí ?i^^^i ^
ãM.rii!j^--shwr-^ ^■Antonici-'Viéyra. - -^'^^-r .
m^--^^- y ij CAR-
rT
"-^iií^vi oíiií"ii"j. Oirj'j'jiii o ij^Ktjhii^'; 'j
p ç i-X? '^ ,i.i *|
>/#'.
'•/"^í n rivirrt 'M*'
r" ^ ' f • ;■■"•'■- rfí
íENHORv Niinca tanto dezejey po-
i dér eíçrevej: ^ e/imiita ^largamente á
V. Senhoria como nlella òccaíiaõ da
Iriétoria do Senhor Marques que D eos guar^
4,€,Ki!^uja nova' chegou a efta Cidade prit
tóeifO; que as cartas de V. Senhoria , efby
jielktaõ feftejada ecelebiada, como afeita
|:idade do fueceffo > é ^a ifnpórtancià ' da
Jífaça merece.! Gom asiCârtas>;dê V^< SeáJbó^
fl^ ? Ibuhemos^ ^s cirçunfta;iicias ',„ }e auth Qti*'
dade idas-capxÊulâçoeriS quf 'Éom ^Ivoroç®
íg elperavaÕ , c fe renovou ^eaccrèícentoà
com ellas a alegria de tudo fé concluir com
grande credito djeíioílas armas ^ e menos
íêputaçaõ do poder contrario. For tudo íè-r
|a5 dadas muitas graças a Deos , a quem
çt, Senhor Marques com mayor gloria fiia
refere todo oiouvor : çlie pagara^ eftegráil4
de ferviçoj que tanto rèdunda< ean bem de
toda a ÇJiriftandade y na moeda que cof^
tuma
a
DO P. ANTÓNIO XTIEYRa: 173
tuma , e com as ventagens que merece ,
as quaes nunca igualara a Pátria , que por
natureza he ta5 envejõfa , e taõ ingrata.
*^ De mim naõ poíío dar as novas que V.
Senhoria dezejay como j a naõ pude no cor-
reyo paíTado , por èftar então recahido ,
-como ainda fico , cada vez mais pene-
^trado e mais quebrantado, do mal , poílQ
!que iQS médicos o na5 conhecem , e mea-
íiimaõyque he o mefmo caminho por onde
isp^ianno paíTado me levar a5 ta5 perto das
fportas da fepultura. Alguns medicamentos
me. applicaraõ efta femana , com que fe nao
j^emediou, antes íe dobrou a doença,* e eír
te he <^ qftado em que fico , fempre aofer-
^iç<) de V. Senhoria com o mefmo cora^
i|^^6-, rogàn<|o a noíTo Senhor guarde aV>
Senhoria muitos annos^ e ao Senhor Mar-
qiiès com a vida e faude que o Reyno hà
fjiifte;^ y e çpm as felicidades , e augmenr
t;©^ de eftado , que eu a toda aCaza de V.
Senhoria , como o mais aíFeiçoado creado
d^llaj.dezejo. Coimbra 7 de Julho de 166^,
X) ■ ■••{ . .4AntomQ Vieyr;^, .^ri^irj-í
..*»:ífe&ií.V'- CAR-"
: Cf A'K T^ s
ÃT^. Rodrigo de Menez^es^
'£NHOR. Naõ fey coiií que heyde
pagar a V. Senhoria o- cnydado que
_ V. Senhoria tem deftá liiinhá; tâ5
cançada faude , fena5 cóm dezejar muito
larga vida para a empregar toda no ferviço
de V. Senhoria, a que há tantos annoseftâ
dedicada ^ mas por jnais que íejà b tein>-
po , e as occaíioeíis que èlle pode oíFeré*
cer \ nunca eu poder e^ fatisfazer á menof
parte das obrigaçoens tao multiplicada^
com que V. Senhoria todos os' dias me em-
penha e cativa de novo. Aceite V. Se^
nhoria efta confiflaõ e conhecimento que
acompanhará perpetuaníéatet miííha alma
ainda depois da vida.
No correyo paíTado fiz avizar ao Pa**
drè Reytor do -eftado op que ficava , para-
que a V. Senhoria fi^ffe prezente a cauza ,
porque Eaõ pude èfcmer. Foy terrivel o
ac*
DO P. a\NTONIO VIEYRA. 1^5
acciâétitè qte naqiajellé dia padeci comi j^
mudança do Coliegio para Villa Franca ;
mas quis Deos que paíTafle , e fico em pè
com efpedianças de mellioria. Tem-me re-
ceitado agora os banhos do Mondego ; ,^ex-
perinrentarey fe me he mais favorável a a-
goa de Coimbra , do que o tem fido o ar,
e a terra ? e quando o na5 feja , refolver-
meKéyqíietetilio contra inim todo os e-
lententos , mas confiDrmaíirtebey com a
voíitade do Senhor delles , que íaõ as ar-
Uias com que fó os poíTo vencer.
Hontem fe publicou aqui hum bem novo
fiicceffo de Alemtejo , de que dou a Y- Se-
: a oí imrabem ^ Pare ce que and aÕ as
felicidades encadeadas iji^e^inaõ fby peque-
%a)^t# de Caftel-Rodrigo , com que os Cafte-
lhanos queriaÕ deíquitar , ainda que ta5
defigualmente , a perda de Valença. Por to-
da a parte Íba5 os eccos do muito que
Hie tem doido. Com grande alvoroço ef-
peramos todos a copia da carta de Madrid ,
e euas de V. Senhoria fempre com amefina
ância , como quem recebo nellas o alento e
alimento de que vivo. Guarde Deos a V^
Sedhòria muitos aiii^os como dezejo e har
^^í vemos
mmf
xy6 C A R T IVS.q Od
vemos mifter Villa. Franca ii de Julho de.
Criado de. ¥rfSe}il^
António Vieyra^
TT-',. / Í.W
*:\-\'.
A T>' Hodrtgo de Menezes i^
ENHOR. A pena que recebo comcií
cuydado que dá a V. Senhoria a mi^-
nhafaude, he igual à eftimaça5 que
delia faço , de que muitas vezes dezejey;
dar a V. Senhoria as graças , mas nuncéí
fey , nem o poderey fazer baftantemente,.
A melhoria, de que jà dey conta a V. Se^
nhoria , vay continuando , pofto que len-'
tamente , fentindo muito naõ me dar lugac
à continuação daquella Obra ,. que depois?
que V. Senhoria a tem recebido debaixo
da íiia protecção, a.coíifidero como couza
-de V. Senhoria , e a .quizera ver jà muita
adian-
DO P. QVNTOMQ VÍEYRA; Ítt
^áíântada V e qiie naã fe the ai^tecipafle a
tempo. Muito concordaõ com elle toáas as
diípoííçoens de Caftella , fe vierem a fer
çòmo fe dèfcreveitt na earta de Madrid que
muito folguey ver , e fó CQmuni(juey del-
ia o que naõ pôde fazer dano, com todas
as cautelas neceíTarias. Do novo íiiçceílo
que o Senhor Marquês , que Deos guarde, te-
ve no comboy de Arronches , dey jà a V»
Senhoria o parabém , e agora o dou de to-
dos ôs outros, que todos 5 aílím os gráncfes,
como os pequenos , faÕ muito para eftimar,
por fe acreícentar com ellcs a moíTa cavai-
feria 5 € fe diminuir a do inimigo ', quehe
© que mais havemos mifter , e por fe co-
nhecer em todos díes quam viâroriofos , e
«quám briozos andao os ânimos dos noflbs
Soldados , e quam quebrados os dos CaCi
tcíhanos. Tudo faõ eíFeitos da Frovidcn*
cia , e Mifericordia de Deos , que aíTim
vay dilpondo nefta efcola ooíTas armas pa^
ia; mayores viótorias e felicidades, Huma
4e V. Senhoria me contarão , naõ hàmuí»
tos dias , da qual eu nunca duvidey , mas
cftiniey muitoÍHiíiJvcertificarem^me delia*,
©eos guarde a^^ Senhoria muitos annoi^
'^^íBmn L 'Zi^ como
i7t CA R T AS
como dezejo e havemos mifter. Villa Fran4
ca i8 de Julho de 16(^4.
Capellao e menor Creado de Vé
Senhoria.
António Vieyra. ^^
CARTA XXXV.
j^ T>. Rodrigo de Menezeú
ENHOR. Naõ fey como hajaõ fal**
tado tanto a V. Senhoria as minhaS'
cartas , porque em todos os correyos
últimos tenho efcrito, e fó o deixey defa-
:çer quando a força da doença foy tanta ,
que nem para ditar duas regras me dava,
lugar : que V. Senhoria o tenna fempre na
meyo de tantas etaõ grandes occupaçoens,3
he cotifuzaõ minha e mercê que nunca po-í'
deiè^í , nem faberey gratificar ao aíFedo
«âe V. Seohoxia , como ella merece , e eit
tan-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 179
tantas vezes tenho confeíTado. Athegcn-a.
fuppunha a V. Senhoria morador de Lis*
boa , mas a vivenda da quinta me faz fau-
dades da noíla de Enxobregas , onde he
certo , que com taõ boa vizinhança fe con^
valeceria agora melhor , que na de Villa
franca. Mas fegundo fe multiplicaõ e aggra-
vaõ os defterros neftes dias, na5 hà inno^
ccncia ta5 fegura que fe atreva a lhe paf-
far por penfamento tal efperança ; com
Deos dar faude, em qualquer parte que fe-
ja , nos contentaremos. Os caniculares por
cà naò fó vaõ frefcos , mas chuvofos , e
fe efta irregularidade do tempo na5 cauzar
alguma alteração nos corpos , parece què
fe fahirà do vera5 mais fadiamentc do que
entramos na primavera. O que importa ,
€ o que eu íbbretudo dezejo , he que V.
Senhoria, e o Senhor Marques que Deos
guarde logrem a faude que tanto havemos
mifter. ^
O memorial íncluzo he da peíToa que
V. Senhoria deve muy bem conhecer j .e
hoje partio para eíía Corte : a defpofada
he Irmãa de huâi Religiofo defte CoUe-
gio , a quem eu devo grandes obrigaçoens
r aflfedo , Q íâbe die e ols Mais , qué
o 'láap) cabedal ke m &^m de V. S&títe^iai
M^i csàa em qcfô jèftfejaô ptb^idoís ^^ luga-^
3^s Aí Porco ^ como já fe diz y pertendeiai
43e5ca lem !£âi:(èf ckik) y ie í á *píiftci|>aí mercê
jqràeHqaarem peça ^ a V. Sêuíiíoíia , hc <jíie
^ fta ;p^i%a)5 díqa prôpofta^ ^o Fâçí) ^ dê tal
fBoáo) que poílaièr Címíiiltadà , íi ifta hé
«ôuzâ poáS^^ , em todo o fâfoí ^ que V* Se^
BÍioria lhes fiss^ , á9 tecebeftey íeu rniif pàM^
tíciílar , e
VvSeahofia taõ repeti
que oDmo a aierce que Vi
Senhoiria me fej^hç tao grande ^ e ta5 pu-í»
feáijca;^ cn^aõ ; me poífo Ehrrat ide dar a Vv
Senhxma eftas míQleílías;^ Fica eíperãtido a»*
quielle papel ^e ainda íeiu alento parapo^*
der idar -penimda^na ©jatro ^ icomqiie aigunt^
dia , íe Dcios, for fertidó , poderey dar a V^
SemiloiDia algigjpa fcora de entretenimento /
cmmt) agora: doií tantas de en&do.. Guarde
Deos a V. Senhoria muitos annos comod©*
^ep.jOdémbEa 3 de Agofta de i6á4J^ '^^
■^Capeíia&^ menor G^èadb ^T^S^nlioria.: ^
!'.', ■ ♦*' < -'^ > ■'. .'fl :. r ."-.•■ •. ■ i • ■ •'.'•
.;.< .•:-■._ ^ is *• ^; , . . . í ■■ V, .'. i - / •' •- ■■ •■•
Àntonio^íevrá;.
4
car:;
DO p. mwTjomo vieyra: iti
í*^r!^
^■'-
MV^
eííezes.
ENMOIL Achome nefte corrcyo fem
carta de V. Senhoiia, mas tiaõ fem as
noisras que aella principalmente efpe-
câv^ j poi^qpe mas deo o Padre Reytor , com
<]iie ííco ii-yíre do cuidado qne me pudera
^câuzar efta falta, Canferve NoíTo Senliojr
íempre a Y. Senhoria, afaude que para tan-
gias occúpáçoens ,e de tanto: íeo íeiviço ke
^tecelTària. Ror Icà lepáíla geralmente com
çonca^ :: e to cclypfe deftes caniculares tem
i^íafado com os mefeias effeitos do doan?-
ÍJ0 pâíTado 5 com qfue naõ lie menos o te^
iporu ÍÍ0S écm& dias de hontem , e antc--
li ontem ie enterr:ara0 na Cidade onze pefr
ífdas 5 que para tempo de ferias jbe baftaa-*
tt mumtWí. Ba ^co uc&^ Villa Franca ©nK
^igtjEjjretiriio hs idã genítt,) q ndò do clima^
e affim MC t3*ata em liutina ^ e >outra parte
com pouiCía dií&rença* Ji diífe a V. Senho-
ria, qi^ te^òbcab&iaortificaçaQ para mim
t£40 ^ • ver ■
^x ^ C A R T AS
ver correr o tempo , e temer que fe ante-
cipem os íucceflbs â efperança , e ao gofto de
os ver primeiro efcritos ; e pofto que ai*
gumas vezes arremetti à continuação daquel-»
ie papel , he taõ pouco o alento que na5
pôde acompanhar o dezejo : fe fora maté-
ria capas de fe encommendar a terceiro ,
já o tivera feito , mas nem ella^o he , nem
•defta banda tenho encontrado peffoa , de
cujo talento fe poíTa fiar efta empreza : a^
inda dando-fe-lhe a matéria junta e di&
pofta : emfim fe Deos quizer que fe faça ^
^Ue dará faude , e fe a der efte anno ^ è
tios principios do que vem , ainda vira a
€empo. Por cà fe falia em liberdade de con^
ciência em Inglaterra ^í«|í: Cortes em Maf
drid. Sirva-íe V. Senhoria de me mandai^
dizer fe tem ifto fundamento , e fe nos na-^
vios de Itália vieraô algumas novas da
Guerra do Turco , porque dosfeos lucceiP*
fos depende grande parte da conjedura dos
tempos. Guarde Deos a V. Senhoria mui^
tos annos como dezejo, e hayemosmifteri
Villa Franca ii de Agofto de 1664.
Creado de V. Senhoria.
i António Vieyra. r í^í
CÂR-
D O P. ANTÓNIO VIEYRA. i g 3
yf-
ICARTA XXXYII,
yíT). Rodrigo de Mèmzes.
ENHOR. Parte o correyo , 'e por
me haverem tomado impenfadamen^
te todo o dia , na5 tenho tempo mais
<que para dizer , recebi a de V.. Senhoria , e
coma fatisfaçaõ dos meos dous cuy dados,
que he a faude de V. Senhoria e do Senhói:
Marquês que Deos guarde , cuja conferva-
çaõ entendo eu pertence muito á Provi-
dencia Divina no meyo de tantas e ta5
grandes occupaçoens dà guerra eda Repu-
blica y e todas de taÕ particular ferviço leo.
Da minha faude naÕ poíTo dar ainda a V*
Senhoria asnovas que V. Senhoria dezeja;
mas fe continuar com o alento com que
mé tenho achado eftes dias , farey delia
mais conta , do que cuydava nos paíTados.
Emfim Deos qui morúficat vivlficat , e em
cujas mãos a tenho pofto com dezejo fo-
mente de a empregar em feo ferviço , a da-
rá perfeita quando for fervido: e fera bom
que
Té
%t4 C AW^n^.'$ '' :'-1
que feja muito larga para chegar alguma
hora em que as minhas fauâades teiihaõ p
âllivio que o tempo e líias variedrades lhe
ya5 tanto alongando'. Se V. Senhoria lhe
thama infofríveis , eu prometto a V. Se*
nhoria que tenho muito menos paciência
e que efta eftiirera de todo acabada. Si
mn haberemmfolaúofanãos Libros. O do Ab-
bade Joaquim efpero com alvoroço. Guarifj
de Dèos a V. Senhoria muitos annos com#
dlezejo e havemos mifter, Coiníbra j ^ d^
Agofto de 1^4»
Capellaó e tmnm Çreado de ¥^
Senhoriat
António Vieyra.
CAR-í
DO P. ANTÓNIO VIEYRA.
'■*Sf
CARTA XXXVIII.
,A T>. Rodrigo de Menezes,
ENHOR: Todas as cartas de V. Se-
nhoria faÒ para mim de igual con-*
tentamento , e fe em algumas íe pô*
de coníiderar mayor , he nas mais largas ,
como eíla que ultimamente recebi , por-
que beijo a V. Senhoria a ma5.
O meo aíFedo , e cuidado merece aa
Senhor Marques queDeos guarde, a mercê
que me faz , e lembrança que de mim tem.
A quietação das fronteiras de Alemtejohe
a coroa dos bons íucceíTos de Sua Excel-*
lencia pela femelhança que tem de paz ,
que eu entendo deve fer fempre mais de-
ízejada , que as mayores viâiorias, A pon-t
deraçaõ com que V. Senhoria as confide-^
i*a {jor obras puramente da maõ de Deos^
mercê grande fora ííia , que eftivera, muy
impreíTa no conhecimento de todos par^
que nos naÕ fizeíTe-mos indignos da côa-»
tinuaçaõ delle^^ .g; certo que quando Ii na
A^.^m, L Aa de
li
de V. Senhoria a razão de não Êaver im^
retífefeâtó tíy>i^f que gflii^áfri itó
fitiôs", ^ me mipHmiò éM rerdkcteí^áí
coração , çottío íe íbra fê , ou évidentra^^í^
O que me contarão dç^. ? SenhòrM
na5 foy huma^ fena5 rriuitas^ (Mmm pfct^
quê ^ao pêrco^^u oocafiâo^ b^ la^ díivil ^"^
procurar como quefti vay taõ intereíladd
itb gofto deliam. Muito deves Y* Senhoria â
Pí|Os ; porque inaiõhe condição diehonien^J
esaíèitoi í^ènos^ 'úé Fcâítugiíéiseb haver pei|'
íba f^ mais^itiírtaAnho^luigares dequejÉ
lodos y e em íudo dígao Bem. Muito pc^
déroíaiha ^^cMiSj^iy^&ék-^
«ês-miiagféíccímá eife.aMp-ab .odimm^^t-'
^^D p^pa:rabem quáijártiçularrteme áeym
^íaSârthõria era de me haverem dkó [e
dj^pois fcme confirmou por outras vias :|
que V. ^Senhoria itinha o primeiro lugaí ^
emuiio grande na graça do Corpo Santo ^
e pofto que os que na5 padecem tempes-
tades vneceíílta5 menos do favor da San-
TelmO-^u)nd^ a devoção fica mais calife?
éMi por devoção , he também mais co-
nhecida a graça por graça : O certo hie
^ue os Santos ainda os da primeira Hierârr»
r. quia
DO P, ANTÓNIO VIEYRA. "ttr
.qiia i nao deixaõ de fer homeçis , e ainda
qp^!jeu muiim ^i^e ittgar de lhe rezar nem
MmaÂve MARIA ,eftíma muito que te-*
nha taõ bom gofto , e que íejaõ tao acer-
tadas fuás eleiçoens , fó efte allivio confide-
3Eft}í^Q mMÍÂít trabalho das occupaçoens de
V. Senhoria que verdadeirameate faõ gran-
des , e moleíf as c nao pouco occaíionadas
a diffabores _, e mais nas circunftancias do
iQmpocprêzeâítfiA Grande prova he do que
p^uc^fj h^{ dísk , naõ haver algum deza*
feiçoado que íêi quiz^eíle ^ aproveitar da oc*
45afia5 contra :!tE, cSeiihoria , pois na5 hi
«nocencia i3quíe eft^a Jêguka de hum falfo
teftemunho, de que.íSfle Senhoria com mui*-
taYSàzâÕ dá grtiças á Divina bondade, co^
jnb eu lhas tenho dado, fe bem entre mui*
pt^^jiovasíquê por cá fe: eípalhàraõ ; nun-
ca entre ellas íè ouvio o nome de V. Se-
nhoria, fendo muito raros aquelles a quem
guardou efte refpeito a primeira fama.
V O Padre Reitor me avizou do livro do
Abbade Joaquim que virá na ptimeira oc-
cafiaÕ , o outro papel folguey muito de
ver pelo que tem de curioíb e naõ fe lhe
pôde negar , ao menos nas primeiras ad-
Aa ij ver-
I l:i
vertencias , que faõ notáveis os myfterios
que nellas fe defcobrem , e ^iie , íupoftos os
outros fundamentos defta efperançà , tem
grande femelhança de verdade. O que Ro-
que Monteiro diflíe { que íupponho devM
fer a feo Pay ] foy a repofta que eu lhe
dey de palavra a algumas Gôúzasiíquê itíe
mandou dizer e perguntar fobre noticias
antigas , que já em Lisboa tinhamos pra?^
tieado muito dij0ferentesí- naieíperança y^ê
Í10S fcndaáiíeotos deitudí) soiíqae depois fê
íby deícobrinxloj eomroâBÍludoii, ^ com o
tempo , que hei af<jiâ>ra qt^fe^ eftà relervada
■■|iira'íVJ^:.;Senh.oil3rfiímenf^ park^ic^iníà
Sq íepultâr para íempaie^ -^/A MmsW^xs^^
íeo temp«3 , £e Hoílb Penhor der d íaudei
e mi ©ípáço que para ella he neceílariicb
^mrdéjDtos a V. Senhoria muitos anno$
como dèzejoe havemos mifter. Coimbrf
2j. de Agoílo de id(l4. í].
jpapellao I nienor C^
Senhqriâl ^^
António Vieyra.
:"^ - CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA 1 89
M. 1^^ Rodrigo de Menezes,
ENHOR : Ainda que faltem os na-
vios de fora , fempre V. Senhoria
_ me dà as novas que mais me impor-
$aç ^çciimais me ailiviaã^ íejaÕ íempreafr
#m?i^çqufe eurn^ dbuipdr áatisfeito : ás ^te
®iais naõ ,mtí:daõ tanto cuidado , porquê
#|ílr:Cff|y^@■ '0^1 eíperoi^^íOE Bèi, ;■ je;.. nao' pôde
|)eios íútm as fesi fíromefes ^i depois quq
Mntas faiiéíiáàs, Wositemí/dask) 3d áa#?iirem
condicionam dBor vm^ dof Portotíeíafli^u^-
í-aQ de Madrid 3 le Paris todas as que po^
-éiemosí dezejar que naõ repito a.^p.j^Senfio*'
wài f ^porque entendo h averaõ >lá citegadè
as mefmas. Alfim Deos fe tem dèciarado
por nôs, e contra Caílella , a qual me faz
já laftima , e íepôde entender que vay ca-
minhando com paíTos muy apreííados á fua
ultima ruina , e que aquella Monarquia íe
acaba para Deos levantar outra. DelTa Ci-
dade me mandou o papel induzo huma
- - peí^
^'il
peflba que eu tenho por digna de todo 0
credito , e j ètiaõ lon^ àé Goiínbí^^ mie
tinha cõmunieadonoutro^ de^ igual òpiniàõ^
quaíi o mefmo. Nenhum dçfteSteftemu-
nhos , nem ambos juntos baftáriâõ a peí*«
luadir a minha incredulidade^^ JHf s^C(wnp
confrontaõ com outros quaeii eftimiD por de
verdade provada , naõ poflb deixar de ef-
perar que a tenha5 , ainda que feo& Au*
thorés íe hajaô^ enganado.?- Xamt>eirío0aie
confta que ellesnos na5 enganaò , ao ibêb
nos efte que meremeteo o papel. Beos he
Senhor dos íeos fegredos;-i;3 e podeos c5^
municaa: y.-.e'f&my^:sqB&mí fbriifèrvído*^ ííoè
aqui paffoi^ /hufaiopTííioróiíÁfídcà #0rtoífqi^
ao principio fé difle era o Gama muy co^
nhecido por nome nos arredores do Moíi^
dego , onde feaffirma efteve muy de publi-
co hàpbucos dias , íem embargo de eftar
publicado pelas eíquinas das ruas : depois
fe foube que era hum creâdo , ou camara-
da de António de Conti , por cujos mere-
cimentos fe vay calificando com eftas die-
monftraçoens ,• mas o mefmo arguníentõ
poderá elle fazer contra outros com quem
a fua fortuna ainda quando adverfa o tem
igua-
DO P. ÍA.KT£)NIQ VIEYRA: t^
Jgualàdo. Ooin a nova de eftar o Marquês
i^iQ(mmãl^t^^ÂímMm^àí Gérte^i, e^s íeos
pôfl^ y íè ^êuida por aspii tfem dado S. Ma-
gíeftade principio à r emigração dos defter-
rados 5 e affim com boas rafoens ainda os
qiw^ie prezaÕ da mais refinada politica ,
fíiasoBu nao acabo de me períuadir a iflb ,
porque hà texto em contrario , fe eu mal
o áaõ entendo / e o que eftâ em letra re-
dmida, parece que naõ pôde deixar de fò
€omprir. DemeíBeòs^ida , c íaude ,jqtoeo0
mais dallò bdoc tempo y e quando o na5
dc:^ impjorta pQUí^i; Ei^ me ^vou^paílando as
faÍas^céiirMU0i[l!i^a?fmí5J.oiaJbc'altern
m^nt&m^êhii<í&mmyfiLX>(:-^$Á t^oda^^ noíla
línÍTerfidadeÇeD ofídias vao mais ftefeosí ,
do que ) os^ havia^ mifter a continuação idos
banhos u^ que ainda jhonfâem; nte:lK)rn9p;a
receitar o Dotitor Sahfins. Só ^i ^enfe
vive da occupaçaõ , e do trabalhd ; mere-
cendo fempre muito com ambas as Mager
ftades-i^ Divina guarde a V» Senhoria muit-
tú^ tnnos y como taôbem ambas haõ miíler
e eudezejo.Coimbra I. de Setembro de i66^.
Creado de V. Senhoria
' V António Vieyra.
CAR-
15)1
CARTAS
CARTA XL.
AT)^ Rodrigo de Menezes*
ENHOR : A faude de V. Senhoria ^
e a melhoria do Senhor Marquês que
^ ^ Deos , guarde eftimo quanto devo , e
aue efta noticia chegaffe primeiro que as
as queixas de S. Excellencia que he gran-
de mercê de Deos naõ paífarem a maisfo-
bre tanto trabalho , eem clima , e tempo
taõ rigorofo. As calmas deíles dias foraS
por cà ta5 extraordinárias que fe naõ km-
brao os homens de outras femelhantes ,
mas lembravame eu muito pelos refpeitos
do meo mayor cuidado , quaes feria5 no
mefmo tempo as de Alemtejo , quererá
Deos fehajaõ moderado là, como cà tam-
bém o experimentamos , pofto que com
taõ repentina mudança que do extremo dos
caniculares temos paflado ao do inverno i
com tempo chuvofo , e frio. Eu me apro-s
veito dos dias de mayor calor para a con-
tinuação dos banhos do Mondego , com
nova^
DO P. 2\NTDNrO VÍEYRA. 193
Siovâ inílància do Doutor Sanfins , mas os
eíFeitos naõ faõ os que fe eíperavaõ , fe-
naõ os contrários : bafta porem que fejaõ
os que Deos quer , para que os aceite co-
mo da lua ma5 , e me conforme com íua
vontade.
; G Papel Romano eftimey, e feeftimou
muito em todo efte Collegio , e foy o pri-
meiro , ou único que appareceo defta ban-
da. .O mco parecer Ibbre elle naõ faberey
dizer a V. Senhoria , porque verdadeiramen-
te o naõ entendi : como tenho já quaíí
dous annos de ruftico , naõ alcanço o eP
tilo das Cortes; ;, e menos o de huma ta5
grande Corte como aprimeira do Mundo.
PeíToas , que eu tenho por de bom juizo a-
chey menos contentes da primeira demoa-
ilraçaõ , e geralmente parece que he fado
das noíTas vidorias , fendo taõ grandes e
pára eftimar , que os noílos mefmos efcri-
tores lhe tirem o preço , e que nenhum
athegora acertaíTe a ponderar os fcos ma-
yores quilates. Se o intento defte papel de-
ijionftrativo foy por ventura querer moftrar
ao mundo e à cabeça delle, que Portugal
Baõ pôde fer conquiftado de Caftella , ,e
.4; Tom, L ' Bb mof-
^
194 CA R TAS
moftrar à mefma Caftella, que ainda na ííipi
pofiça5 polível , ou provável da fua conqui-
fta lhe feria mais conveniente ter a Portu-
gal por amigo , que por íúgeito 5 aflump-
tos era5 eftes dous que fó podiâõ eonfe*
guir-fe , com muito vivas , muito claras , e
muito folidas demonftraçoens _, a que na5
falta matéria nefte meímo papel, íe fe lhe
dera outra forma j mas o Author he fo-
mente difcreto de profi íTãõ , e ó compre^
hender e difpor hum difcuríô demonftrati^
vo que fira direitamente os pontos , e os
convença , fem fe divertir , pede outros fun-
damentos. Teghgií djtío m^sado nque quize-
ra , porque fempre qui?^er% di^i^ bem ,
mas faria aggravo grande â minha fè e
©bediencia , fe mandando-me V. Senhoria,
naõ diífera com finceridade tudo o que te-
nho na alma.
Os verdadeiros papeis , e os difcurfos
e demonftraçoens que haÕde defender a
noffa cauza, faò o Forte Real de Valença,
e as Fortificaçoens das outras praças e a
defença geral em que o Senhor Marques
tem pofto aProvincia de Alemtejo. A fal-
ta de mantimentos que o inimigo padece
em
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 19 j
em toda ^ parte, moftra bem quanto Deos
eftâ da nofla , pois no melmo anno hc
tanta a fertilidade por toda a Beira e Mi-
nho , que fe diz naó haverá onde íè reco-
lher o pa5 , e jà hoje fc eftâ dando de
graça, íem haver quem o queira. Tudofaõ
mifericordiás de Deos , tanto mayores quan^
to menos merecidas. O mefmo Senhor
guarde a V. Senhoria muitos annos , como
dezejo e havemos mifter. Coimbra 8 de Se-
tembro de 1664,.
Capella5 e menor Creado de Vé
Senhoria.
fTt-H-
António Vieyra.
Bbi]
CAR«
f^6
C/Ar R Ti A ^
t-r}Qo'\:\kim i'.- ú irr.óiíi ."^rim x;,i*.>u: .
lA. " 1 ! x?L ,^ iX l-^^l ^
;\tLS Li} '•
enezes.
(y , • íj\r\i i
ENHOR : Dou a V. Senhoria o pa-*
xabem ; e tójo ã ma© a meo novo
.Amo; xjiie nao pôde deixar de naft
=cef ocoíh r táwf feliz ' eftrellá y pois Vem ao
mundo em tal tempo ; o$ prementes faõ
muito para fe paíTarem fem uzo de razaÕ ,
e os futuros o íeraõ também para fe logra-
rçií;í c^mc^r^nde felicidade por /toda a i^i*?
da , e mais quando V. Senhoria defde lo-^
go o dedica ao ferviço do que fo he bom
Senhor , e nem fe muda , nem morre. Lo^
gre a V. Senhoria por muitos annos para
que os creados da Gaza de V. Senhoria ve-
jamos hdla ^uy repetidos goftos.
Quem eftâ -ta5 longe do mundo como
eu y e com os olhos de taõ curta vifta , naò
pôde ver muito delle , pofto que pela ex-
periência da minha cella nao deixo defuf*
peitar o que paíTarà pelos corredores , e^"
aíTim finto , quanto devo , dizer-me V. Se-
-^Jii:^r ,.r;i nhoria
DO P. ANTÓNIO VIEYRA: 197
nhcvria que todas as couzas dó mundo ya5
àC2LZ0y èqae nada fe obra com fim, nem
lefpiritual , nem politico. As obras dajuíli-
Ça Divina aflentaò fobre merecimento , e
ainda as da Providencia efperao coopera-
.^aõ j e naõ fey que confianças faÕ as noí^
faSjíe nos falta huma couza , e outra: fa-
bello Ji^õ os mequetrefes y iç X. Senhoria,
pois os ouve , também faberà o que elles di-
zem , pofto que elles n,a5 digaÒ fempre o
que fabéíH / ou o que cuidaõ ; mas como
a feíTaõ era mais para Villa Franca , que
para carta ^ , fique para , o filencio , que
nunca fby depofitaria df tácitos € taõ pre^
éioíírmiíleriosy cbiáo os que eu eíles dias
lhe íiQ. Nai5 fey -fe haverá vida , nem tem-
pè' |5^ra lhos tornar a pedir. Os dous Ser-
iiioens , como quafi todos os outros , eftaÕ
€tó: apontamentos 5 e he neceflario retjuzil-
áo3-deja0vo a.eftilo : niíTo fico trabaUian-
?iéa)'^c,po^s«J^>: Senhoria aílira o ordena , i€
deícar^çarâ centre ftanto a outra-táo cança-
áa obra , foey inuito porque hum delles
poífoujuiroho, obreyo* quefvem .i^^em todos
-«;^pa mjiito >boM;Hbvas de "V. Senhoria ,0
^èáSgj^hpjEíi^díltírquès^^^ gilardé , por-
■^máa que
1^8 CA R T AS
que foa por cà que o inimigo prepara ^
grande Campanha paraefte outono, o que
eu na5 crerey em quanto V, Senhoria o
naõ confirmar. Guarde Deos a V. Senho-
ria muitos annos como dezejo e havemos
mifter. Coimbra zi de Setembro de 1664.
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CARTA XLII.
J[T>. Rodri^ de M^mzeí^
SENHOR : Naõ fey que deívio pudeP-
fem ter as minhas cartas nos correyos
paflados que as retardaíTe , porque
fempre fe entrega5 muito a tempo , e pe*
las mefmas vias , nem hà nellas occanaS
que dè motivo à curiofidade , de que mui-
tas vezes íe tem queixado os defterrados
defta banda^ mas eítimo que ainda que tarde,
cher
DO P. ANTÓNIO VIEYRa: ipp
chegaflem , pois fao teftemunhas do meo
cuidado , e febre tudo , que as de V. Se-
nhoria itte tragaõ boas novas da faude de
V. Senhoria e do Senhor Marquês que Deos
guarde, como dezejo.
A larga , e [retirada de Arronches he
huma nova vidtoria em confequencia da
primeira, que fe naõ deve feftejar menos ,•
e aflim fe efpera a ultima certeza delia com
grande alvoroço , veio em muy boa occa-
fia5 para que o Senhor Marques entraíTeem
Lisboa com mayor aplauzo, mas tudoiíla
naõ fao mais que as veíperas d qs^ triunfos
que eu á S. Excellencia eípero. -^ ^-^-^^
No Porto , dizem , dezembarcou hum
deíles dias hum clérigo de Roma , que cer-
tifica as vidorias do Turco contra o Em-
perador , e que ficava jà naõ muito longe
de italia y naõ me admira tanto o cazo ,
quanto o pouco âballo que faz naquelles a
quem toca mais de perto : tudo íaõ fatali-
dades , é tudo demonftraçoens de fe che-
garem ou eftaíem muito perto jà os tempos
dò remédio prometido. O Sermaõ eílâ jà
acabado, t fe começa atirar em limpo pa-
t^ kit fem duvida no còrreyo que vem.
Guar-
200 ,AiIY'^'^A'R^T ArS .^ O^
Guarde Deos a V. Senhoria muitos 'ânria%
como dezejo e havemos miftfr.! -
29 de Setembro de 1664,
i V '^ ^
e menor Ayxea
•i>
ENHOR : De grande contentamento
foy para todo efte Collegio a carta
de V. Senhoria : e particularmente as
ultimas regras , de que todos daõ graças a
Deos 5 e multiplicados parabéns à vidoria
do Senhor Marquês, cuja campanha ficou
coroada com efte fucçeffo. O haver fahido
Marcim, pofto que com occafiaõ taõ conhe-
cida, parece que poderá dar algum cuida-
do ,
DO P. ANTÓNIO VffiYRA. tax
4à y fc a efterilidade daquella parte naS'
fora fegura de outros intentas : e hc ta»
particular a Mifericordia de Deos comnòf-
CO , que no mefmo tempo fao tais as no^
vidades neftas Provindas , que fc diz naâ
haverá onde recolher o paõ.
Vay o Sermão, entendo que baftante^
ment^ reftituido à forma, em que foy prê^
gadoy que ftrà bemdifferente da copia que
fe tomou de memoria , e que V. Scnhoriai
ieo osdiaspaíTados. Eftimareyque naõ paPJ
fe da ma5 de V. Senhoria , nem faiba peíToa'
alguma que eu remeti fermaÓ , porque fo
me pedio nefta mefma occafiaõ para hum^
peflba muito grande , e fentirey que poíft
cuydar que naõ^ tenho muita vontade de á
fervir. Naò nomeyo o fugeito , porque dí
naó fio do papel , e ífto baftará para qnm
V. Senhoria entenda quem he.
' Chegarão novas de huma grande víá
aoria do Emperador contra o Turco , 0
que aíTim o cfcrevera Alexandre Branda5 ^i
importame a certeza defte cazo e fe ^
houver em Lisboa , para a continuação da»
minhas conjeduras. Guarde Deos a V. Se-*
nhoria muitos annos. como dezejo, e have-»;
Tom. h Ce mos
ifeos mifter. Goimbrà 6 ide Outnbro dè i
aô e menor Creado de V
,>ia«
'A
AntoniQ Vieyra,iiiè^
M T^--R(Ak9oãMm^es<^
ENHOR^: iO^y^í»! oderà coiíiigo eftf
,^^_^ niioria V ^ ii^^^ ip^^kòr Marcpals
í|ue Dços guardíefí^íàôbeiJGamaô repeti^
emente a S.: Excellençia, porque me naõi
^^evp a tanto ^ e me baila tenfca conhe^
eido o meo aflfea:o : V. Senhoria o faça
toma e mil vezes, affirmando a V. Senhor
íia.cQfn toda a verdade que naò hà neftê
3]p^o dezerto , nem outro allivio , quand#»
Gjkegaõ , nem outro cuydado , e alvoroço:
(jji^mdo íe efperaõ , mais qiae o das cartas ,
©.fjOY^s de V. Senhoria, que eftimo fejaõ
femprfe quaes eu*dezqo , que faõ as da boa
lâude
W" ' ■
DO P;^NTONlÒ tlEYRA. ^\
ímãQ com que V. Sçnhoria paflâ : VJàeil-
<Io o demais abaixo da graça ^e Dcos iôi-
porta menos , ou naõ importa nada. Q
quanta confolaçaõ nie da vér a V. Sèiihò-
ria taõ entregue a efta Filòfoiía ^ é ta5
conftante na verdade de feos diítamés ó athe
para efta vida faõ os melhores , os màis
independentes , ê os de m^hos cuydádò ,
ou de nenhum cuydado , nem jfeeèyoi Sè
ií^Q pfcolheraõ por felicidade da vida pre-
mente os que naõ conheciaõ dutra , quan-
to mais, ^í ex fide vtvum 7 O íuccéíTòdè
Arronches he muito para naS fè éi-er a--
Mia ^epois^dè^vift# i<som os (íthos. De tó^
4€fs és teil^p^qfe d^^ã gloria a Deos >
tóas eftamê fíl^^dSMeréciménto aos Sáíl^
tos , que o Mejteôí ^Senhor toma por iria
ftrúmento dellés.Tao-beín pareceriaõ ás me-^
liioriasdefte milagre penduradas das pare*
des da cazâ de V. Senhoria , como eftáS
bem poftas nella as peças da vitoria de
Elvas. Mais fortuna temos com a guerra
de fora , que com a paz de dentro. Hon-^'
tem nos deò )mrh câMínheiro bem poueçr
gofto com árélàçaõ de hum cakò pòf tò-^
âas as liías cíícunftancias dei^eftrado. Quei^^
^^^^ Ccij r^
CARTAS :
ia beos que naõ fej a verdadeiro. Em quâfS
to nos nos matamos, marcha oTureo xroai
4tra a Chriílandade , e fora melhor <jtieeft
te Tangue fe derramaíTe peleijando contm
inimigos da Fé ^ € em defenla delia ,;edf
ííia Igreja : Mas : quomodo impMíM^M^fbàf^
mra ? O Sermão do Maranhão bem enten-
do qaal he , mas naõ poderá hir com tan-
ta brevidade , porque he força trabalhar
em outro papel , que também hirá a V*
Senhoria,, porque hi^uzas que íelhepaf*
fa o tempo. O mais bem empregado faõ
cftes inftantes, c o papel de mais goftobe
cfte pfpel épí que|5Ícíe|S apt. feihòria ,
Bhoria , qvtando V. Senhoria tem tantoiem
qitó è^mpiégar , edetantb^rviço deDeos^
O meímo Senhor guarde a V. Senhoria
Butítp^ aÉnnos^íCómo dezèjo e híívcnkjS; n»
i)femíí2Di de Outubro de i66/\, p .
O Pítdre Procurador Geral do Brajsil
tem hu^ j?equerimento com o Doutor Fel**
nandes Monteiro íbbre couzas da Miffaõ
Ao Maranhão; ,r íê V, Senhoria me fizei?
xnerce dizer-ilie;, que acabe de lhe deferit
com
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. loy
com eíFeito ( porque fó eftâ o dano na di*
lafaõ >) iiíarme-hà ; V. Senhoria particular
Ikyor , e àquelles fervos de Deos eímola ;
^as naÕ faiba elle , que fou o interceíTorj
|iorque naõ tenha occafiaõ de deíconfiança
mainizade que profellamose ,
-^m oCreado de V. Senhoria.
a*
vir»"
m'm
1 -n'
Ws^T
rENHOR ^:^'B^:íetra-:juIgarè "^iSt^:
nhoria que já çfta naõ levara tao mas
novas da faude , como a paflada , mas
aindaasnâõ poffo dar taõ boas a V. Senho-
d^íltoítio fcy que V. Senhoria as dezeja ,
^iiem emendo que poderá fer em quanto o
ittverno foir inverno, e Coimbra Coimbra:
@ laayor cuydado que me.deo o eftilicidio
foy vir mifturado com fangue , m^s éomo
parou a febre , parey cu t^iiibemí^crnajós
medicamentos , e quero antes paflar com
PS achaques , que intentar livrarme deites
com mais rifco. Venhaõme fempre muy boas
novas da faude de V. Senhoria e do Senhor
Marquês que Deos guarde , que com o mais
me comporey facilmente em quanto omef-
mo Senhor for fervido. As tempeftades , que
por cà correrão eftes dias , nos tem em
grande c;uyaa& juntas coíh o perigo defla
Barra , queira Noffb Senhor guardar a fro-
ta , e trazella a falvamento , que naõ feri
peqàário favOJ^ ^%êa^^^ tempo ;taé éòr-
mentofo^ éu a erícòmettdo fhuy particular-
mentena-c^ -Pedi^ÒL Gon^alvés^ que como
tenrho tantos^ánnos de marinheiro , tam*
bem creyonefte Santo, e fio muito defeos
pqdefeSí. Grandemente eftimey as novas que
V« Senhoria me da , e pofto que o meo
encomendado naõ hia na pauta , eftimey
muito a lembrança que V. Senhoria tevê
do feo memorial , para qme co^ftáffe ao
Religiofo feo parente 4 mercê que T.- Sê*»
nhoria lhe queria fazer , e me fa-sí. 'Gúàtê»
Deos a V. Senhoria ifíiuitos atínW. ^€tóí^
Vv4 dezejo
DO P. :^NTONIO VIEYRA: io7
imt]ò ^ e havemos mifter. Coimbra 3 de
iíóveliiteo de 166^.
^^GJiapèllao e menor Creado de V.
^^ j Senlioria.
|i: ■ ■ ■
^ António Vieyra.
' CARTA XLVI.
.,^2). Rodrigo ds Menezes,
ENHOR: Com efta ultima carta dê
V. Senhoria acabey de cf6r^#^$é
naõ cria , e conhecer o m^ndb^ etti
que vivemos , cujos myfterios íb p^iíâi-
cançar a Providencia infinita que o gover-
na , e dera eu muitas paíTadas por ítllar é
ouvir a V. Senhoria nefta matéria, que o
pôde fer dos majores difcurfos , e também
áas: mayores fuípenfoens. Quantas vezes
coníegue Deos íeos intentos pelos camf^
fthos, por onde qs querem eftorvar os ho^
*L - mens í
C A R T AS orf ^
mens ! Ainda que V. Senhoria poderi que*
rer o retiro de Cantanhede , Deps quçr ^
V. Senhoria na occupaça5 , e inquietação
de Lisboa. Ninguém ferve rnelhoi: aDeos,
que quem o ferve como, e onde elíe quer^
e efta he a verdadeira filofofiá , ôao lo
Chriftãa, fenaÕ ainda Eftoica. Do Santo da
devoção de V. Senhoria ouço por cà mila-
gres bem notáveis 5 eftimo que V. Senho-
ria feja efte anno, e o que vem Juiz dafuaí
confraria , e eu pregara na fefta de muito
boa vontade , na5 para delicadezas , nem
conceitos , fenaõ para edificação dos fieis.
Nà5 alimpo os outros Sermoens ^ porque
todos os inftantes que me deixaS livres os
meos achaques, emprego naquelloutrà obra>
que bem vejo quanto importa fahir a tem-
po, Cà me mandarão o papel do Flamen-
go , e também vi por efcrito quanto fe tem
contentado delle Pedro Fernandes Montei-
ro , de que na5 pouco me admirey. Na5
he a minha fè taõ çegà,que fe convença
pu fe cative de taõ leves fundamentos. Nun-
ca V. Senhoria me diíTe nada acerca dos
fugeitos que às profecias podem fer oppo-
fitores y e fe alem do Rey premente do au-
zente^
^ DO P. ANTÓNIO VíEYRA. %of
ífóxtv, c; do defunto, e ainda doCaftelha-
mo que tainbem he decinía feta geraçáõ ,
qç€orre a V. Senhoria outro algum que
pofla fazer argumento , ainda quenaó che-
gue a fundar opinião. Pbrguritoíifto, por-.
qUe, quem diíputa as matérias ex profeílb ^
he bem que toque todos os pontos , e euo
faço ^aqui. Tivemos hontem grande inun-
dação do Mondego com huma terrivel tem-
p#ade , mas haverá querido Deos que naõ
al^ançaíle aftota, pelaqual íe fazem mui-^
ta& oraçoens. Se oPadre Joaõ Pimenta, Pro-i
curador Geral do BraziJ oífereceria V. Se-
lihoria hunva carta rninha dè recòmeada-
f ao^ííT todo o layo|: ^pi|i^^ ?qiie^^í..S^
iHiotia lhe fizer , haveréy por próprios, por^í
que lhe devo grandes obrigaçocns , e naõ
tenho outro dezempenho mais que a graça
em que V. Senhoria me tem. A meo Amo
O Senhor Maírquès , que Deos guarde , beijo
fempre a maõ, eDeos me guarde a V, Sc-^
Bhoria muitos annos como dezejo. Coimv
bra IO de Novembro de 166^.
Creado de,y. Senhoria.
^il
Temk L
António Vieyra. ^ :;.h
Dd CAR^
|!l<>
C AR TAS
/Xiíli^J V^ií, ^'-
yíT>. Rodrigo de Menezes^
ENHQR : Naõ poffo negar a V. Se-f
nhoria que foa homem do tempo ,
^^^^ com elle vivo , com elle morro , com
eíie^adoeço , com elle faro. Entrou S. Mar-?
tinho com o feo veranico , que nas calmas
pôde competir com o mayor veraõ , e ca-*
mo naõ ha frio, logo eftou em paz com os
ares de Coimbra. Paffo eftes dias em Vil^
la Franca fó comigo , e com os livros.^ efe
Deos for fervido quecontinuem os alentos
com que me acho, aquella Obra fe porá'
em eftado, que poíTa hir a tempo àsmaoç
de V. Senhoria.
Do fuGceflb ou coílume de Alemtejoy
dou o parabém ao Senhor Marques que
Deos guarde, e me alegro com V. Senho-
ria de ter ta5. confiante a fua fortuna. Bem-
dita feja a. Providencia Divina , que taõ
conhecidamente nosaíTifte nos campos , e
nas campanhas , no mefmo tempo em que
nolios
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. in
noíTos competidores colhem nelles, c nel-
las taõ pouco fuftento , e taô pouca opi-
nião* Pelas copias de ambas as cartas bei-
jo a V. Senhoria a ma5 ; foraõ taõ fefte-
jadas de todos , çoíno merecem , e também
pelo lugar , e circunftancia em que foraõ
recebidas , tiveraõ no meo coração parti-
cular aplauzo. Naõ quero dizer com iftoa
V. Senhoria que moraõ as minhas elperan-
ças no mefmo lugar , porque ainda que to-
dos os dias fe confirma5 mais , naõ fey íc
eftaõ depoíitadas em S. Vicente de fora ,
íè fóra de S. Vicente , mas fcmpre fera em
lugar Santo. Jà pedi a V. Senhoria me fi^
^efle mercê dizer feo fentimcnto , porque
fempre feguirey , e eftimarey a opinião de
V. Senhoria como de V. Senhoria. Deos
guarde a V. Senhoria , muitos annos como
dezejo,e havemos mifter. Villa Franca 17
de Novembro de i66/{^
Creado de V. Senhoria,
Antõiiiô Vieyra*
Ddij
CAR-
il
CARTAS
ikij <>y
.ii^\< xQi-i
■.^■^ .V"-**
Iw^A
^r
m
Aiy. Rodrigo de Memzes.
ENHOR: Três recebo juntas de V.
Senhoria , e bailava huma fó para
^ grande allivio meo , fe naõ lera na
última os difgoftos e fentimento taõ jufto
de V. Senhoria que me tem laftimado o
coração , com ò qual faço ao de V. Se-»
nhoria toda a companhia que poíío. AltiP
fimos faõ os juizos de Deos , e creyo eii
que para dar exemplo ca "¥. Senhoria-eni
lium cazo deftes , quis elle também tó
hum Filho innocente morto , para que c<^
nheçaõ os homens por ííia própria dor ò
muito que lhe devem , e quanto o mefmò
Senhor eftimarà a conformidade de V.
Senhoria com íiia Divina vontade neftefa-
crificio taô feníivel : em nenhuma chaga
he remédio taõ efficâs a Fè como nefta de
V. Senhoria , em que a ráfaõ naõ tem mo-
tivo paraduvidar ^ nem eu quero foffrer que
V. Senhoria lhe chame caftigo , pofto que
te-»
DO p. ANtONio vieyra: %t^
tenhamos exemplos de que moftra Deos o
rigor de ília juíliça em a executar nos in^
hocentes/ Eu lhe dou graças neíle cazo (e
allim o creyo ) por querer premiar o me-
recimento dos pães na innocenciá do filho.
Ah meo Senhor D. Rodrigo , quanto Deos
ama a V. Senhoria, e quanto fe agradada
verdade do coraça5 de V. Senhoria /e da
refoluçaõ com que V. Senhoria fó a elle
eftima , e preza , e faz do mundo a conta
que elle merece.! Bem pode fer que com-
mutaffe outra fentença nefta , e que cor-^
tafle naquella vida os annos para os acerei^
centar na de V. Senhoria ,, cuja peíToa en-
tendo êu hà muito tempo guarda fua Di-
vij|ia' Providencia para a empregar nos que
efperamos em mu^to heroycas acçoens de
feoferviçoe gloria , obrigaçoens , meo
Senhor ^ a que V. Senhoria deve muy li-
beriaes co^rreípoBdencias , e muy agradeci-
da^* c Sobre efla matéria tomara eu poder
gaftàr a V. Senhoria algumas horas de fei-
toria j jà que nao podem fer as do foalheiro
fi^:;iVillá Franc^ :, nella vou paliando com
menos quejxa^ experimentando .já quanto
pôde a continuação , e o coftume , ainda
con-
contra os mefinos elementos. Trabalho af
horas que poíío , mas aflSrmo a V. Senho-
ria que me defmayou a carta de V. Senho-
ria com ã repofta das minhas perguntas ,
em que V. Senhoria me diíTe em poucas
regras mais do que eu tenho fabido efcre-
^^ em muito papel. Agora finto os danos
do meo defterro, pois me priva deconful-
tar muy frequentemente os oráculos de Vi
Senhoria : em tudo me confirmo com a dou-
trina , eauthoridade deV. Senhoria , efó
cuydava que fem novidade fe podia tam-
bém efperar que fizeíle algum milagre o
Corpo Santo. Naõ digo nada nefte partia
çular por affedo , nem juízo próprio , ma$
he muito o que tenho ouvido a gente que
difi:orre pelas eftrellas , e difcorre delias
abaixo , e como cada Santo tem fiias prero-
gativas , naõ he muito que fe tenha mais Fè
naquelle em tempo de tantas tempieftâdes :
ellas fora5 cauza de faltar côm carta no cor-
reyo paffadò , tendomè em grande fiifpcn'*
fa5 a tardança das deV. Senhoria, por fe
haver dito de boa parte, que havia <}áém
as tomaíTe. E pofto que nem as de Vi Sénhó*
ria nem as minhas podem dar motivo ^
ma-
tn/J
DO Pi ANTÓNIO VIEYRA. iiy
^í^ia , nem à curiofidade , quis efperar
a noticia quc agora tive , naõ podendo a-
inda attinar com a cauza de C^ uao ciarem
as minhas no x3^it«Q.Í^ ond** Tempre as re-
meti fóra do maflo do' Padre Reytor , por
elle eftar; aumente. JEmfim , Senhor, V. Se-
nhoria com feo grande coração , trate de
fe aUi'viar , e viver paraque tâmberíi viva-
mos os creades de V. Senhoria , e parti-
cularmente efte, que tanto ama a V. Se-
nhoria , e tanto fente que V. Senhoria te-
nha occafioens de difgofto. Guarde Deos
a V. Senhoria muitos annos como dezejo
€ havemos mifter, Villa Franca 8 de De-
zembro de id(Í4i
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
M
CAR-
^i6 .kMYEm A K TAS'
í^n/j'
.íííbiio
'^:0>Âòdr/go de MemzeSé,
ENHOR : Volta hoje o Sol para nôs ,
e com fõftfo tao bdnigno , que eípero
fe facilitem os caminhos aos corre-»
yos com que me na5 faltem , como nefte
as novas de V. íSenhõriá , em cuja eípe-<
rança fe paíTa com allivio parte da fema^
na; ^ e com dobradO; tormento o refto del-
ia , e da feguinte, atè que cheguem. Bem
creyo que as auzencias de V. Senhoria tam-
bém coacorrem a effe derencontro" , mas
pois aflim o permite Deos e o aconfelhaÕ
os tempos , eu me componho com a
parte de paciência que me cabe , e peço
ao meímo Senhor , <^<>ínponha o que elle
fabe que o hà mifter , de maneira, que fora
e dentro haja tanta paz , e focego quanta
para feo mefmo ferviço he neceffaria. Em
grande fufpenfaõ tem pofto a todos efte
portentofo Cometa , que na grandeza tenho
por
DO P.: ANTÓNIO VIEYRA. tir
por naõ inferior ao de i<^i8 eomcfmo jul-
ga o Doutor Samfins que o vio em idade
que podia fazer melhor juizo delle que eu.
Os livros naõ pronofticaõ coufas de gof-
^ , efe forem contra Caftiella , como feeft
£?era , naõ deixarão de fer em utilidade noP-
íâ« A vida delRey Felippe tem contraíl
todas as leys da natureza, c o Cometa ver-
dadeiramente he funefto e funeral. Mas ne-
nhum mortal daquelles a quem ameaçao
cilas vozes do Ce© , fe deve ter por fegura
na terra , e fora muy bom que a todos íè
lhe fizera efta lembrança. V. Senhoria me.
fará grande mercê dizerme os juizos que li
íè fazem • o que eu fó poíTo dizer a V. Se-
nhoria he , que h^í dias que efte portfento
li^s tardava a niinkpã alguns amigos da
Jiiefma opinião, e elperanças, porque fen-
do eílas.taõ grandes e taõ fataes , parecia
coufa âlhea: da ordinária Providencia de
Deosrhos caíbs em que houve mudanças
notáveis no mundo , naõ prevenir , e a-
moeftar ao meímo mundo com os prenum-
efes delias.^ ^ paraque ninguern o poílá ntff
gar por Author de todasL A íxcâlaõ) eciric
cunítancia do tempo he a mais precizaque'
Tom, L Ee fe
fe podia imaginar nem dezejafl|iÍ0'âs no-í
vas que vem de Alemtejo de prevénçoens
extraordinárias do inimigo, parece que con-»
cordão coffl efte farol do Cèó; A mais fe-^
gUra refòluçaÕ he pôr os olhos nelle , d
procurar tello muy propicio , porque dela
Iiadé "vir a boa , ou má fentença aos que
fbf^m 'dignos 'delia. E finto grandemente
naõ thi nos ânimos defta banda mais com-
m<3ç'aõr"^que ada curiofidade , e lá pòdefer
que íeja o mefmo ; como fe Deos houveíTe
dé acender no Ceo ocio-famente hum cotM
po fcaô prodigíofo, ou produfiUo denovo^t
como outros querem ; porque fe averiguou
que ò de i^i8. tinha trezentas e oitenta
mil legoas de comprido , que he coufa que?
excede toda a admiração , mas ainda hao
áe fer mayores as que efte anuncia. Eu con-
feíTo a V. Senhoria que a minha fè fe con-
£rma muito còm efte teftemunho taÕ claro
áe Deòs y e tomara valer alguma coufa coríi
íiia Divina Mageftade , e que feos fcrvos ,
pois- tem tantos , applacáraõ fua jufta ira,
que Êmpre deve defcarregaríbbre grande
parte Ja (Chrtftandade. Guarde Veos a V,:^
Senhoxia muitos annos^ como dezejo e ha-^
vemos
DO P, ANTÓNIO VIEYRA. tt^
vemos mifter. Caimbrâ tr de Dezembro
de t66^. -
Gapellaõ e menor Servidor^ efe '^i
Seíihoíia. r-
António Vidyta*
'l.- S^ti.X ».». .5 1
CARTA L,
^ 13. WEB
ENHOR : Dezejo a V, Senhoria e
ao Senhor, Marquês que Deos guar--
de, taõ alegres princípios de anno, eo-;
mo foraõ para mim as feftas com o favor
de duas cartas de V. Senhoria no meyo de:
tantas occupaçoèns , mas nunca V. Senhor
ria tem impedimento para multiplicar a
mercê que me faz ^ porque beijo mil vezes
a maÕ a V.. Senhoria. ygxjfn , ijrabíii
Bem me parecia a mim que naõ íiatia*
faltar entre tantas opinioens ^ quem deíTe o ■
Ee ij feo
fw^ígmo-^atw a cadeira: ao^oppo&dr téco-^
mendado deV. Senhoria, e fobre fo con>^-,
forme aos Eílatutos da Univerfidade a in-
^elli^çicj^ daquelle tpctQvjtern por fr o ap-
plaufb geral de todos j oqiie; a mim me
fatisfaz muito he a informação de V. Se-
nhoria, guefenipre^tenlxo por muy verda-
deira* ^,^:è'(í^ nterífedâ^ ainda que V.
Senhoria confeíTe a affeiçao do fugeito :
admirome de ver quantos afFeiçoados tem
de perto, e de longe. OReytordizem que
naÕ hádé vagar as cadeiras fenaÕ no fim
do anno , enta5 veremos que lortq tem ,
porque a pode ter muito grande ferrl oíFen-*
ia de nenhum dos oppofitores.
Já diffe âV. Senhoria quando em Coim-
bra fe começou a obfervar , ou a ver oCo-
Bieta ( porque naõ há quem o poíTa obfer-
var em toda efta Univerfidade ) pagando
ElRey huma Cadeira de Mathematica 5 e fe.
V. Senhoria me na5 mandara dizer o lu^
gar doCeoonde fahe, ainda cá o naõfou^^
Déramos. A figura em toda a parte he a
jncfma , mas a cor naõ o parece, ferápe-f;
la diíFércnça dos ares , e dos vapores ,* athè-'
gora fe nos reprezentou fempre pallido y ' e
u;i funeíto.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 22,1
funefto;$anfins fe refolve em que he Saturni-
no, eque apnuncía enfermidades. O certo he
que fegundo o que dizem os profeíTores defta
arte fundados nos exemplos das hiílorias ,
fempre Deos coíluma ameaçar trabalhos e
caftigos com femelhantes finaes , e quan-
do menos fera muito útil que nos o inter-
pretemos affim 5 paraque o Ceo ache menos
que executar , é faça a emenda , o que ha-
via de fazer a juftiça. DeíTa Corte chegou
aqui hum Padre que nos contou hum gran-
de exemplo de hum amigo de V. Senho-
ria ^ que foy muy eftimado ,^e. louvado de
todos. -.jrA ^'-^-:*^ ri,
O Cometa de 1577. a que fe attribue a
perda delRey D. Sebaftiaõ , fegundo a con-
ta de V. Senhoria, fahio ou appareceo na
meímo dia que eíle, e naõ falta quem ache
grandes myfterios neíla correfpondencia ,
que verdadeiramente he notável. Eu fiz
meò eftudo no cafo , naõ como Mathcr
matico y mas como marinheiro , que he o
mais a que fe eílende a minha arte , ou ex-
periência : è achey hum texto\l que pare-
ceo notável a algumas peíToas a quem o
coiiiiiiuiaiquey / e he de Ptolemeo no tex-
.:"-■■■ to
til \}IY:k: ar r as:^.oc
to 54 Cum hécc ofienta orientalia Jtint , ®*
folem antecedunt , & m oriente apparent yCe*
leriiatem eventus fecuturl ftgntfiçmt. E como
efte Cometa feja taõ propriamente orien-
tal 5 e appareça no mefmo ponto do Ori-
ente 5 onde nafce o Sol , e vá diante do mef-
mo Sol , e com curfo taõ , apreíTado , parece
fe ha verdade no texto , que naõ tardarão
muito feos eíFeitos , que he o que have-^
mos mifter , è o que promette a circunftan-
cia do tempo , e o concurfo de todas as
outras caufas.
Efta vay porvia do Padre Procurador
do Brazil , quç he mais aíTiftente no CoUe-
gio , que o Padre Reytor , e a elle pôde V.
Senhoria mandar entregar o livro do Ab-
bade Joaquim. A mercê que V. Senhoria
faz á noffaProvincia, pagara Deos a V. Se-
nhoria , e o mefmo Senhor guarde a V.
Senhoria muitos annos como dezejo e ha-
vemos mifter. Coin^bra 29 de Dezembro
de \664. ■ ■ ■'^■nr^Efrí ■
"X
tíapellaõ e menor Cueado de V , Se^hpriâ^
António VÍ#fa:
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 223
CARTA LI.
^ 2). Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Jà no correyo paííado fi-
gnifiquey aV. Senhoria o fentimen-
to daoccafiaõ, porque me havia fal-
tado carta de V. Senhoria , e pofto que
com a noticia que V. Senharia me faz mer-
cê neíla ultima , fica alliviado o cuydado do
perigo do mal , naõ he menor o em que
me deixa a diíEculdade com que fe admit-
tem os remédios, por cuja falta, de muko
leves principios fe vem a padecer grandes
danos. Terrivel penfaõ he viver da vida
alhea , e foberana obrigação confervar a
própria como a de todos. Por muitas par-
tes nos chega efta mefma queixa involta
no mefmo receo , que fó fe pôde eílimar
pelo que argue de amor e benevolência ge-
ral , que verdadeiramente fe experimenta
melhor ao longe , e he notável o exceíTo
com ^ue fe deixa conhecer.
O Cometa fc nos moftrou ainda quinta
feira
3114 C A R T A S
feira muko diminuído da cauda , depois o
encobrirão as ferraçoens, e perpetuas chu-
vas , com que os dias vaõ triftiflimos. Aos
13 qnaíi efpaço de vinte e quatro horas fe
cobrio tudo de neve altiílima, chovendo co-
piofamente no mefmo tempo , e ventando
for efpaço de quatro horas com tal fúria a
efpaços, que fe durara mais tempo ,ee0m
mayor continuação , nenhuma couza ficà^
ra em pe ; o eílrago nos olivaes , e em to-
do o género de arvores foy gratidiflímo , e
mayor nos montes , que nos valles , humas
arrancadas de todo , outras quebradas. Na
noffa quinta da Cheira vieraõ ao chaõ mais
de duzentos pinheiros , que faõ alli muy
grandes e fortes , e nefta cerca do Colle4
gio vinte e quatro cipreftes , e muitos mais
na de Santa Cruz. Queira Deos que naõ pafle
o caíligo dos corpos vegetativos às vidas
racionaes que faõ as que offendem. Gran-
de efcandalo he que ainda ameaçado^ os na5i
temamos, e grande barbaria que queira-
mos fer valentes contra o Ceo. Os juizos
dos Mathèraatí ços fempr e fe • conformaõ
jnais com o que obfervaõ na terra ^-rmas a
fua fcienciá que ainda naõ conhece a in-
fluencia
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. Z2j
Euencia daseftrellas que fe vem ha féis mil
annos, como hàde conhecer afignificaçaõ
de hum final que todos os dias tem varie-
dade , e mais he guiado pelos rumos da
Providencia, que pelos movimentos da na-
tureza. Eílas conjeóturas ameo verperten^
cem mais aos lidos nas hiftorias, que aos
obfervadores das eftrellas ^ para que le tirem
os efFeitos pelos exemplos , pois a primei-
ra cauza , e fiia juftiça he kmpre a meA
ma. Ifto he o que fe pratica nefta Univer-
(idade entre os mais entendidos , e timo-
ratos , e o Oppofitor amigo de V. Senho-
ria he o mayor fautor defta opinião ta»
Chriftãa , e efpero que feja com fruto pe-
la grande authoridade , que temem toda a
Efcpla.
Beijo a maõ a V. Senhoria pela fineza da
feparaçaõ daquelle quaterno , e pela do
aíFedo com que V. Senhoria intercede pe-
lo cefteiro. Bem pudera eu chamar obra
de mizericordia ao quererme V. Senhoria
libertar , naõ do defterro , fe naõ do frio
que com eftas neves vay infoportavel , fobrc
a experiência d'ellas , agora faz dous ân-
uos , me porem tantos mezes em huma ca-
Tom^ /, ff ma
ii6 CARTAS
ma , e me terem nella morto tantas vezes,,
mas naò he tanto o dezejo que tenho de-
me livrar defte clima , quanto o de paíTap
a algum fitio onde pudefTe ver , e ouvir a
V. Senhoria e fallar alguma couza fobre os
futuros , naõ fó da eternidade , fenaõ do
tempo ; mas eftes tem feos momentos , qu^e
Pater pofmt m fuapotefiate. Elle governe tu-
da, como for mayor gloria íua.
-l>iO Padre Joaõ Pimenta tem remetido»
livro , pofto que ainda naõ he chegado. Da^.
lhe grande cuydado hum negocio que terti-
do Rio de Janeiro no Tribunal de V. Se-.
nhoria , efpero que V. Senhoria me façài
nelle todo o favor poflivel , porque tàm-^
bem fou parte. Sempre eftou aos pes de
meo amo o Senhor Marques , cuja vida e
eftado,e o deV. Senhoria guarde eprofpe-
pere Deos como dezejo e havemos mifter.
Coimbra. 19 de Janeiro de 166^.
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
Ar í .
ntoilio "Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 227
CARTA LII.
ÁT^* Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Anda5 taõ retardados os
correyos que na5 he muito faltaffc
_ carta minha , havendo efcrito em to-
dos , e neftes últimos com mayor cuydado,
pelo em que V. Senhoria ficava : agora
dou as devidas graças a Dcos pela grande
mercê que nos fez em livrar tam breve-
mente delle a V. Senhoria , e a todos j ao
menos eu , ou pelo que amo , ou pelo que
.temo , nunca me perfuadi que V. Senhp-
cia pudeíTe fazer a jornada de Salvater-
ra , e mais em tempo taÓ rigorofo , mas z
Providencia Divina fabe muito bem quan-
do e onde hade aplicar a eípecialidade de
feos poderes. A do favor que V* Senhoria
me refere, he mayor que a capacidade que
eu tenho para o faber eftimar , e aflim co-
mo o creyo por fé , o venero com o mais
humilde e affeétíiofo filencio , mas he tal
a minha fortuna ^ que athè para naõ fer
2-1? ^ '.A:idCA'KT AS
ingrato me acho com as mãos atadas , íein
poder levantar apenna da Obra que tenho
avizado a V. Senhoria na qual há mayor
fegredo. _
Lembre-fe V. Senhoria de certo nego-
cio, em que eftando eu neíía terra me fez
mercê ò Senhor Marques de querer ter par-
te , e daqui infirirà V. Senhoria qual po-
de fcr a matéria , e inevitável o impedi-
mento. O tempo he com limitação , e os
tempos com diíFerença , e eu combatido
de todos os elementos , com falta de todo
o abrigo , em clima taõ contrario , e ini-
migo da vida como íèmpre experimentey ,
mas efta e outras muitas couzas que deze-
jara fallar com V. Senhoria, naõ faõ para
papel. Deos me dè paciência e a V. Se^
nhoria guarde muitos annos , como dezejo,
e havemos mifter. Coimbra, zdú de Janeiro
nno j
.:^
de i66j,
Capellaõ e menor Creado de v. '
, Senhoria,
António Vieyra.
CAR-
v^
DO P, ANTÓNIO VIEYRA. iip
CARTA LIII.
A T>. Rodrigo de Menezes,
ENHOR : Muito mal me vay com
a auzencia de V. Senhoria , porque
naõ fó tardaõ os correyos , mas ene-
gaÕ íêm carta , e tudo acrefcenta o cuyda-
do. Já nos livramos dos primeiros fuftos
<jtie foraÕ de tempeílades , naufrágios , e
outros dezaftres , agora nos tem em ííif-
penfaõ as fangrias de S. Mageftade , que
ainda fe naÕ averigua fe faõ efíeitos da mon-
taria , ou de doença. Bem pudera ( Dcos
o guarde ) dezeílimar menos a faude , e
arrifcar menos a vida , pois vivem tantos
Hella. Por cà fe falia em morte do Papa, e
delRey Phelipe, ambas por via de Caftella ,
e por iffo dignas de menos credito , fe af-
íim fofle jà o Cometa, como diziaõ os an-
tigos, fe tinha expiado 5 os efíeitos que tem
cauzado nos elementos , faÕ violentiííimos ,
ainda hum dia deftes deo a cofta com hum
fíavio do Para , de que efcaparaõ alguns
■^.IC^Sr ho-
^
i
130 " CARTAS
homens , e ainda faõ mais laftímofas as
novas que daõ daquella gentilidade , onde
a juftiça de Deos Ibbre os Portuguezes , c
a juftiça dos Portuguezes fobre os mifera-
veis índios, parece que competem. Kaõ fa5
boas as difpofiçoens para Deos nos fazer
as mercês que efperamos , e dar vidorias
aos que ta5 mal defendem fua cauza: me-
lhores fa5 as novas que fe mandão de Al-
•dagalega , e feaffirmao por certas. V. Se-
nhoria, pois eftâ da, parte de Alemtejo , fe
íírva de me dizer , o que heide crer nefte
accidente , que na luftancia da fé , naõ
hey mifter inftruido. Guarde Deõs aV. Se?
Tihoria muitos annos como dezejo e have-
mos mifter. Coimbra 3 de Fevereiro de 166 f^
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA 23 1
CARTA LIV.
AT). Rodrigo de Menezes.
ENHOR: Muitos dias havia me fal-
tavaó novas de V. Senhoria , mas ho-
_ je 15 de Fevereyro recebo huma de
V. Senhoria , efcrita em 16 : tempo em que
pudera vir de Itália , e ainda de mais lon-
ge : mas como Y. Senhoria pafle com a
feude que dezejo ; ècom o goílo que con-
fidero, os inconvenientes da diílancia , e
do tempo todos tem reílauraçaõ , como eu
experimento fempre que V. Senhoria me
faz ínerce de carta fua. Os exceíTos deftas
invernadas tudo trazem defcompoíto, quei-
ra Deos que o Cometa naõ defcomponha
mais que os elementos , como muito temem
os médicos defta Univerfidade : elle hà dias
que defappareceo defta banda , mas por
hum Navio do Para que aqui deo à cofta ,
foubemos como là fora vifto aos 1 1 de No-
vembro, que he hum mez antes do que ci
apparecelie, ou fe advertio nelle. O prog^
noftico
iji C A R T A S
noftico que V. Senhoria me fez mercê man-
dar, diz oquediziamos. Deos fó fabe o que
quer fignificar-nos com elle , c os effeitos
no lo diraõ , pofto que fora bom eftar pre-
venidos para todos. Eu pafley eftes oyto
dias em exercicios , que foy a cauza de na5
efcrever o correyo paílado, mas feymetaõ
mal aproveitar do conhecimento que Deos
nelles coftuma dar, que temo que feja pa-
ra mayor confuzaõ : as cartas de v. Se-
nhoria ma cauzaÕ muy grande fempre , e
me parece que as montarias de V. Senho-
ria Ía5 como as de S. Francifco de Borja ,
de que também fe podem aproveitar os com-
panheiros. Beijo a maõ a V. Senhoria pe-
los Fragmentos de Santo Ifidoro : também
me chegou quaíi no mefmo tempo o livro
do Abbade Joaquim , que eftimey quanto
na5 fey encarecer a V. Senhoria , porque
vem no mefmo volume obras varias de ou-
tros Authores daquelle tempo , que eu ti-
nha curiofidade de ver , e por naõ me pa-
recer que fe podiaÕ achar, deixava de fazer
diligencia por ellas. Corre que osCaftelha-
mos naõ fazem campanha , efe daõ ascau-
zas : nem huma , nem outra couza creya
athe
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. 235
àtlie V. Senhoria mo naÕ dizer. Ao Se-
nhor Marques meo amo beijo a maõ. E
Deos me guarde a V. Senhoria muitos an-
nos como dezejo e havemos mifter. Coim-
bra ij de Fevereiro de 166 j.
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra.
CA
^ Z). Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Com todo o coração fin-
to que V. Senhoria paíTe com acha-
ques j mas pois elles fe aggravaraõ
com a incommodidade de Salvaterra , eí-
pero que com a mudança e melhoria do
lugar tenhaÕ remitido de todo , e V. Se-
nhoria efteja reftituido à inteira faude que
dezejo a V. Senhoria e anoíTo Senhor pe-
Tom. /, Gg ço
%y4 '^"^ R T A S :
ço fempre em todas as minhas oraçoens e
facrificios. Também confidero outras con-
veniências em V. Senhoria antecipar a vin-
da de S. Mageftade , que a tudo da motivo
efte mào mundoem que vivemos. Eu paílo
como permite origor do tempo , efcarrando
vermelho, que naò he boa tinta para quem
eftâ com a penna na maÕ , mas a tudo
obriga na5 lo o gofto , fenaõ também a
neceíTidade. Ifto he o que fignifiquey a V,
Senhoria, de cujo favor e do Senhor Mar-
quês y que Deos guarde , me valerey quando
a verdade fe naò poffa defender por íi mef-
ma : mas á matéria fendo para muito pa-
pel, na5 he para efte. Athe a efperança fe
nos tolhe que he o ultimo allivio que nin-
guém tirou na mais trifte fortuna aos mais
defafortunados. V. Senhoria pela mercê
que me faz , naò tome pena pelo que digo,
<:|ue o meo coração he muito grande , e
muito coftumado a navegar com grandes
tormentas , e fó me falta nefta o allivio da
communicaçaõ de V. Senhoria , que de tu-
do o mais me rio , e verdadeiramente he pa-
ra rir. Bem apropofito da tormenta vinha,
agora o Senhor Santelmo. Dizia o noíTo
Prin-
~ DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 235
Princepe que naõ havia peor gente que os
femidoutos , ( e ainda faõ peores fem boa
'Tontade ) Deos fabe o que faz ^ e porque,-
e para que. Se eu pudera tomar as liçoens
que V. Senhoria me da com o feo exem-
plo da conformidade com a vontade Divi-
na, nenhuma coufa me faltava, mas ainda
4^ue na5 chego a padecer com alegria, fof-
fro com paciência , e he tal o coftume que
pôde parecer conftancia. Também ifto pô-
%le fer Cometa dos que V. Senhoria diz fe
vem todos os dias , o noíTo fe vio ainda
-menos ha de quinze , e hontem falley com
outro Religioío mathematico , dos que efca-
paraõ do naufrágio do navio do Maranhão,
<me me diíTe fora viílo , naõ fó no mar aos
12 de Novembro , como avizey a V. Se-
nhoria, mas muitos dias antes em terra , e
que era lá muy vermelho , e afogueado ao
principio , e que logo diflera hum Padre
Alemão que anda naquella MiíTaõ, bom ma-
therÃatico , que era univerfal. Se appare*
cerem cartas dos Padres de que tenho al-
gumas efper ancas , ellas diraõ com alguma
miudeza o que lá fe vio. De Caftella vie-
raõ ao Porto dous prognofticos , que mandey
Ggij pedir
23<í CARTAS
pedir , fe mos mandarem hiraõ a V. Senho-
ria. Dizem que efte Cometa he parecido em
tudo ao delRey Dom Sebaftíaõ , é que af-
íim como aquelle íignificou a fugeiçaõ de
Portugal a Felippe Segundo , aífim efte a Fe-
lippe Quarto. Mas o noíTo Mercúrio nos
fegura de todos eftes temores com o pouco
•medo que tem as prevençoens de Caftella.
Quererá Deos que affim feja. Pela mercê
que V. Senhoria faz ao Padre Procurador,
beijo mil vezes amaÔ aV. Senhoria. Guar-
de Deos a V. Senhoria muitos annos como
dezejo e havemos mifter. Coimbra 23 de
Fevereiro de 166^»
Capelkõ e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra^
CAR-
^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 237
CA
A T). Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Sinto que os achaques de
V. Senhoria fè hajaõ dilatado tan-
to tempo , mas os tempos naõ vaõ
^para menos , fe faõ em Lisboa , como em
Coimbra. Tal rigor , e tal variedade
nunca fevio. O noílo Doutor Sanfins te-
ine que os eíFeitos deftas cauzas , e da
celefte que as move fejaõ peores , e mais
.geraes , mas ao ccafiaõ que nos damos
ao Geo e aos elementos , he a que mais fe
deve temer como V. Senhoria teme. Bas-
tante inimigo era Caftella para querermos
ter a Deos da noíTa parte : terrivel couza
lera fe tivermos ambos eftes poderes con-
tra nos. Por cáfoa que fazem os Caftelha-
nos mayores esforços que nunca. Dos fa-
vores últimos , e das felicidades que Deos
tem <apparelhadas a Portugal ,eftoufempre
certo com amefma firmeza , mas antes del-
ias naõ fey fe nos quererá Deos purificar
'- -- com
23^ CARTAS^
com algum grande açoyte , pois nos o naõ
fazemos com a emenda.
Sobre aquelle particular torney a dizer
alguma couza a V. Senhoria nas ultimas
cartas , e procurey dallo mais a entendet
pelo que fe zela o fegredo deftas matérias.
Quando me feja neceííario o favor de V.
Senhoria , recorrerey a elle com a confiança
que V. Senhoria me merece. Ao Senhor
Marques que Deos guarde , beijo a màò : ef-
timarey me diga V. Senhoria quando par-
te para Alem-tejo , e com que fatisfaçaõ
dás aíTiftencias; em meos facrificios menaò
efqueço nunca de os fazer pela felicidade
de toda aCaza de V. Senhoria. Deos guar-
de a V. Senhoria muitos annos. Coimbra, z
de Março de 166^.
Capellaó e menor Creado de V.:
Senhoria,
António Vieyra.
CAR^
DO Pr ANTÓNIO VlEYílA.
CARTA LVII.
yíT>. Rodriío de Menezes.
oj-ff:
ENHOR : Muito eftimo fempre as
novas de V. Senhoria , e defta ves
_ ellimey também como já dilTe o acha-
.que pela occafiaõ em que veio , e pelo íufto
de que me livrou,por razaõ das novas que por
eita banda corriaõ, que naõ fey como o meo
coração fe havia de acomodar com efcrever
a V. Senhoria de Março a Março , quando as
monçoens do correyo de cada femana me
parece tardaõ tanto. Jâ agora fevaõ pondo
mais em ordem , mas a primavera naõ a-
caba de chegar : eftes faõ os effeitos Satur-
ninos que caufa o Cometa, e também naõ
taltao os de Marte. Fica prezo Salvador
Corrêa por hum defafio,e António de Sal-
danha pelo haver apadrinhado , havendo fi-
^o eita pendência eíFeito de outra mais pu-
blica. Roque Monteiro também ellâ prezo
por
i
^^o CARTAS
por outra valentia. NaÒ fey fe prognoftíca
iílo , ou aconíellia que atliè os eftudantes ,
e Clérigos devem tomar as armas , e aíTim
erá bem que foíTe , e que ninguém trataííe
de outra coufa , fe he verdade como íe el-
creve , que o inimigo faz dous exércitos ,
e que 'Marcim paffa a governar o de Ga-
liza, ficando Carracena em Alem-tejo. Li-
vre-nos Deos do terceiro , que he o que eu
mais temo, e por parte donde fe teme me-
nos. Vi o Prognoftico de JoaÕ Nunes da
Cunha em que refponde ao de Caftellá ^
que fe promete eíle anno a reftauraçao
de Portugal: elle diz que as vidoriashao-
de fer noffas , os perigos em Veneza , e
: Conftantinopla , e as doenças graves com
pericTo de contagio em toda Efpanha : bom
he hir para a índia em tal tempo mas
Deos heSenbor dos tempos Bom fora pa-
ra tudo fe tomaíTe o confelho de V. Se-
nhoria , e que fizeffemos muito todos por
merecer as mizericordias , e naÕ provocar
os cafticros. Guarde Deos a V. Senhoria mui-
tos anãos como dezejo e havemos miiter,
e a meo amo o Senhor Marques aè osluc-
ceiíos que eu dezejo epeço em meos íacn-
■*• JICIOS*
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 241
ficios. Coimbra p de Março de i(Jdj. ^
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria. -^n£d.<jmí;K
António Vieyra^^^^^S
■ !lâ-
?;íf;'fri'
CARTA LVIII
yfZ). Rodrigo de.Meneg^s,„
ENHOR : Eftou de correyo para o
Maranhão , e nem por iíío tenho
muito que efcrever , porque as car-
tas de là comeoas o mar , e as de cá na5
podem levar o allivio que os naufrágios, que
aquellas triftes Chriftandades padecem , ha-
viaõ mifter. Prenderaõ-fe os Paftores / e
foltaraõ-fe os Lobos , e na5 tem Chriílo
quem acuda pelo feo rebanho : naÕ pôde
haver mayor laílima , que eftando eu há
ires annos em Portugal , me tenhaõ em par-
te,onde naõ poíTo fallar , e em eftado que
^^^ftá Hh me
t42^ .A,;!YHC/'A:R T A.-S..'' '■-'^
me naoqueiraõ ouvir. Como me temo da-
quella fentença : JAneam fuam locahit alils
agricoM Se eu efearrara vermelho , e me dei-
xarão fallar claro , dera por bem empre-
gado o fangue que tantas vezes arrifquey
por efta cauza,E com tudo ifto efperamos que
Deos^ nos faça mercês. Seja fua paciência,
bemdita que tanto foffre. Mas diz elle , e
mais fallando dos noíTos tempos : F^ qui
prdeâàésimmc ipfe pradaherh} Em occafia5
eftamos que tudo pôde fucceder. Bem ha-
via5 eftas tempeftades mifter os milagres
de Santelmo, mas quem accende os Come-
tas he aquelle Deos, aquém os Santos na5
rogaõ , quando quer o que quer , ou per-
mitte o que naõ quizera.
O cazo do Sermaõ he muito digno do
reparo que V. Senhoria faz 5 elle fe pedio^
com grandes inftancias , e por diverfas vias,
e ha oyto mezes que fe refifte efta profia,
athè que finalmente naõ houve outro re-
médio pelas caufas , e confideraçoens que
V. Senhoria ouvirá algum dia. Foy em fe-
gredo , mas no mefmo dia , fegundo efte a-
vizo de V. Senhoria , devia de fe romper ,
que fó as gavetas de V. Senhoria o fabem
euar-
o
DOP. ANTÓNIO VIEYRA. 245
guardar: por efta fineza beijo mil vezes os
pês de y. Senhoria, e peço a V. Senhoria
feja fervido de que ella fc continue namefr
jna fórma, porque pareça fingulareilemeo
obfequio, ou violência: Os myfterios, que en-
cerra efte appetite, naõ os entendo, e naõ
paraõ fó nos Sermoens : por todos os mo-
dos me querem Ijer , os quQ me naõ que-
rem ouvir, e osmediadore,$ defte trato, me
aíleguraõ delle as confequencias , que V.
Senhoria pôde confiderar , e como me im-
porta tanto fer ouvido naquelle negocio de
mayor cuydado , à tudo me vou fugeitando,
e tenho fugeito. O mayor fentimento meo,
he que pofla alguém ler coufa minha, ain-
da que fejaõ fó duas félhas de papel , fem
V. Senhoria a aprovar primeiro ; mas to-
das eftas violências fe podem foíFrer pelo
intereíTe de me poder ver aos pês de V. Se-
nhoria, que he a minha mayor anci^. A
Obra fevay jâ copiando quanto ao primei-
ro tomo , que eu quizera fe naõ retardara
muito , mas a matéria tem em Portugal as^
diíEculdades ,que experimentaõ outras me-
nos -novas , e para tudo era neceíTaria a
prezença. Nefte correyo efpero alguma re-
Hh ij foluçaõ,
244 "^^^^^ CARTAS
foluçaõ , ou noticia do que fe pôde efpe-
rar , de que farey logo avizo a V. Senho-
ria. Ao Marquês meo amo 5 eaV. Senhoria
beijo a maõ mil vezes,e Deos me guarde a V.
Senhoria muitos annos como dezejo. Co-
imbra 16 de Março de 166 <y,
Capelkõ e menor Creado de V.
Senhoria.
". AfliíOttiQ Vieyra. ,^,
%>.Rodrig() deMemz.es.
V' ,!iU
'10 1:.
;l:ENHOR' : Nao poílb deixar de me
admirar com V. Senhoria da varie^
,,_, dade do tempo, a qual nefte mefmo
dia: tem fido tal, que amanhecendo^ muito
elaro,eftâ a tarde com tal cerração^ , que
parece noyte fechada : fortiíTimas fa5 as in-*
fluencias daquelle metheoro 5 e a mais du-^
ra
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 14^
íà, de todas , he a que V. Senhoria confi-
d^ra na dureza dos coraçoens , nos quaes
vejo os mefmos eíFeitos , fem haver quem
fe lembre de que Deos nos pôde caíligar ,
nem ainda aquelles , que tem por oíEcio fa-
zer eftas lembranças. Hontem fe me efte-
ve queixando Sanfins dos Pregadores , aos
quaes fe naõ ouve palavra , que fe conforme
com as ameaças do Ceo , devendo fer as fuás
vozes o pregão daquelle açoyte : todo o
meo temor he que antes das efperadas feli-
cidades dê Deos alguma grande fatisfaçaò
á fua juftiça. Se o Papel he de Carr acena,
clle bem tem pofto o ponto , mas ha mif-
ter muita pólvora para ta5 grande tiro.
Quanto folgara agora Lisboa de fe ver for-
tificada! O peor que tem /he a ííia mefma
fama , porque huma vez que o inimigo le
delibere aefla empreza, medindo as forças
com a opinia5 , neceíTariamente haÕdefer
muy fuperiores ao que conhecemos os de
caza. Como temo que a Babylonia Euro-
pea , feja Babylonia na confuzaõ , nao o
fendo nos muros y inenicifirds defeníbres; f
mas bafta fello nos peccádos^iVg Senhoria!,
aplicará a íemelhança do texto ao demais,
' ', que
Z4Ó CARTAS
que eu naò digo. Deos nos dê a utiuo que
V. Senhoria dezeja nos pequenos , nos Gran-
des , e nos Mayores.
A'cerca do Papel que V. Senhoria vio
naquella ma5, tenho já dado a V. Senho-
ria as noticias , mas nunca poderey expli-
car o fentimento , que tenho defta violência,
que tem fido a mais profiada , que fe pôde
imaginar, e como fe pedio para hum fini,
que fey V. Senhoria muito dezeja, fuppus
que V. Senhoria haveria por bem , que eu
cortaíTe efte pequeno retalho da peça, pa-
ra que o principal comprador julgaíTe fe
lhe fervia , ou o fervia. Por efta caufa fiz
eleição daquellesCapitulos,mais capazes por
foa matéria , da aceitação de S. Mageftade ,
ainda que a Obra toda vem a fer fua , mas
as outras partes delia neceífitaõ de fé , e
para eftabafl:a5 os olhos : fe por eftemeyo
fe confeguir que a impreíTaô fè và fazer onde
V, Senhoria emende as erratas, efcuzarme-
hà o trabalho de mandar em pedaços to-
do o livro, em que naõ quero que haj^ pa-
lavra, que V.' Senhoria naõ aprove primei-
ro ; dando-me efta confiança a mercê cjue
y. 'senhoria me faz, mas fe naõbaftarefte
obfequio
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 147
obfequio para que fe conceda ( pofto que na5
fe pede ) a mudança de lugar j tenho por
certo que morreijáõ os trabalhos , e íe íe-
pultaràõ antes dènaçidos, porque para fa-
íiirem a luz/tem adifficuldadeyque jà re-
prezentey a V. Senhoria , que ío fe pode-
rá vencer com a prezença , e ainda com a
authoridade Real , que he também hum
dos fins, por onde me pareceo aceitável a
abertura defte caminho.
Sobre Efdras tenho eu algum penfamen-
eo , que terey por verdadeiro , em quanto
naõ vir outro que melhor acertaííe, eaíTim
eftimarey muito que V. Senhoria me par-
ticipe o novo Comento.
lA meo amo o Senhor Marques dezejo
toda a felicidade , o anno e as promeíTas
dejle faò muito para Deos as metter nas
mãos de S. Excellencia. Eu o peço aíTim ao
mefmo Senhor em todos meos facrifícios ,
e que me guarde a PeíToa de V. Senhoria
eomo dezejo e havemos mifter. Coimbra
23 de Março de 166^.
Capellaõ e meapr creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CAR-
>>»3^'
CA R T A S
CARTA LX.
A T). Rodrigo de Menezes^
ENHOR : Por via do Padre Joaõ Pi-
menta procurey fe dèíTe conta a V. Set
\^ nlioria da caufa porq faltey com carta:
eu fenti a doença dia de Ramos ; os Médicos
diffimularaõ os remédios athè dia de Pafcoa ,
e de entaõ para cà continuaõ as fangrias dos
pês c5 outros martyrios. Faltoume o Doutor
Sanfins por morte de fua mulher. Outro me-*
dico q nos cura , que na5 he de grande fama^,'
entende que o mal,pofl:o que dê moleftia,na5
fera de perigo^mas depois que eftou na cama,
morrerão nefta enfermaria dous, eeftâpara
morrer terceiro ;de doenças muito breves , e
fa5 mais fó os meos annos q os de todos três ^
os tempos va5 terriyeis , e o Cometa ,ou feja
outro, ouo mefmo ( como fe cuyda ) naõ dei-
xa de ameaçar. Eftimo eu muito que V. Se*
nhoria,e meo amo o Senhor Marques, pâífem
com afaude que havemos mifter. À Primave-
ra fe apreçou afeccar a campanha mais doó
DO P. ANTONÍÔ VÍEYRA. 14^
fè cuydava , e fe os apreftos do inimigo , co-
mo por cà íba ^ forem tamBem maritimos ,
naõ leme daria a mim nada que S. Excellen-
cia fe detiveíTe muito em Lisboa e os aloja
mentos do Exercito foíTem nos arredores dèl^
la, de huma e outra parte do Tejo, com que a
cabeça do Gigante, e todos os lugares de ma-
yor perigo ficavaõ feguros, e quando o ini-
migo tiveffe outro intento, parece fe podia
acudir dali taõ promptamente,comode qual-
quer outra parte. Perdoe V. Senhoria efte
delirio , que lie de quem já começa a fentir os
princípios do crecimento. Das negociâçoens
da embaixada de Inglaterra , e França , nem
Embaixador tenho noticia alguma, nem o
cftranho , porque os tempos naõ faõ fempre
©s mefmos,fó ouço por varias vias,que alguns
dôs deípofados fe naõ contetaõ muito do cõ-
tratado , ou do ofFerecido , que também naõ
fey debaixo de qual deftes nomes fe encobrem
m myfterios delle fegredo. Deos nos efcolha
em tudo o melhor, e a V. Senhoria guarde
(muitos annos,como dezejo e havemos mifter.
Coimbra 13 de Abril de i(3^5r.
Gapellaõ e menor creado de V. Senhoria;'
,.<' António Vieyra.
4^7im. L li CAR-
^r
iyo
CA RT á S
CA R T^ 4
SENHOR ;MuHoçftÍmí>tquéíl^bS^
nhoria haja paflado com bem o trabaj
lho da Semana fanta , e fe elle foy ta5
glpande ;í;omo íe çfcrev^ por mmí as vias ^ at
indahe mais para eftimar, e íeriaõ as Paícoá^
verdadeiramente taÕ alegres como eu as d€:j
íz€JeyaV.Senhoria. ^%
l As:miaha3GotitÍOTap>Gomo começarão 5í»
í^ntem % Qj di^ ^ji ^a doença,e hoje na5ii€
ainda o primeiro dainelhoria.Eíperambs por,
Sanfins para fe refolver o modo que Ç?>hm^
tomar na cura. Na5 era por certo eíle o temr!^
po em que eu menos houveffede íentir o ver-
me aíTim impedido , mas he bem que fe faça a
vontade de Deos e naô a noíTa. As doenças,
vaõ picaíwia,e fa^endo-íe malignas. Conler->
veDèos a V. Senhoria âfaudeque havemos
mifter, que nas que importaõ taô pouco , me-?
nos he ainda o que fe perde. Verdadeiramen-;
te que naõ eraõ eftes annps.emque entramos,
. para
DO ?.m^fòmú vtTíKA. ^i
para morrer. Hontem aíErmou hum Cónego
defta Sé ^Manoel dos Reys de Carvalho, q na
vefpera do dia em 4 o Cometa voltou à cau-
da para o Oriente , o vira elle, e toda a fua fa-
milia correr com grande prefla para o lugar
onde eftava a Lua , e metter a cauda pelo me-
yo dellâV è quê efte taõ extraordinário mov i-
metito fora taõ apreííado , e íenfivel , que o
diftinguiaõ e notava5 claramente os olhos.
Dizem-me que he peflba digna de toda a fé.
De Lisboa fe elcreveo nefte correyo chegara
por via de Italia^que o iTurcò tinha quebrado
a tr egoa , fe he verdade , tudo fàõ difpofições
jnuito próximas do § fòeípera* Guarde Deos
â V* Senhoria muitos anhòs^ como dézejo;
CJbimbra i6 de Abril de z66p^^^mpptt^^ié
Cápèllaõ e menor Servidor dc^ ¥^
Senhoria. *.ía^í: - i
''^ ''■■-' ■ ■ -rrirm ,;; .;.
AntoniQ Yieyra.
- Pt ..n
■>t|
liy
CAR-
íê.^
;'i,:'i
ítp
C'A^Wf%:ííLS
uu
'/V' ) fí-
C4RTA LX
^ 7>. Rodrm de Menez.es, i
ENHOR; iAinda naô poílo dar a "K
Senhoria taõ boá5 novas, como creyo
^^^^ ' , y. Senhoria dezejadefta minha terri?
vel peníaõ, que todos os annos pago a Coini-
bra; Mas agora fe aparta daqui o Doutor
Sai^fins , e i^íaffif m<^^ue eftava íem febrec}
poftp que efta nòy te ;náQ faltou o epfturnada
creeimento y masa mim me bafta quenaSíeef
|a habitual, quç h^íp que mais temo, pelo ha^i
bito em que eíÍA .rfbe iCoHegio de degenera-*
rem nelle as febres em phtizicas,e ethicas.VJ
Senhoria me énfiná ame conformar em tudo
com a vontade de Deos, e airjm pfocuro de o
tazer.
Muito eftimey ouvir da boca de V. Senho-
ria o aponte db Sermão dá Semana fanta , e a
repofta de V. Senhoria à propofta delle. Em-^
fim o juizo de V. Senhoria fempre , e em tu-
do he o mefmo , aflím o tivera Portugal pôr
Piloto em todas as fuás tempeftades.
Gran^
DO P. ANTÓNIO VIEYRa: 255
Grandes prodígios fe referem de perto , e
delònge. De Melgaço vi carta de hum notá-
vel metHeoro, que correndo da parte de Va-
lença do Minho^e durando por muito efpaço,
fe desfez fobre Galiza em rayos , e coriícos :
era de figura de huma efpada de cor verde , q-
amarella , que fali ia de duas pequenas nu-
vens, huma branca,e outra vermelha^e com a
mefma figura foy vifto em outras partes. No
Collegio dos Thomariílas defta Cidade fe vio
depois demeya noyte hum globo de fogo que
nacia na parte do Suefte,e fubia por eípaço de
duas ou três horas athè fe desfazer , e conti-
nuou algumas noytes. Em Guimaraens vo-
mitou hum homem enfermo hum dragão c5
duas azas de com.primento quafi de hum co-
vado , da cabeça athe o meyo largo de dous
dedos, vermelho eefcuro, do meyo para a
cauda knais delgado , e de cor parda. De Ro-
sna feefcreve houve três dias de névoas ta5
cípéíTaS','^ èícúras que fe naõ via5 os homens,
nem os c dificios , e que as trevas eraõ palpá-
veis como as do Egypto. Tudo faõ finaes^e
píodigiós que íblenizaõ asvefJ3eras doannò
fatal, porxujasinaravilhas nenhum hà jà taõ
incredulp ^que nao efpere. iEípero eu que a
*^'-'^ Peííba
ai4 ' ^^■'C^^s^m^^wsM^^'^ :
PeíToa de V. Senhoria, e do Senhor Marquês
-que Deos guarde hade caber huma grande
^i^te das jfehcidades,€omoinftnim etos may
principaes das do noíTo Reyno,pâra que Deos
tem guardado a Coroa de todos. Sua Divina
MagÊftade,e miféricordia fe efqueça denoflbs
peccados , e no-las deixe Yer:^^ a í^ Sen&o^
ria guarde Deos muitos annos,GomO dezejo^
tavemos mifter. Coimbra 4 de:;^MaçoMdi
^peiia;o e menor
Senhoria.
y^iEid^íte^cArxBiq Antonao :■ ¥ieyra^
^ j BSIHOR : Na5 podia V. Senhoria ter
ma^is certas novas do eftado de mitlha
^^_^ faude^ 4 a f^l^^ ^^ as haver procurado
de V. Senhoria nos dous Correyos paíTados,
Mas
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. lyy
Mas hontem foy Deos fervido, que o Doutor
Sanfins me achaíTe livre da febre , com que
TOS perjfuâdirnoa íer intermitente , e naõ ha-
bitual ,quíibe o que mais le teme nefta Cida*
de,eGollegio,ondeaethica,e a phtizicapare*
çj^q^tem feitooíeo aílento. Naõ ceííao com
É^do os crèdnientos de todos os dias,para cu-
jo remédio, depois de experimentados todos
os outros,fe me receitaõ agora os ares de Vil-
la franca. Deos , com cuja vontade me deze-
jo conformar fempre, naõ depende de luga-
res : elle fará o que for fervido • e fe me con-
fervar a vida para ver chegar a Europa as vi-
toriozas bandeiras do Oriente, naõ ferey eu o
que com meíior afíedo ,éáplauíb celebrarey
fempre os triunfos de V. Senhoria.Antes dei-
les nos tem em grande fufpenfaõ os íucceíTos
da guerra deíle anno, para cuja operação a-
inda em Mayò naõ eftaõ eleitos os Cabos ,
pofto que ha dias continuaõ as levas^ mas to-
das.por efta parte de mininos, que mais pare-
cem vitimas deHerodes,quedefenfores de
Portugal. Das prevençoens de baftitent^s ti-
rados dos Affentiftashe tal a opinião defte
anno, conió foraõ asèxperiencias dopaíTado.
FraAça..iipi|f 0j fo^^^roda fó c-Qm ;os Cazar
ttIC >• ' mentos
^^6 C A R T AS
mentos, de que também fe efcreve de Lisboa
o que V. Senhoria me diz, mas honté chegou
nova ( naõ fey fe he certa ) de que temos no-
vos provimentos , ou nomeaça5 de Bifpados,
fobre que V. Senhoria fará o difcurfo que eu
naõ fey entender. Os prodigios continuaõ , e
nao faõ menores os de Roma, donde fe efcre-
ve houve três dias de trevas palpáveis , como
^s do Egypto , com o q o Ceo,e a terra parece
começaõ a folenizar as vefperas,e expedaçaô
do anno de 66. As novas de Caftella faõ ta5
varias , q humas nos promettem muita guer-^
ra, outras nenhúa. V. Senhoria me fará mer-
cê dizer , como fempre , o c\ devo crer,e tam-
bém folgarey faber feeftas duas Nãos deln-^^
glaterra^unidas em huma^que dizem entrara
neííe Porto , faõ na forma que de lâ fe pintaõ,
e fe paíTa hum barco por entre os cortados de
dentro , e em que parte tem os maílos , e
quantos faõ , e com quantos lemes fe gover-
na. Deos nos dê hu taõ feguro,e com taõ bons
Pilotos, como havemos mifter, e guarde a V.
Senhoria muitos annos, como dezejo. Coim-
bra (5 de May o de i<^6j.
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. í j/
CARTA LXIV.
i^ 2)* Rodrigo de Menezes.
ENHOR : As melhores receitas para
mim fa5 fempre as cartas <de V.Senho-
ria , pois fó nellas acho certo o allivio,
e em todas as outras athè agora tenho expe-
rimentado taÕ pouco remedio^que com cada
hum dos que me aplicaõ / crece , e empeora
o mal, e efte he o eftado em que fico, quafi cõ
jo dias de cama. Começou a doença dia de
Ramos embumacezaõ declarada, edefpois
ficou em huma terçam notha com os creci-
mentos nodurnos, que por naõ ferem reco-
nhecidos dos médicos , e as agoas moílrarem
cozimento, me deixarão paííar oyto dias fem
applicar remédio. Ao cabo delles , foy o pri-
meiro humas fanguiliigas , e porque efte naõ
aproveitou , me deraÒ quatro fangrias nos
pes, e no dia 14 huma purga, com que fe acre-
centou a febre, que ainda fenaÕ julgava por
continua : ao dia 18 fe applicou contra efta'
©utra fangria de pè ^ e nada mais athe o dia
^-Tom. L Kk %7 ^m
158 C A R T A S
27 em que houve nova purga fem melhoria.
Continuey defpois cõ huns xaropes de fran-
gaÕ y e raizes deoreticas j com que no dia 41
e no feguinte me deraõ duas fangrias nos bra-^
ços , havendo jâ muitos dias que a febre muy
conhecidamente naõ defpede, e os crecimen--
tos duraõ toda anoyte^occupando toda a tar-
de antecedente os correyos delles , que na5
paíTaõ de bocejos^e extremidades frias. O mat
yor receyo he de que a febre ou fe faça , ou fe^
ja já habitual , e de que a debilidade do fugei-í
to fique incapaz de outros remedios^por quã4
to fe vio ultimamente que o fangue era todo
deforado quefoy cauza depararem com as
fangrias ^ mas as agoas fempre perfeitas nx
cor , e íedimento. Deita informaça5 taõ
miúda julgara V. Senhoria o conceito que ea
tenho da medicina,e boticas de V. Senhoria,
naõ fendo neceíTaria mais prova , que dizer-^
me V.Senhoria tem dado alguma applicaçaã
a efta fciencia , e conforme a ella efpero a di-^t
roçaÕ de V.Senhoria parace feguir nefte par-íi»:
ticular, como em todos.
• rNao me diz V. Senhoria nada do fegundo»
CòmetajOU repetição do primeiro: cada dia íb
falia em novos metheoros viftos neftes arre*»
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. 259
dores a diverfos tempos do dia,e da noyte. O
mayor de todos para mim lie o Arfenal do
Turco , que também temo feja o açoute de
Itália pelo muito que concorda com todas as
«fcrituras, ainda Canónicas. Adefcripçaõ da
nova fabrica daNàoInglezaadmirou a to-
dos , e he hum dos grandes monftros da arte.
As novas de Caílella dizem com a copia que
me veyo neíle correyo de Fr. Lucas de los
Angeles.
V Folguey de ver por ella que eftiveíTem feos
trabalhos alliviados. Carracena , e Marcim
faõ chegados a Badajos ,• mas ainda ha quem
creya , e apofte que na5 teremos campanha.
Nao pude fallar com o ImpreíTor Manoel
Dias , mas bufquey peíToa de authoridade que
lhe fallaíle. Sobre tudo difficulta a brevidade,
e mal vem em prometter^q poderá dar a Obra
acabada para Setembro, dando-fe-lhe os Ori-
»ginaes por todo efte mes.
Na5 tem papel , e diz que o hade mandar
V. Senhoria,' nem fe pôde fazer o preço fem
fefaber acalidade da letra, e o numero dos
volumes , e fe ha5 de ter margem , ou naõ , e
fe haõde fer em quarto , ou noutra forma. O
que eu mais reçeyo, he a perfeição, para que,
" Kk ij quan-
^6o CARTAS
quando me parecia que poderia imprimir al-
guma couza , fó a de Évora me contentava ,
pu defcontentava menos : e efta he a impreP-
faô que eu inculcara a V. Senhoria , fenao te-
mera o impedimento da guerra , e em Coim-^
bra me naõ vira no eftado em que eftou , por
que feínpre aproveitariaÕ muito os efcrupu^
los da minha mà condição , fe eu pudera aíli-
ftir à folha: mas em tudo me mortifica Deos ;
fe elle for fervido de dar afaude, hum do$
motivos porque muito a eftimarey , fera para
poder fervir a V. Senhoria em alguma couza
defeo gofto , ainda que taõ pequeno. Guarde
Deos a V. Senhoria muitos annos, como de^
izejo e havemos mifter. Coimbra 1 3 de Mayo
de 1(5^5,
Creado de V. Senhoria.
António Vieyra.
CAK-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA; í6t
CARTA LXV.
j^T). Rodrigo de Menez.es :
SENHOR : Tómára- eu ter muitas pa*-
lavras com que poder declarar a V. Se-
nhoria a eftimaçaÕ , q faço do affedo ,
e repetidas finezas com que o cuydado de V.
Senhoria folicita minha faude. Masofilecio
ê o coraçaõ^que V. Senhoria taÕ bem conhe-
ce,me defempenharaÕ melhor defte dezejo^e
obrigaça5 : e aílim peço a V. Senhoria fe fir-
va de entender deftas regras ò que com ner
rihumas letras fe pôde dizer.
.V Faltou-me carta de V. Senhoria as horas
ordinárias do correyo , e quando jâ me com-
punha com faber por outra via^que naÕ havia
«lotivo de cuydado, que pudefle occafíonar
èfta falta , fe dobrou o fentimento delia com
a noticia deque a carta fe perdera. Aílim o diz
huma mulher , q trouxe hontem à noyte a ef-
ta ç^^^aj^ixa^ deque V. Senhoria me fkz
o ', mer-
1^.2 ..i.i,iH!Cf"A'R'"T"A S ^
meree^que reconheci pelo íinete dos lacres^ e
muito mais pelo que trazia dentro , que tudo
chegou afaívamento, exceptas as partes li-
quidas , que, Tem quebrar o vidro ^ padecer a5
algum naufrágio: em tudo fe vè e reconhece o
amor de V. Senhoria,e quam grande^e verda-
deiro he, o que aílim íupre as diftancias , e de
taÕ longe aplica os remédios. Eu o tenho ííiP-
pendido athe novo avizo de V. Senhoria,
porque naõ fey o tempo nem a quantidade,
em que a triaga fe deve tomar,que V. Senho-
ria me fará mercê dizer , ejuntamente quaes
fao às agoas em que fe hade fazer a infuzaõ
dos pos. A febre, e os crecimentos continua5
na mefma forma,e a manhaa me maridaõ pa-
ra os ares de VillaFranca^ mas dameDeos
a fentir, que do Porto me hade vir , ou tem já
vindo o remédio, e que a V* Senhoria, depois
de fiia Divina Providecia heide dever a faude.
De Lisboa nos certificaÕ fer chegado a
Badajos Carracena, e que tem dous mil In-
fantes, e novecentos Cavallos , pofto que ac-
crecentaõ que no Paço naÕ fófena5 creef-
te numero, mas fefoffre mal dizer-fe que o
inimigo tem grande poder. Também liie eí-
crevem que hade fair em campanha aos 21.
deve
DO P.^ ANTÓNIO VIEYRA. i^j
deve fer pela devaçao de quinta feira. Masfe
eftamos também prevenidos como V. Se-
nhoria me dizia ^ pôde fer que a fefta do Cor-
po de Deos^íèja da Serpe. Hontem ouvi que fe
tornara á ver o Cometa, cuja duração vay ex-
cedendo a todos os exemplos, que houve det-
pois de Chrifto , excepto fomente o da de^
ílruiçaôdeHieruzalem. Lembre-fe Deos de
Roma, que eu pafmo de ver como todas as
difpoíiçoens fe concertaò com o que fe lè nas
Efcrituras. O que agora me deixa com mayor
cuidado , he naõ faber o que V. Senhoria me
diria na ília , e que foíTe dar emmaõ al.hea de
algum interprete malévolo, que queira defcu-
brir mifl:erios,onde os naõ há. He certo me te
em naõ pequena confuzaõ confiderar,que hu-
ma carta de V. Senhoria fehouveíTe de per-
der tanto fempropoíito. Mas dizem-me que
ao correyofuccederaõ outros defaftres , que
fazem eíle mais digno de perdaõ , o qual eu
peço com todo o encarecimentos a V. Se-
nhoria y?e que o pobre homem por efta cau-
fanao padeça moleftia , para que a obra de
mifericordia , que V. Senhoria faz aos enfer-
mos , feja por todas fuás circunftancias de
mlfericprdia. Guarde Deos a V. SenhoHa ^
mui-^
éiuitois anflós,como dezejo e havçj||^s,íaife.*,
Coimbra 20 de Mayo de idáj* -
Capellaõ e menor Servidor de V.
Senhoria.
Antpaio Vieyf:ia.
■.'i .i-í .
CARIIA LXVI. ,
VíMSKAià^ de umas,
ENHOR : Sobre o mal que padeço,me
na5 ajfflige menos o cuydado de V. Se-»
nhoria, enaõ. poder dar a V. Senho-
ria ta5 boas novas de mim , como fey que V.
Senhoria as dezeja. Por hora me contento
xom as naõ dar peores. Q medico o tem a
bom final, em confideraçaÕ de fenaõ aug-
mentar a febre com quatro purgas , e outras
féis beberagenSjCom que me tem martirizado
a fio eíles des dias: fónà fede experimento
grande exceflb, com que eftes compridilfi-
mos
DO P^ ANTÓNIO VíEYRA: '^^ã^
mos dias fe fazem mais compridos , bailando
para o ferem a anciã comcjuéefperamòs as
novas de Alemtejo , que quererá N. Seríhor
fejaõ quaes eu mais que todos dezejo^ pelo
muito que vay empenhada nellas toda â Ga-
za de V. Senhoria. He bom anuncio a gran-
de confiança em que todos eftaõ de que o Se-
nhor Marques que D eos guarde , riaô deixara
fazer progreíTos aoinimigo n aquel Ia Provi tl-
cia, com que todos os receyos vem a fer da
armada. Mas agora nos dizem que temos ou-
tra de França engaftadá entre as torres deílrc
Rio. Miferavel eftado he haver de temer
igualmente os inimigos que os amigos. Deos
dê aos noflos Confelheiros a grande luz que
neftes cafos he neceffaria para defender de
iiuns , e naõ oíFendér outros. V. Senhoria m^e
-fará mercê de me naõ faltar com novas iuas
que he o único allivio defte meo trabalho , e
Deos me guarde a V.Senhoria muitos annos,
como dezejo e havemos mifter. Villa Franca
SdeJunhodei<^(íj. .
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
' António yieyra,; a
TomJ, IA CAR-
e A R T ,áí. S
CARTA LXVII.
y^2). Rodrigo de Meneses.
ífâi: a!í.'?saxD]>
SENHOR : Começando pelo fim da de
V. Senhoria:tambem eu tivera graade
ali i vio ( e com muito mayor refaõ ) cti
fallar efpintualmente com V. Senhom mui-
to de vagar e a minha vontade , e como nefte
mundo naô ha efpirito fem corpo , tambon
poderia fer, que das matérias efpiítituaesr Ce
paífaffe a alguma temporal, óu do tempo:* -O
certo he. Senhor , que ellevem cheganxk)^ #
qiie os finaes do Geo , e as dirpofiçoems > d:^
terra promettem quenaõ pôde tardar "s^m^é.
Os myfterios do exército de Badajios tem ixx^
troduzido o theatro defte anno com ntDtaivel
/ufpenfaõ , c expeaaçaô , e fe a armada em
quetapaõ osdifcurfos todos , fe defvaneGerv,
ou fortaõ pouco poder ofa como. a faiicm.oss
Eftrangeiros, naõfeyqueppffa obrar o ini-
migo depois de ta5 entrado o veraõ, fem ne-
nhum útil da campanha , antes firgeito à to-
das as incômodidadese rigores delia. Mas eu
,. jne
DO P. ANTÓNIO VIEYRA^ Í67
mt na5 poíTo perfuadir fe naõ que debaixo
deftes accidentes fe encobre grande fuftan-
cia, a qual fe manifeílarà brevemente , quan-
do já hoje o naõ efteja ,• fe bem o pouco que
vemos ferver líòvas preVençoens,nos perfua-
de haver noticias certas emuy íêguras que
nos livrem de todo ;ò temor domar, e tam-
bém da tefrá. Os rumores que cá chegao co-
mo foy o da armada Franceza me defenga-
naõ a naÕ dar credito,fena5 ao que vir firma-
do por V.Senhoria,cujas cartas, que eu com-
munico com as cautelas neceífarias, feou-
Yem nefte Collegio como oráculo, eaífirn
peço muito a V. Senhoria que agora mais ó
nunca , me naó falte V. Senhoria com novas
fuás , e das acçoehs do Senhor Marques , que
Deos guarde, por cuja felicidade ficamos fa-
zendo continuas , e publicas oraçoens , con-
fiando em Deos que os fucceíTos deS. Excel-
lencia neftá campanha haõde fer a coroa de
todas as paíTadas. Emfim,Senhor,quando pe-
ço têpo a V. Senhoria no meyo de tantas oc-
cupaçpens, naõ he rafaõ que eu o tome, e pa-
ra acabar efta com nova , que fey háde fer de
gofto a V. Senhoria , digo que a efta hora fe
aparta daqui o medico muy contente do ef-
*' LI ij feito
. C A R TA S ....:.
feito dos feos remédios , e dizendo que me a<
chava o pulfo quafi natural. O tempo, ear
cfperança que V. Senkoria me manda ter
em Deos, faõ cirçunftaacias muito para efti-v
mar a faude. Toda a que omefmo Senhor
for fervido conceder-me, folgarey fempre de.
empregar no ferviço de V. Senhoria , como:
affefto , e córaçaõ que devo. Guarde Deos
a V. Senhoria , mmtos anãos , como dezejo e:
havenios mifter. Villa Franca i y de Junha^
.1 Capellao e menor Creado de V^
^^ Senhoria. •
António Vieyra.
>to"3liiO'
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. %6^
CARTA LXVIII.
AT>. Rodrigo de Menezes.
ENHOR: Se o contentamento fizer?
milagres , tiverame V. Senhoria neíla
hora a feos pês , ajudando a celebrar a
nova defte líicceíTo, com q o Marquês q Deos
guarde , coroou todas fuás felicidades^e Deos
íiós tornou a dar por liia maõ o Reyno , que
tantas vezes nos tem dado por ella. Mas pois
o eftado da minha enfermidade me nao con-
sente eftapeqiaena demonftraçaõ, contento-
-me com que V. Senhoria tenha conheci-
do, que entre todos os creados daCazadc
V. Senhoria, nenhum tanto tem feftejado e
eftimadô efte triunfo delia , de que dou a V.
Senhoria mil vezes o parabém. Deos guar-
tle a V, Senhoria muitos annôs, como dezejo
ti hèy mifter. Villa Franca : fabbado ix de
Junho de i66^,
Capellao e menor crendo de V. Senhoria*/
António Vieyra. ~ -^
CAR-
170
CARTAS
CARTA LXIX.
A 2). Rodrigo de Menezes f
ENHOR : Jà mo cof reya paíFád<i- dey
a V. Senhoria o parabém , e ajudey a
feftejar ( pofto que naõ como eu quife^
ra ) efte ultimo milagre do Ceo , e ella feliei-r
dade taÕ eftranha de todo o Reyno , e ta5
particular , e taõ própria da PeíToa , e Caza
de V. Senhoria. Com as cartas e liftas do Se-
nhor Marquès^que mil annos viva, de que V»
Senhoria me fez merçe , crefcerao ás noti-
cias, e os aplaufos , os quaes cada dia fe aug-
mentaõ com as novas circunfl:ancias,que va5
chegando , em que a grandeza da vidioria , e
as mifericordias deDeos le conhecemmáis ,
emais. Agora fe efpera com grande ai voro-
çQ A relação de todo o lueceífo , em qtie cof-
turnamos fer menos ventuf píòs j que na cajn"
panha^ Queira Deos encaminhai a penna dõ
noíTo Mercúrio dç maneira , que. a gloria de
tamanho cafo naõ fiqtrè efcureciáa , e acabe
de conhecer ijEurop^ ^ e o mundo o quehe
"" ' Por-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 171
Portugal em quanto naõ chega brevemente
o tempo do que háde fer. O voto de V. Se-
nhoria acerca dos progreíTos do exercito
me na5 parece fó o melhor, mas o único,
porque em qualquer outro apparecem gran-
des inconvenientes, e em nenhum taõ grande
aballo há feito , como efta entrada pôde cau-
zar nos ânimos de todos os Caftelhanos , e
muito mais nos que tem votado na paz, prin-
cipalmente acommodando-fe ElRey a ella
com o íúcceíTo defta campanha , que nao po-
•dia fer melhor para de todo o defenganar.
Os clamores feriaõ geraes , e todos cahiriaõ
fo^bjie-ÍCaftrilho , em cujac^ftinaçaõ fómen-f
te parece fe poderá fixftentar hoj e a opinião
f:ontraria , e íe he certo corpo eícrevem to-
dos , que o inimigo tinha e tem armada ,
taxnjbepi e/la invazaõ taõ interior ferviria
n^õ pouco de divertir , e fufpender qualquer
intento delia , porque naõ me perfuado
que fetem feito o empenho, o hajaõ deque^
rer perder totalmente ppdendo-o empregar^
quando menos na cofta do Algarve , erÉ que
i^iaõ fera difficultofo obrarem alguma couza ,
ppfto que de menor confequencia , com que
queiraõ moftrar ao mundo que fe defquitaraõ
171 CA R T A S
do defcredito paiTado. Nenhuma couza mars
dezejo, faber que o modo com que fe tem
portado nelle o Carracena depois de haver
blazonado tant o. Seja Deos bemdito^que af-
fim confunde a foberba de noílos inimigos , e
nos exaha a nos , fendo ingratos , e naÕ hu^
mildes. Tudo faõexceíTos de fua Mifericor-
dia, e novas obrigaçoens de começar ao fer-
Tir , ou de acabar jâ de o oíFender tanto. Naò
feme tira da menioria as muitas vezes que
V. Senhoria em todas fuás cartas repetia efte
noíTo defmerecimento , a cujo reconheci-
mento atribuo eu em grande parte a mercê
que nos fez. O mefmo Senhor guarde aV.
Senhoria muitos annos , como dezejo , e ha-
vemos mifter. Villa Franca 29 de Junho de
166 y.
Capellaó e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA, 273
CARTA LXX.
A D. Rodrigo de Menezes.
ENHÕR : A terceira vez lie eílaque
fallo a V. Senhoria namerce,que Deos
nos íès por maÕ do Senhor Marques,
que elle guarde tantos annos, quantos Portu-
gal ha mifter. Mas ainda que fempre a tive
por couza grande , e grandiffima , nunca a-
cabey de conhecer quam milagrofa foy, e
quãtas graças devemos a Deos porella,fena5
depois que vi, e ponderey as duas cartas origi-*
naes de que V. Senhoria me fez mercê, com
os outros papeis, neíle correyo : eu as comu-
niquey , fervaús fervandh , a alguns amigos ,
e foy aílím muito conveniente , aííim para
conhecimento e eftimaçaõ do muito que fe
obrou , como para fe faberem os motivos ta5
urgentes , e juftificados , do que fe deixou de
obrar , ou do que fe queria que fe obraíle , e
fe tinha já publicado na expedaçaõ. Emfim
Senhor, o milagre foy e vidente e provado ,
<jue aflim o juigaõ os Filofofos , e Theo-
vTom. L Mm logos^
Z74 C A R TAS Z
logos quando a forma que fe introdus , he
contraria ás dirpofiçoens j e fendo eftas tao
conhecidamête quais podiaÔ dezejarosque
procuraõ , e percendem noíTa mina , tirar
Deos delias a noíTa confervaçaò , e mayor
exaltação , bem claramente fe vè fer obra
mais que natural de fua Omnipotencia.Quei-
ra Deos que lhe faibamos dar as graças, e que
ao menos as dem publicamente a elle os que
tem por officio pregar a verdade.Muito deze-
jo fempre ter huma hora de difcurfo cÒ V.Se^
iihoria nefta matéria; e como taõ particular ,
e tao fua , e da Caza de V. Senhoria , naõme
contentara com muitas horas. As utilidades
do parecer de V. Senhoria, dos progreíTos do
Exercito, opreíTaõ, e clamores de Caftella , e
eonfequencias da pâs , eraÕ manifeftas : mas
fem meyos na5 fe podem confeguir fins , e as
rafoens de quem eftâ vendo tudo de mais per-^
to, naõ tem repofta, e o que me faz temer he;
que fe o fucceflo naò foíie qual Deos quis que
foíTe , havia de cahir a queixa e culpa fobre a
innocencia , comoagoracahe alizonja,eo
aplaufo fobre a omiífaò. Foge o lume dos^
olhos , qu ando agora fe vè , oque de antes fe'.
naõ via , e fe prezumia ( pofto que naõ por
, todos ^
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. \7J
fodós) em taõ differente eftado. Mas Deos
he taõ bom , que quando naõ temos que co-
mer , danos avidoria em jejum, e quarido
íiaò temos carruagem, tráí-nos o inimigo ás
portas, e quando o naÕ podemos entrar eni
feos quartéis , poem-nolo fora delles. Outras?
Coníidéraçoens tem a matéria, em que tanto
he mais profunda a Providencia Divina ^
quanto o difcurfo humano na5 pode tomar
nelia pè , nem acliarlhe fundo. Tudo Ía5
extremos da fortuna de S. Mageílade, e acer4
tos dofeo governo, q^ue tanto tem mais de
gíoriòfo , quanto mais encobre de mifterios.
Tudo lios convida a crer que faÕ eftas as veft
peras das mayores felicidádes,qué efperamos^
a que naÕ a judaraõ pouco as difpofiçoens dos
ajiimos de Caftella com o defen^ano dá éx-
periencia , e expeótaçaò defta campanha.
Frey Lucas,cuja carta folguey muito de ver,o
difcorre quanto podemos dezejar , e dirá bel-
liffirn^KCauzas fqbxe Qs eííejtos que cauzou a
novadoíucceíTo. V. Senhoria, como já pedi,
me fará muy particular mercê na breve com-
municaçaõ deftas novas , como de todas as
que V. Senhoria tiver de Alem-tejo , cuja
noticia naõ fó he conveniente , fe naõ muy
Mm ij ne-
iy6 CARTAS
neceíTaría para quefe faiba a verdade tomada
em fua fonte , e naõ nos rios, e regatos em
que trás a cor , o fabor , e ás vezes o veneno
dos lugares inficionados , por onde paffa.
Naõ dou novas da faude a V. Senhoria , por-
que naõ há conftancia na melhoria,que algu-
ma vez me promette. V. Senhoria a logre
^aõ inteira , e com tantos goftos do Ceo, e da
terra, como eu fey dezejar a V. Senhoria, cuja
Peflba guarde Deos muitos annds para mui-
tas felicidades. Vilia Franca 6 de Julho de
Pela mercê que V. Senhoria faz ao pa-
rente do Padre Francifco da Veiga, beijo a
maõ muitas vezes a V. Senhoria.
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
António yieyra»
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 177
CARTA LXXI.
AT^. Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Crefcem cada dia tantas
circunftãcias de grandeza aviâioria do
Senhor Marquès,que com rafaõ dizem
nefta Uni ver (idade fe devia tornar a repicar
por ella em todos os correyos , e aflim naõ he
muito que o exceffo do meo gofto torne a dar
huma e muitas vezes a V, Senhoria o para-
bém. Ainda hontem fe fez a ultima prègaça5
em acçaõ de graças, em que houve muito que
dizer de novo, mas euíempre creyoque as
lingoas eftrangeiras faberâõ melhor avaliar
as circunftancias de tamanho fucceíTo, por-
que as noíTas fempre faõ curtas em louvar ,
podendo mais a enveja dos particulares , que
o amor commum da Pátria. Queira Deos
que a tardança defta taôdezejada Relaça5
feja para mayor perfeição delia , e que aa
menos igualemos a verdade^ quando todo»
. . òs
WSKÊÊtfW,
..-.: .GÀ-R.T .A s ;: ^-i
os Efcritores em credito da fua Naçaõ a cof-
maõ exceder. Foy perda morrer o filho de
Caftrilho , mas íem eftes reféns pòderà feo
Pay mudar de op;aia5 , e querer agora à pâs ,
que pudera ter comprado a menos preço j o
q^e agora fobre tudo fe efpera ^ e de^ej a com
grande ancia/aõ as noticias do abalo^que fes
em Madrid a nova , que feria igual , e ainda
mayor qaeo nojo dos Gerteraes. Pela lem-
brança que V. Senhoria teve de mim no dia
da Rainha Santa , beijo mil vezes a maõ a V.
Senhoria. Por varias partes me chegarão as
fignificaçoens de hum grande Miniftro , que
pôde ferfejaomefmo comquem V. Senho-
ria fallou, epoftoque o modo a tempo ven-
ce mais que a porfia , eu eftou certo , que fe
houvera vontade, nem fora neceíTaria a por^
fia, nem ainda o modo , mas hà muitos mo-^
dos deintentar,de que uzaõ os homens, aíTiní
eomo Deos tem muitos de libertar quando
Refervido. Para elle fó appello, enelle fò
confio , € a elle dou muitas graças por podef
fazer jà efta a Y. Senhoria com ôs pês no
cham, depois de cento e cinco dias decamav
Omefmo Senhor guarde a V. Senhoria cõm:
os annos de vid^ , e inteira faude que a V..Se^
i,j) ' ' nhori^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 17^
filioría dezejo , e efte Reyno ha mifter. Vilia
Franca 1 3 de Julho de 1 66 y,
Capellaõ e menor Creado de V,
Senhoria.
António Vieyra,
CARTA LXXII,
AT>, Rodrigo de Menezes.
ENHOR: Começando pelo fim da de
V. Senhoria.dou a V. Senhoria o para*
. bem da chegada do Senhor Marques 6
Deos guarde , com vida e faude , q he fó oque
faltava para aperfeiçoar o gofto de tama-
nhas felicidades , em que a mim me naô toca
a menor parte , pofto que fou o menor creado
da Caza de V.Senhoria. Agora dezejara mui-
to faber o triunfo, com que S. Exceílencia foy
^cebido em Lisboa, pofto que me lembra
fer ley da enyeja Romana , que nenhum Ge-;
^"^ ■••'-^ neral
i8o C A R T AS
negral triunfaíTe três vezes , e naõ tenho me-
Ifior conceito da noíTa : os inimigos da cam-
panha podem-íe vencer huma , e muitas
yezes , os da noíTa Corte faõ invenciveis : a-
quelles com as viótorias vaõ-fe diminuindo ,
eftes com ellas crefcem mais. Por ca chegou
humalifta, ou rol de mercês, e Titulos , em
que muitos efl;ranhara5 na5 ver o nome do
Senhor Marques, eu pelo contrario o eftimey
muito , porque quem foy dono de toda a vi-
dória , naõ he bem que fe conte no meílno
numero dos q fó tiveraq alguma parte nella.
A coníideraçaÕ do que fora de nos , fe a nap
ganháramos , he amayor detodas. Eu afiz
jiiuitas vezes depois do fiicceíTo , e a tinha ta-
bem feito antes delle , porque como menos
animofo , temia o que nos podia íiicceder , e
naó efperava taõ íingulares mifericordias ,
quando com taõ repetidos exceíTos de ingra-
tidão provocamos a Divina juftiça. Por cá fe
publica5 feitas, ecom muita rafaõ, mas eu
antes quizera ver chorar peccados , e emen-
dar vidas,para que fizeffemos feguras as feli-
cidades.
O que agora fe fegue naõ fey com que pa-
lavras o diga a V. Senhoriai.porque fe corre a
minha
DO P.aANTROMO^VlEYRA.
míÈrha indigbidacle dâ;MÊ^{fita hèrità^ ittéft
aê cjue m& hz â Senh:oifa>^-D. Jiiliàna / poi^
quer e me ardenayque hum ífiettioriarque tem
com V. Senhoria, fe prezente a V. Senhoria
poí i^$]kém^,jrmímhx O ièq;iièrimeoko :
que o Padre Frey Diogo dp;Eípinheíro feja
eleito em Capitulo por ConfeíTor de Santa
Clara de Coimbra , c que para ifto , fe for ne-
ceíratóò^pài/de^SjaPfíuÁ recado ao Vifita-
dor. Os merecimentos da peífoa íaõ j fer Re-
ligioíb de muita authoridade , e virtude , e
queflir^idvá S^aáeft^e 't|as flon^iras jrm
tenijpá- A>-áetilf cír #. Aivãrd. O^níotivo prin-
cipal; o ferviç© de^Deos, e ogoftQ, e confola-
çàoelpiritiiaáquè^lêftietó^
ra D. Juliana , como hoje foy fervida fignifi-
íiiaf T$n<$ pjobhiàni.pâpeí limlyietó^^
íiJiQiditjta õrque na© Abiá diz^r. Por Gon^tfáe
y^ Senhoria íicanefta primeira o ccaíia^,em
mtp:^ §,Sefâkçm*Ji>s Jú\M\>^imchcmrcm léom. íe
f|rvit4e itóm-GÓmoifeír^mdo ,'quefeja coni
taõ b^m'jeíFeitppé>taàtQâfati^fa^
fíhoi*iâ^'que ineref a èu muita^:veze& o meíma
f^>5or. Ap M^rq^ès^itieo amç <e Senhordbedijcr
iHÍl^e2e$ íaímaõ ,.?^eáÍndQ ^íèmpre mé tenàait
cm ftja, graça ^ Ic0mQ rf^mpre inae t«m. ^&m i
TomJ. Nn "^^è^.
w^mmsmm
pez?i E|?€Q$ím^;g9^rdeàV. Senhoria mintas
^nnos jconrò dèzejo , è havemos mifter.
;oí^ptellaô e menor Creado de V^l
'# ^Seiífiôíiâ. , ■ .
^.o)l líl ;6£l ÊOÍi'>q.£b 2pin Miíbí^iom^eO .ioí>
T:r.
^^
oar/io m Menezes^
riirisíiÁibrn-ii YOtt>rofiomo:> çíinf;tiy[ ,/^íii
y ;(íabera ^re^uMds ve^es tenho íladò as
^.^^^^^ gjraças nà Divina Bondade , pof ó Se^
âiprezcriç^íde % Sen^hoiia fetoé^da5 g^^íibíB
fiEétcflfo^bomjtóie; íritéim faiídeíqfiite? too h« pe-
quena mercê de De^ , depois de taõ òónti-
Bmadoírabaího 9 re^m-dias taô tigórofos eo*
jaértodos eftçsrtóm paífadp.. íTudís> fa^éxpe^
rienèiiasreargomeatos noYosxle quanto deve-
mos
DO P/ANTONIO TíEYRA. ^85
|j3,<>S;à Providencia Divi^^íre-deiliijíM^
diípoíiçoens foraÕ encaminhadas- em tudo a:
noífo remédio , e er edito* Q demais q^iie fo
puvG , € fe eftranhâ> u^^}íp^zmií%^í^í^ do
taò longe , eYÍnh^Qh<miupbí^mM^W(f9 .MsàrA
ligencias de V. Seíihí^ria, fê a oppoííçao qué
fuítenta. o m.eo deftarro rnaõ eftiy erji taõ e m*
penhada n^le : e ppfto qugíey/tambieinicomí
quaò boa voriftad^ o ^ep^hot Marques quê;
Deos guarde ajudara o intento deV. Senno-
ria , eftpu certo e firmiílimo em que íê na5
hàde Gpn.feg]iirfppr effes meyos^ em quanto jci»
tempon^ptTpúxçr outros de mais alta prorirt
dçncia^ por. que eftae outras dificuldades de
mayor importância fe facilitem. Defta ban-
da naõ há mais que feftas e mais feftas ,i e fó;
nos faita^^ara GPínprilnento do gofto a nòtí-"^
eia dos lentimentosç de Ma[drid , 'que ja teni
tempo de haver chegado, pofto que ainda
naõ efpero a verdade da refolucaõ qu€ haodc
tomar , que deve fer muy diverfa depois de
esfriarem asfòndâs.'^^ ^y[^> oBb^^aD
Neífa Corte "anda requerendo fià muitos
dias o Licenciado Domingps Vas Corrêa Vi-
gário Gerát que jfby dòÉSado do Maranha5
muitos annos , conde com feo grande zelo ,
-^S'. Nn ij cchri^
Me pêíToâqiietenliò põ^^ de qual-^
qèeir kagaí Eccleíiaftico 5 è que há muito pou-
cos fti^áié^rícij dfe^Fbifágalà quem com» mais
fe^r?a íipífiàfíça/^ft^ÇòfíáS" eátrêgai* ias ove-
lhas dé Phdftô; Alèrii deita raíaõ^geral , Ih^
de vô algumas obrigàçóèhs' pâf t iciiki^s' pela
bc>t3aífiftéfítia qtie-fèm^í^:: fez aos Miffiona^
6om áome de paftòtes.'^Se V. Senhoria y nò'
<piê3 fe©iayeí iugary íor íèíS^i^ò^ de ^pad^iíihâí*
feomexedsiténtõ jalèm tiêíéí ^b^^^
ta a:IÍ)eò^;ie'i1iúit0ífeíeo^É^í^|G»j jfiíè fátó "VV
Senhoria muito phtihAát m^t^èy^e^
confiança o avizõ fe^odê vàl^r dwâáipaf'6 á^
VÍ;Serth0fiiaí^;pois<èit:íiâS t^fiho><^^
de :Deps-a'iV;jSefthòíi;âíjrtiMtíó!írâ
dezeJQ ;: íq havemo5> tófteirV TiUaíttánc^ i)^'
o£dai;iJiM ob (;í>©tírarfm -^j/iJ^feí^T^oh^
^ obs 3bnxi'íj> o'il íríp:> fjbno í> ^ aonnfj ?oTirjfn
.hfbo ■' - ^^^-^ CAR-
DO P.ÍAÍít^NIO V3EYRA, 285?
ío .":,! !;c >.j fíjoHj C'rf;í ':?rr:- ■
; CiíRTA LXXVI
<^ 2). Rodrigo de Mene%es,\
ENHOR : Em grande reftituiçàõ fne
eftâ^ temporal e efpiritualmente,aquel-
la vontade, contra a qual, depois de
tâõ largo tempo, ena circnnftancia de ta-
manha oGcafiaò 3 naõ aproveitaõ diligen-
cias,, nem porfias: e digo, temporal e efpiritu-
âlffletite, porque quem tanto me aparta da
preíençà de Vi Senhoria, n ao fó me priva do
allivio das faudades , mas também da grande
confolaçaÕ e alento que o meo eípirito re-
ceberia comia comunicação de V. Senhoria,
cU};a alma vejo taõ unida, e conforme em tudo
com a- vontade deDeos, e com didames e
rèfoluçoens taõ luperiores a tudo o que legue
è eitinoía <efte mal entendido mundo, em que
vivemos j Bem neceffaria he toda eíla gene-
f ofidade para fazer pouco cazo do que V. Se-f
nhoria mediz, que eu li naõ fó admirado y
irias corridoide q em huma NaçAÕ taõ honra-
âa* ©dmoia óbffa^ : haj a quem tal chegue a ái-
-'jmr') zer .
:^á C A R T AS/ ,
zer j mas a tanto chega o poder , ou a fraque-
za da enveja, cuja viótoria náõ hé menos que
a dos mayores exércitos. Eaííímapplko eu
nefta occaíiao ao Senhor Marques que Deos
guarde, o que fe diffe no Çpitafio dq íylârquès
de Pefcàra :
Et Martemy Êf mortemvicit\ &f invidiam.
Sempre eu temi que a Relaça5 da viótoria,
naõ neceffitando ella de cores alheas > lhe
havia de apoucar a grandeza, e efcurecerQ
luftre. Mas naõ deixo de ter minha rayva
contra a prudência e diflimulaçaõ deV., Se?
nh Dria em a deixar paíTar fem emenda, fendQ
eftê o oíEcio e obrigação do Tribunal €m que
V. Senhoria prefide^ e fera bem merecido
caftigo danofla mà politica, ou da infelici-
dade , e violência dos tempos prezentés , ve-»
rem os Caftelhanos , e ver o mundo eftampa-
da em Portugal huma ignorância taó ridicu-
la,como chamarmos armada imaginaria à de
Caftella , quando ella eftâ fahindo ao mar
com quarenta navios , como fe Cádis eftivê-'
ra na índia , ou no Japaõ. No mefmo dia em
ue pela manhaa tinha recebido acarta de
, Senhoria , me mandarão à tardebuma do
Governador de Aveiro , em que fazia faber â
Came-
'^
DO P. J^NTOMO VIEYRA. 287
Gamera de Buarcos tinha recebido ayizo de
S. Mageftade , ^ a Armada do inimigo eftara
fobre a barra de Lisboa j fby ifto em a quinta
feira , e na noyte do fabbado para o Domin-
go fe viraÕ em Goimíbra muitos fachos de
Tentúgal, é Montemor, e fe ouvirão algum a§
peças de ar telharia , e depois chegarão no-
vas dè Efgueira,c]ue todas as companhias da-
quella comarca hiaõ-çorrendo para Aveiro,
por apparecerem lá vinte e tantos navios.
Naõ .me parece que podçm fazer alli couza
de confequencia , nem em toda| cfta cofta,
falvo nos portos mais chegados ao Minho ,
fe em terra tiverem exercito com que fedem
as mSos 5 mas defte naò hà athegcra noticia
alguma, efó feavizou no Gorreyo palfado
que^o Conde do Prado chamava os terços au-
xilià^j^sy ■;/ "^ fy ''"'l\'^'^ ^'\ '''^')
- '' tíoín gf^àílde alfbrbço eípefo o avhó de
coiTi<3 eiT^,^(í^(kid "(by jççehida ^ n ova , da n of-
AVíáiytià^^úe^áèv^a^^^^Méeni diferentes
eífeitos , fegundò os ânimos e pareceres dos
qtte lá governao. Gá ÍÊiJivulgaò profeeia^lse
prcígnoteos para- ó^ n^&z de Setembro , em
qu^ fòíià^podèfaz^t-júizo íbm faber as diP
-^afi^ôslnt-éríer^s^dí) inundo. V. Senhoria
288 ,-. . ::C'A Olt'1j^A/S/I Ofl
•que eftâ tanto fobre èlle , e ovède^erto, me
dirá o que devo crer, ou efperar. A meo amo
o Senhor Marquês, ^ cujos pes eftou fempre^
beijo mil irezes a mao^f edindo a Beos iguàít
mente em meos facrifiGÍos, quQJà cómeçov^
dizer, nos confervé e guarde a PéíToadeS/E'^-
cellencia,e de V. Senhoria, por taõ dilatados
annos, como Portugal hâ mifter.jyilla Fraur
^aÍ3í de Agofto íáe :ié6f^ú i u i;:^ 1^11103 i, , I ^'ijp
Gapellaõ e menor Creadp de Ví -
CARTA LXXf;
ElSíHOK : Com a carta de V. Senho-
,í:-^^^, ria recebi a copia de Madrid (>{e,iia5
_ me admiraõ os artificfos, de Cari:àcc|7
na cQ,Birqu,e í^^fua íoberba quiz diminuir /a
lua
ii h
DO P.. ANTÓNIO VIEYRA. '^8:9
ííia defgraça , e adoçar a dor de tamanha
perda ^ mas perco apaciencia em ver que a
verdade delia naô eíleja metida em Caftella
por mil partes , e divulgada em todas as do
mundo , onde Caftella íe na5.terà defcuyda-
do de dar as primeiras tintasse efpalhar a pri-
meira fama ( que fempre iie a que rhais fe im^-
prime nos ânimos ) com tanta injuria da noP-
ía gloria. Se a naÕ queremos dar aos homens;
ao menos naÕ a tiremos a Deos^que he géne-
ro de ingratidão 5 aonde fó podia chegar a
noíTa , fazer elle as maravilhas , e nos desfa-
zermolas.E pofto que a verdade naõ pôde ef-
tar rnuito tempo diílimulada , he confo!aça5
efta muito boa para os vindouros , e naÕ para
fios , em tempo que os eíFeitos da noíTa com-
fervaçaõ dependem principalmente docre4
dito^nac) fó na mefma Caftella, que pela vizi-
nhança e experiência pôde melhor conhecer
fuás perdas^ e noffas ventagens: mas em Fran-í
ça, Inglaterra , Olanda, Itália, onde por Mm
ta de induftria ou naõ chegaõ as noticias das
noíTas vidorias, ou chegaõ taõ trocadas, que
parecemos nos os vencidos. Aqui chegarão
agora deus Padres de Sicilia , que com lerem
moradores na Cidade de Palermo , aíBrma5
CA R T AS
fqúe nuíica là onviraô que Doiji João de Au^
ítria fora vencido em Portugal. E que fácil
fora ter hum efcritor em Itália , outro em
França , e outro em Alemanha, que com .muy,
leve falario divulgaíTem em todas aquellasi
-naçocns elinguas oquenem naiioííaquerc-s
-mos dizerf Daqui fe fegue o que eu vi em Au-
-thor Alemão 5 que efcreveo as hiílorias de
noííos tempos : e tirando o que eile chama
fubievaçaõ do Duque de Bragança, naõ falia
mais paiavra de Portugal^como feo naÕ hou-
vera no mundo. Quantomais eftamos no fim
delle y tãto mais havíamos de procurar intrsor
duzir nas outras nações eíle cÕmercicDii^porq
das relaçoens que agora fe imprimem , fe c5-
põem depois as hiílorias : e quem mais^ejiae-
Ihor efcreveo de fi , foy o que mais parte teTS»
fios annaes da fama. Semfahir de Lisboa fe
pudera achar Italiano, Francês , e Alemão
que efcreveífeemandaíTe imprimir a fuás ter-
ras; Perdoe-me V. Senhoria,eílâs loucuras,
que amo muito a noíTa Pátria , e naÕ tenho
paciência para a ver desluzida, quando Deos
é os homens a tem illuftrado tanto. As novas
das náos da India,e frota do Brazil fao as me-^
IhoiTs que podíamos dezejaLDeos as^tragaíC
; ) íal-
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. tçx
íalvâmento , para que nos naõ falte com que
fazer oppofiçaõ ao inimigo,que na efperança
de feos" miíhoens dizem quer fazer a guerra
de bolfa abolfa, e na5 de braço a braço , mas
o fofrimento dos noííos foldados eftà feito à
prova de mal pagados. Naõ repete o rebate
deter a armada inimiga lançado gente em
Sagres , como diíTe o Conde valido no dia do
correyo. Queira Deos que efte avizo tenha
tao pouca certeza^como o que veyo a Aveiro,
de cujo Governador VI eu a carta em que de-
zia o avizàra S. Mageftade , que a armada d«
Caftelia eftava íbbre a barra de Lisboa.Se V.
Senhoria puder haver as profecias de Santa.
Hildegardis que andaõ em livro particular
de ííia vida,farmeka V.Senhoria grainde mer^j
cê, porque taii to que o permittirem os pn-fi
melros alentos , quizera tornar a antiga tey-
ma, antes que o tempo chegue, e lhe tire a:
graça. Ao Senhor Marquês, peço me tenha?
nafua, cDeos guardeaV. Senhoria muitos,
annos, como havemos mifter. Villaijranca:
t.o. de Agofto de lóój, . : • o:i;r íTÍ
o e menor creado de T. Senhoria.
António Víeyra.
Oo ij
CAR^
í,i]D moo ';■•;;' ^'"^ "
t h i
a
XVI.
'^j^T^T^Ròãr^go de Menezesl
ENHOR : Sabe Deos que as cartas de
V.SeGlioria fao para mim o entertêni-*^
mento de toda a femana em quanto íè-
eíperao , e depois que chegao o único aliivio
de quanto padeço , aflim na difficnltofa eon~
valefcencia da enfermidade paífada , como
no temor ou certeza das futuras, dequene-v
nhum medico duvida pela experiência de to-
dos eftes annos , e conhecida contrariedadci
defte fatal clima. Já naõ fallo a V. Senhoria
neftia matéria por íer^ de taõ pouco gofto ,
quando eu dezejo dallo em tudo a V. Senho-
ria,e fó he bem que cuyde e me alegre das oc-^
cafioens que V. Senhoria tem de o lograt!
muito grande , quanto o eftado defta mortâ-í
lidade permitte.Li a Relaçaõ^e pofto que diz
míuitOj folgo de a haver de reputar antes pori'
diminuta 4 poi* encarecida, quehe amaypr
gloria dq íucceHb, e o mais feguro e univerfal
teftemuhhó dè lua gtatideza. No eftilo e
nar-*
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. igj.
narração delia , depois de V. Senhoria ter j€
interpofto íeo parecer^ fico eu incapás de dar
juízo , porque íem feguir os impulfos da von-
tade, fe naõ fabe apartar nunca o meo do que^
V. Senhoria julga, como taõ acertado fem-*
pre , c taõ livre dos aíFeâios que coílumaõ ef-
curecer a rafaõ. Aqui chegaÕ por varias par-:
tes peíToas que vem deCaftella, e todos fal-'
laõ pelo eftilo da carta daquelle amigo, que^
com as fegundas noticias no las dará melho-
res do dezengano da perda, a qual naÕpo-
deria eftar diííimulada muitos dias por mais
que fe m^ultiplicaíTem os artifícios de Carace-
na. Com tudo dizem confiantemente que el-
le fe aprefla para voltar:coirza que parece im-
poffivel, pelas dificuldades de novo exercito,
e muito mais pelas do tempo,e da campanha.
Se vier, fera para ultima ruina íua,poíí;o que a
noíTá feja: taÒ merecida no mal que agradece-
mos a Deos as mercês que nos faz , devendo
coníiderar que fe pôde ajguma vez cançar íu%
Providei)CÍa de fe pôr fempre da parte dos in-'
gratos. Eu , Senhor , naõ poílo deixar de o fôr,
ao muito favor que V. Senhoria naÕ f ó me fai
a mim , fenaõ a todos os meos recommenda-
dos^por que beijo a V .Senhoria a maõ muitas^
15^4 CARTAS
vezes , e ó farey com mais particular gofto ^
quando íouber que eftâ confeguida com efFei-
to a eleição daquelle Religioío que a Senhora
D. Juliana tem authoriíado com íeo patrocí-
nio. Na graça do Senhor Marques me enco-
mendo fempre , cuja peíToa, e a de V. Senho-
ria nos guarde e conferve Deos muitos annos
como Portuq:al ha mifter. Villa Franca 17
de A gofto de 1(5(^5 ,
Capellaõ e menor Servidor de V.
Senhoria.
António Vieyra.
CARTA LXXVII.
^ T>\ Rodrigo de Menezes.
ENHOR : Quando V. Senhoria me
fas mercê dizer que dezejàra faliar co-
migo, e com tanto encarecimento, que
poííp dizer eu , cujo coração hà mais de três
an-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ipy
ânnos eftà cozendo difgoftos e difcurfos ,
fem poder romper o fitencio ? Eíla lie a enfer-
midade de que adoeço , e a falta defte remé-
dio aquemehade matar, fe Deos naõ abrir
algum extraordinário caminho com que me
veja aos pes de V. Senhoria^ pois todos os or-
dinários eftaò taõ fechados. Nâõ havia miJP
ter o animo de V. Senhoria tantos defenga-
tios domundoparaV. Senhoria conhecer e
fe defenganar delle , mas aílim coftuma Deos
tratar a quem ama , e aos que quer fó para íí.
Mais deve Portugal ao Senhor Marques na
fua conílancia/pienofeo valor ,e mais vene^
ro eu efta viótoria , do que admiro todas as
fu.as , conhecendo do eílilo da Provideacia
Bi^vinague na fragua deftás femrafoens eftâ
lavrando edifpondo a S. Excellencia outras
coroas mayores. Do Porto me efcrevem que
jàCaracena efta depofto do officio, efubfti-
tuido outra vez Dom Joa5 deAuftria. Sinal
certo , fe affim fpr , de queas primeiras noti-
cias (la batalha eílao já bem defenganadas
em Madrid. O avizo o dirá. Aqui fe diz que
o Conde de Caílrilho fe chama Garàa^t fe dà
eífâ explicação ao ultimo verfo da decima de
Bandarra. Sirva-fe V. Senhoria de me dizer
2^(5 ' CA R T A S
fe heaílim.E também differao liuns Frades da
Serra d'Oíra ^ que a caza que os Duques de
Bragança tem na Tapada fe chama a Caíam.
Efpero que tudo o mais fe cumpra , e que feja
muito cedo. A Senhora D. Juliana manda fa-
ber de mim emtodos os çorreyos , fe tenho
repofta deV. Senhoria acerca doReligiofo
jféo recomendado , o qual eu naõ tenho con-
fiança para lembrar a V. Senhoria depois de
ter dito, por quem efta eleição he patroci-
nada. Guarde Deos a V. Senhoria muitos
annos , còitio dezéjo e Portugal hámiiler*
Villa França 14 de Agofto de i66j. ^ ^^
Capellaó e menor Servidor de Y4
Senhoria.
António Vieyra.
CAR-i
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 297
CARTA LXXVIII.
AT>. Rodrigo de Menezes.
SENHOR :.- Com o que leyo nefta carta
de V. Senhoria de 21 , califico , e con-
firmo mais o nome q dou de loucuras
aos dezejos do meo zelo : emuy bem con-
vence V. Senhoria aindifcriçaõ delle , em
tlezejarque as noticias de noííTas vistorias le
eftendao pelo mundo em todas as lingoas ,
quando o nõíTo defcuydo as dilata tanto na
própria: eathe os meímos vencidos, e ini-
migos reprovaõ a defigualdade do pouco que
fe eícreve ao muito que fe obra. Grande bem
fera que fayáõ outras relações conformes c5
a verdade, ainda que tarde,para que desfaça ,
e naõ perpetue o efquecimento o que calou a
-negligencia , ou a defgraça. De todo o gé-
nero de palavras fomos avarentos ,e nenhum ,
género ha de ingratidão , em que a noíTa fe
naõ califique com Deos , e com os homens. ;!
Aknaíahãa entra o mes de Setembro ,en;i
>^ue os interpretesnos tem alyoroçadç taato
ipS C A R T A S
a expeâ:aça5,-e pofto que o prazo parece muy
limitado para grandes mudanças,em alguma
couza fe podem ajuílar os difcurfos aftrolo-
gicos com as coníideraçoens politicas. Di-
zem-me que fe tem formado neíTa Corte hu-
ma Junta de Miniftros de todos os Tribunaes
para arbítrios de tirar dinheiro em grande
fomma. A neceíTidade o pede aífím , e nunca
fera taõ grande a fomma , como a neceífida-
de. Mas haver chegado nefte mefmo tempo
a frota das índias , nem he boa concurrencia
para a fama dos Eftrangeiros , nem para o a-
lento dos inimigos. Na5 fallo na opreflaõ
dos naturaes, de cuja fidelidade , e obriga*
çaò fepòde fiar tudo j mas também pudera
fobrevir efte accidente menos intempeftivo
em anno mais abundante que o prezente, cu-
ja efterilidade por eftas partes ameaça muito
aos pobres , e naõ empenha menos aos ricos.
Eu jíempre me encofto á parte do receyo , e
naõ fey fe he ifto covardia , fe he amor. Me-
yos tem Deos com que acodir a tudo , e bem
fácil era o da idade , e novo achaque delRey
Felippe , Ut unm mortatur homo , ne tota gem
fereat. Muito eílimey ver a carta daquelle a-
e o defe^rgano dos primeiros artificies
»c^ue
DO P. ANTÓNIO VIEYRA* 299
que cada hora fe hiraõ declarando mais. A in-^
troduçaõ de graça de D. Joaõ de Auftria he
matéria problemática : fe tiver a dos natu-
raes , de que mais fe pôde duvidar , he certo
que tem a dos Eftrangeiros , aíTim em Flan-
des , como em Itália, com mayor conheci-
mento dos Eftados , Naçoens , e peíToas, do
que teve nenhum Rey'de Hefpanha depois de
Garlosí mas aíuppoíiçaõ deftemefmo cafo
dará mayores motivos , e efpertarà mais os
pretextos em França. Cartas há para todo o
jogo, e mais fe as baralhar a noíTa fortuna.
Nunca falley a V. Senhoria no cazamento
da Infanta deCaftella, e na dilação, e na
defvanecimento dos noíTos. O author da car-
ta fabe, ecoftumalizonjear: eosmeospen-
famentos também me tem lizonjeado a mim
nefta matéria , enaõ poucas vezes., nem em
poucas occafioens. Muito ama Deos a S. Ma-
geftade. Naõ conheço o Pregador dos feos
annos, mas feyque no Brazil hà açúcar bran-
co, e mafcavado , e que ainda no fino ha
mais e menos. Os engenhos naquella terra
ha queixas que eftaõ perdidos , e nefta ( o que
V.Senhoria por lhe fazer mercê acredita)na5
fó perdidos, mas de todo acabados; e melhor
Ppij foy
300 ,h}Ví:-C AK T A S. -
fóy qu.€ líaõ cahifle o defcontetitamento íb-^
bre a eleição de V. Senhoria. Em tempo em
que fó vala lizònja , na5 podia parecer bem
quem profeííafó a verdade : mas elle terá pa-^
ciência em quanto D eos o na5 muda , que fe-
ra, fe eu me naõengano 5 muito brevemente.
De Alemanha vi hum notável prodigio por»
relação impreíTa , que na5 refiro ,porqup»
ílipponho haverá chegado a V.' Senhoria)
Também dizem os que entendem das eftrel^
las, que appareceo éftes dias huma nova na
Nao Argos. Bom prognoftico para osque^
efperao por mar as felicidades! A minha efí
perançíi nao limita lugar , hemiclementOé
De qualquer parte, e com qua^lquer nome que
Deos mande á íua Igrej a o remédio da Ghri4
fl;ândade,o aceitàrey com igual acçaõ de gra4
çás. V. Senhoria me tenha nafua , e o meC-
mó peço ao Marques meo Senhor, a cujos pes
eftpu fempre. Dèos guarde a V* Senhoria
mijitòS: annos, comodezejo, e havemos mife
ter; Villa Eranca^ ultimo de Agofto de i66j.
Creado de V. Senhoria, ,^ ,,^
António Vieyra.'^*^^
CAR-
/■■ .
DO P. ANTÓNIO yiEYRA. 301
i)j
f.
ENHOR: Mais novas, do q V. Senho-
m\z< me ; dâ.; le me comunicarão nefte
_ corr eyo, cÕ efpecialidade fct re a Peí*
íoa do Senhor Marquês queDeos guarde^e fo*
bre o lugar onde V. Senhoria aíliília aquella
íçmana :e todas concordao muito com o nor
irie <ou definição de Babyloniaj que he o que
inelhor explica a confuíaõ da noffa Corte ^e
as confufoens em que fe achaÕ os entendi-
líientos ,íe vontades de todos' os queamaò o
<:.Qrpo'defl: a cabeça , ezeiaõ íua confervar
ça5.\Nem me admira que com V. Senhoria
lhe chamar Babylonia,me dezeje V. Senhoria
nella ^ porque os myfterios com que fe falia
por pápel^accreícentaÕ: Os tormento, e as per-
plexidades, quefó podem ter allivio, quando
naÕ remédio , na comunicação da prefença.
Eifta he a mayor penlaõ do meo defterro, e do
grilhão:, que fo por efta caufa dezejár a muito
ver quebrado, ou mudado para lugar, onde
a dif-
IMÊÍl
301 'CARTAS
a diftancia me nao impoflibilitàra tanto efte
allívio. Seja Deos bemdito que aflimo difpôs
íiia Providencia por meyos, €m que eu cuidey
que era elle fervido,e nao ofFendido. Mas em
quanto me na5 faltar a coníbiaçaõ de que V.
fSenhoria e o Senhor Marquês paflaã com
faude j em tudo o mais me conformarey,eípe-
tandcro beneficio do tempo, que por todas as
vias vay confirmando aselperanças quenos
tem dado.
Por todas as raíbens que V. Senho ria pon-
der a^ me parece também impoífivel a campa-?
nha que o inimigo publica, fem embargo do
avizo de S. Mageftadc, que oReytor da Uni*
veriidade teve de que elle intentava entrar
pela Provincia da Beira, e fe afíirma eftarjà
em Alcântara o mefmo Marques de Carace-
na com pê de exercito, como avizou AíFonlb
Furtado mandando hir c5 preíTa os auxiliares
deftas comarcas. Mais cuydado da a pefte de
Inglaterra, para cuja cautela mandou S. Ma-
geílade fe nomeaíTe aqui hum Guarda Mor da
faude, com íuperintendencia a todos os por-
tos defta Cofta^porque havendo de fer admit-
tidos , como também fe ordena ^ os navios ,
peffoas^e fazendas dos Inglezes, nao coftuma
fer
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. 303
íer a noíTa vigila ncia taÕ exada , que nos fe-
gure do grande perigo. O anno tem trazido
a fome, que ainda fe teme mayor,fe as chuvas
que por efta parte começaõ , continuarem: e
nos vemos ameaçados no meímo tempo com
os três açoutes queDeos denunciou aDavi4
por hum peccado que naõ excedia de venial.
Naõ fey fe osnoílos fobre as circunftancias da
ingratidão merecem nome devenialidades.
Deos abra os olhos aos que taÕ cegos eftaõ
com os favores da Mifericordia^para que naò
experimentemos todos as execuções da Jufti-
ça. Ao Marquês meo Senhor beijo mil vezes
a ma 5 pela mercê que me fas , cuja PeíToa e a
de N , Senhoria nos guarde a Divina Mage-
ftade como eu dezejo , e lhe peço , e Portugal
ha mifter. Villa Franca 7 de Setembro de
166 f.
Capellaõ e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra.
QAR-
C AR T
CARTA
A T).Rodrím de Menez^es.
wXíC'J'VJi ?0
ENHOR: Também eu quero começar
pelo Ceo : e digo que vi aeftrella no
^ lugar,eâs horas, e cò a grandeza, eluz
íkdmiravel, e mais cireuriftanGias com que^VIl
Senhoria adefcreve:e tudo comuniquei ao Pa-
dre iCondone 5 que he Mathematico Italia>-
aiíp / é elle também a oblervou , e íeguiido a
rfua aftronomia, diz que he a mefma Vénus, a
qual y pelo íitio em que agora fè acha com
o Sol , eftâ chea , e poriíTo fe moftra do-
bradamente mayor que fi rhefma cm outro
tempo. V. Senhoria julgara fe eíla íiia ra-
fa5 ne bem fundada, da qaal eu naõ poíTo
fazer juizo , e muito mais fendo encontrada
á minha fé , que he feguir em tudo o parecer
de V. Senhoria.
Vindo à terra: Notáveis faõ as novidades
que V. Senhoria me diz do mundo, e me per-
íuado , que Deos quer fem duvida humilhar ,
e acabar aos Olandezes. Sò nos faltava ago-
ra
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 30J
ra que com a morte delRey Felippe fe con-
cluiííe huma paz , ou comprida tregoa entre
nòs e Caftella^para que defembaraçados defte
impedimento pudeíTemos empregar huma
boa parte donoíTo poder no Oriente, éter
V. Senhoria inftrumentos com que reduzir à
pratica as ideas do penfamento , e confeguir
os triumfos , que também entendo começou
Deos a difpôr na eleição da Peffoa de V. Se-
nhoria.
As novas de Lisboa faõ laftimofas , e
mais que todas as que tocaõ aonoflb Mar-
quês , c attenuaçaõ de íiia Caza. Diziaõ-me
que começava a eftar bem vifto do Valido ,
mas efte deígofto he mayor que tudo o que
pôde contrapezar a graça dos homens. De-
nos Deos a fua , e a V. Senhoria guarde mui-
tos annos para oque eu deíiia Providencia eP-
pêro. Coimbra , onde jà fico ij de Setembro
Creado de V*. Senhoria.
António Vieyra.
Tom, L
aq
CAR-
joá
CARTAS
CARTA LXXXI.
AT>. Rodrigo de Menezes.
ENHOR : A occafiaõ de que avizey a
V. Senhoria no correyo paffado, me
_^^ tem tomado o tempo demaneira, que
mal me deixa lugar de efcrever eftas duas rer-
gras. Os aproches fe apertão com grandiflí-
mo rigor , e naõ fey que fe pofla efperar deíla
viâroria, havendo ta5 pouca occafiaa para
tanta guerra. Queira Deos que matiaõ faça
quem no la faz. Efperò com cuydado are-
pofta de V. Senhoria ^ e de todas as noticias
que V. Senhoria puder colher , me importará
nàuito o roteiro,para faber como heyde nave^
gar em mar tao tempeftuofo , e noyte taõ eí-
eura.
Hontem foraõ os 20 deSetembro^e me ti-
nha efdritojoao Nunes da Cunha em carta
de 14 de Agofto, que nefte dia ameaçavao as
eílreUas hum grande perigo neffa Corte, e
accrefcentava as palavras íeguintes : O dia de
9 de Setembro he de expeSiaçao para ejle ReynOy
ijlo
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 307
ipô he o qfe le nas eftrellasiO Senhor delias fará o
que for fervido , V. Paternidade guarde efiac ar--
fa^porq quero qfe conheçao os meos erros, Ejí cw^^-
do que fera o fuceeffo no Reyno y maspò-defer que
fora delle,Kt\\Q(\u\2iS palavras da carta, a qual
^u moftrey logo entaõ, e todos nos admira-
mos da fegurança daquelle modo de fallar.
Na5 falta quem cuyde que he ajudado de al-
gum oráculo Re ligiofo da Cidade do Porto ,
ou vizinhança lua^e como todas as cartas que
tivemos do correyo,concorda5 em que o ííic-
ceffo de Alemtejo foy aos nove , e que o ini-
migo vinha intreprender hurna praça , e que
ine tomamos a artelharia, e muitos priíionei-
ros, e quç o encontro foy dentro efora do
R^eynfo^: poi* todas eftas cir çunftancias fe en-
tende que as eftrellas , ou oráculo fallou ver*
dade no primeiro prognoftico , e aflim fe te-
me que poíTâ ter fido no fegundo , e por eíTa
tençaõ fe diíTeraõ hontem muitas miflas, e fe
eípera commayor cuydado a certeza deter
paíTado aquelle dia com tanta paz de Lisboa,
iaude e felicidade daPeíToa deS. Mageftade
^como havemos mifter. Ó certo he, que na
'prefença , e na auzencia acompanha as--nof-
las armas a felicidade de feo General, dè <me
3o8 C A R T A S
dou a V. Senhoria o parabém, e ao Marquês
meo Senhor, cujas mãos beijo fempre. Deos
guarde a V. Senhoria muitos anno como de-
zejo. Coimbra zi de Setembro de i66^.
Capella5 e menor Creado de V.
Senhoria.
António Vieyra,
CARTA LXXXII
Ao Marquês de Gomj^^fu
Ci
OM mais goíloderá aV.Excellen-
cia as boas Pafcoas , fe eftivera livre
^^^^^ do fufto em que me tem as novas dei-
te correy o. Francifco Paes Ferreira mas deo
de V. Excellencia ficar com grande melhoria
do accidente , e o Graõ Duque de Tofcana
me aflegurou muito mais o haver V. Excel-
lencia livrado de todo o perigo 5 mas o meo
cuydado naõ fe fatisfas athè me na5 conftar
^ com
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 309
Gomtoda afegurança deque V. Excellencia
eftâ inteiramente reftituido à faude quetaò
neceííaria noshe, e entre todos os creados
de V. Excellencia nenhun:i mais que eu deze-
ja. Eu hà mais de hum mes que padeço mui-
to 'y mas todos os outros fentimentos ceíTaràã
fe o corr eyo que efperamos , me trouxer efta
alegre riova , pela qual oíFereço a Deos todas
minhas oraçoens e facrificios. O melmo Se-
nhor guarde aV. Excellencia como Portu-
gal , e os creados deV. Excellencia have-
mos mifter. Roma z 8 de Março de 1670.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
GAR-
310
CA R T AS
CARTA LXXXIII.
Ao Marquês de Gouvea
TODOS os correyos me trazem me-
lhoradas novas dafaude deV.Ex-
cellencia ^ com que tenho quanto
dezejo , nem quero outras do mundo. Ode
Itália eftâ todo quieto,íem mais novidade que
naícer hum filho ao Grão Duqu^: q^ue efte
moço fe deo mal fora do terreno de Floren-
ça. O Papa vive , o Cardealreyna , e ambos
o fazem bem, porque hum excede naíânti-
^ade j outro na prudência : e tirando os que
dezejaõ a íucceíTaõ daquelles lugares , todos
os mais eílaõ contentes. De França íe aviza
ter embarcado o Núncio , que jà deve eftar
em Portugal, e naõ muy longe a Duqueza do
Cadaval, porque me dis Francifco de An-
drade partiria de Paris athè 1 5 oú 20 de Ma-
yo.Efpera-fe aqui por horas o Biípo de Lans,
e ouço fe queixaò em Portugal , que o noílo
Embaixador naõ applica à fua pretençaõ to-
das as inftaneias , fendo que tem feito , efaz
as
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 311
as poíliveis. Ser o modo das Bulias útil e da-
nofo, fe he implicação ,he coníequencia de
outra , que eftou bem lembrado, advertio V.
Excellencia no feovoto. Eu naò tive parte
nefte negocio, como em nenhum outro : mas
já tenho dado a V. Excellencia conta do que
em Roma fe julga, e tem eftes olhos por h o
eftarem mais perto. Mais temo nos negócios
de V. Excellencia os noflos confelhos^ que os
de Caftella. Deos guarde a ExcellentilTima
PeíToa de V. Excellencia como dezejo, e o
mefmo Portugal e creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma 6, de Junho de i6yo.
m
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CAR-
tr
CARTAS
CARTA LXXXIV.
Ao Marques de Gouvea.
DE que V. Excellencia me fes mer-
cê, recebi em lo de Novembro com
^^ ^ij^ a Relação, e duas copias inclufas,
que he o mefmo que mandar me V. Excellen-
cia as Profecias com o Comento. Naõ fey o
quediraõ agora os que fundarão taõ grande
maquina fobre huma preíunçaõ falíivel. O
que me fes rir e triumfar muito ( como faço
em todos os fucceíTos de V. Excellencia) he a
fanta finceridade , com que V. Excellencia
confirmou p feovoto, e impugnou os con-
trários, fó com referir a confulta , parece-
res , e refoluça5 defla Corte.
Ella he coufa admirável , que os Confe-
iheiros de Caftella fe conformem tanto com
os noííos , e que tenhaõ taõ pouca chriftan-
dade e politica , que quiferaõ para o feo Rey-
no , e fó para elle , o que nòs lançamos do
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. 313
noíTo. Mas nem por iífo entendo fe daraõ por
mais carregados nas fuás confciencias , no
que tinhao tranfplantado para Holanda e In-
glaterra, naõ fendo menos o que tem vindo
para Itália , onde quando fe foube a refoluçaõ
de Portugal, fe diffc : E o peor he , que fenaÕ
haõde de confeíTar os Portuguezes difto. O
negocio de Inglaterra nos ajuda a acabar de
entender, fe quizermos, quanto nos devemos
fiar de correfpondencias , nem em efperan-
ças fundadas mais que em Deos fem nós. Te-
mi rauito que D. Francifco de Mello feguiííe
o brio de fe querer fahir da Corte ; mas em
quanto ella fe acomodar com a diífimulaçaõ,
parece que obrara taõ prudentemente, como
J^ps^eni nos prevenirmos de tal poder, e opi-
nião, que fe nos naõ façaõ defprefos fem te-
mor ; e mellior fora naõ querer introduzii''
no mundo huma novidade de que naõ po-
diaõ nafcer fenaõ monftros , nem quem os a
confelhou devia de os antever^e também terá
prevenido o remédio , para que naõ morraõ
Tembaptifmo.
O Refidente eftâ jà melhor , e em eftadt),
quelhediíTe eu hoje, que importava ou tor-
nar a adoecer, ou fahir a publico, havendo
Tom.l Ri- ^^es
314 CARTAS
tres mezes que eftâ em Itália , e dous em Ro-
ma. Mas em Portugal fe efquecem tanto deU
le, que fobre lhe eftarem devendo fete meza-
das , athegora nem mezada , nem ajuda de
cufto lhe tem vindo , e athè carta lhe faltou
nefte correyo.
Efpera-fe a prenhes deFrança^e ainda
que hoje correrão novas de alguma perturba-
ção confideravel , na5 fe lhe da credito. As
gazetas de Ancona dizem que o Abbade de S.
German trazia ajudado o focorro de dous
terços Portuguezes e liga entre França e Por-L
tugal contra os Holandezes na Indiai. O
fecreto defta negociação me faz prová-
vel poder fer aíTim, Quanto aos apparatos
Francezes : fe tem confervado impenetravel-f
mente ás intelligencias de todo o mun-f
do.
Aqui na5 hà novidade mais, que o comer
çaraexeicer com o nome dejefus oEmbai-
xador Jefuita : a caza dizem que fera muy
íufida, mas todos de roupas largas j fendo
certo que na5 faltara hum Miniftro taõ Re-
ligiofo de concordar a authoridade com a
modeftia. Deos guarde a V. Excellencia em
todos os tempos, como o noífo Reyno , e os
^ Crea-
i4|
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 31 j
jGreados de V. Excellencia havemos mifter.
•Roma 19 de Dezembro de 1(^70.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CARTA LXXXV.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor. Fal-
toume neftecorreyo carta de V. Ex-
cellencia e nem poriffo me tenho por
menos favorecido , por que fey quanto tem-
po leva5 as vizitas , e quam precifa he a paga
deftas dividas , de que já confidero a V. Ex-
cellencia mais deíempenhado.
Aqui naõ há novidade. Por t oda ã femã-
na que vem , me dííle hontem o noíTo Embai-
xador , hiraõ os Bifpados com as letras abeí-^
tas ou cerradas , fobre que fe fiz eraõ duas"
Congregaçoens , e ainda nao eftâ refoluto,
Rr ij me-
3i(í C AR TA S
melhor fora naò intentar^que naõ confeguír,
nem dezejar os fins , fenaõ fe haõde aplicar
osmeyos. Acabada efta função , e naÕ ha-
vendo Capellos, porque eftes que havia eftaõ
providos, parece que fica pouco que fazer ,
e menos que efperar. -
Fez o Vice-Rey de Nápoles Embaixador
de obediência as fiias entradas com grande
oftentaçaò , eu as vi , porque paííaraõ pela
noíía porta , fendo taõ pouco curiofo que
morrem Papas , e fe coroaõ , e nada vejo.
Mais gôfto de ver em Roma as ruinas e defen-
ganos do que foy , que a vaidade, e varieda-
de do que he , e com ifto me parece o mundo
muito eftreito , e a minha cella muito larga ,
fó me falta poder difcorrer com V. Excellen-
ciafobre ifto huma tarde, ainda que naõ fo-
ra à vifta das moletas do Tejo, nem das hor-
tas de Santo Antaò. Hoje começaõ as mafca-
ras do Carnaval , em que eu digo as tira5 ^
porque verdadeiramente moftraõ que naõ
laõ por dentro , o que parecem por fora.
Muito nos magoou ofucceííb da Rainha
que Deos guarde, e muito mais o confelho
que a deixou meter em tal perigo : de cá o vi,
e cfcrevi , e hoje recebi carta em que dando -
me
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 317
me a nova , me cliamaraÕ profeta , mas fem-
pre o fera 5 quem demâs refoluçoens prpg-
nofticar femelhantes fiicceflos.
Nefta Corte eftâ o Padre António Vas de:
q fou antigo amigo , e o pudera fer de menos
tempo aeftapartepelaíêmelhãça da fortuna:
Em Lisboa o tratarão como inconfidente,
fendo hum dos mais finos Portuguezes de
quantos fe prezaÕ defte nome • V. Excellen-
ciadeve terbaftante informação defeos ta-
lentos , e a melhor de todas fera a experiên-
cia , que toda a mercê que V. Excellencia lhe
fizer j a receberey muy particular.
V Eu fico trabalhando na Canonização dos
Martyres,que por muitos^e Portuguezes, tem
encontrado grandes embaraços na emula-
ção , com tudo efperamos que antes daPaf-
coa nos dê S. Santidade eftas boas feitas , paf-
fadas ellas,entrarey em coníulta com a minha
vida , efperando a refoluçaõ do que tem o lu-
gar de Deos , porque naõ quero ter parte neU
la. Vejo que fe incIinaÕ a que fe cfcreva , e fó
me inclino a naõ ter nem moftrar inclina-
ção , e a fazer o que me ordenarem que he a
mais fegura razaò,que poíTo dar aDeos quan-
do me pedir conta, para que fó trato de me
apa-
31? .ívA..'C'A^R^T^^;A'S'; ::"T
aparélfar. , e' com iftoa tetibo dado de mim a
V. Excellencia quanto de prefente poíTo.
Deos guarde a V. Excellencia muitos annos,
como o noíío Rey no, e os Creados de V. Ex-
cellencia havemos mifter. Roma 31 de Ja-
neiro de 1671.
Oi.» j
Creadódè V. Excellencia.
António Vieyra.
Ao Marques de Gowvea» <
XCELLENTISSIMO Senhor : efte
correyo que trouxe defla Corte no-
_^ _ vas do novo defcobrimêto de minas ,
me enriquiceo com duas cartas da maÕ de V.
Excellencia, que beijo mil vezes por tanta
mercê , e honra, e dou graças a noíTo Senhor,
que V. Excellencia palie com a íaude que ha-
vemos miíler , ainda que'entre neves , de que
athegora aqui eftamos livres. '^
Acar-
i
DO P. ANTOT>[IO^V1EYRA. 319
A carta em quç^. Excellencia dâ os pa^
rabens ao Senhor Embaixador de haver bota-
do de parte o negQcio dos Bifpados, lhe quis
moftrar ante honteiíi, mas fendo jà dadas as
onze pela medida dos nolTos relógios ,. ain-
da o achey na cama reftituindo ao fono [ co-^
mo me diíTeraÕ ] as horas que lhe tinhaõ
tirado as comedias do Carnaval , que aqui
fe fazem de noite , e digo que fe fazem , e
naõ fe reprezentaõ , porque o que fe vè ,
mais parece obrado pela natureza , que fin-
gido pela arte , mudando-fe de repente os
edificios,em boíques 5 a terra em rhar , os
penhafcos em jardins , e o melhor que ift
to tem , he , que também o podemos ver
os Padres, da Companhia nos noíTos Semi-
nários, onde efte anno fe recitarão pelos mef-
mos-eíludantes duas famofashifl-O rias j huma
de Santa Ita , outra de Santo Canuto : nas
n;óíras quarenta horas, fe reprezentou pelo
mefmoí artificio a batalha de Jofiié , como
Sol parado , qucfoy couza mageftofa , e muir
to para ver , naÕ fe vendo mais que os re-
flexos dos lumes , queeraõ mais de féis mil,
£ tudo ifiohe o que poíTo dizer deftes dias
a V, Excellencia^ o demais fe o houver, hi-
ra
m
310 C A R T AS
râ no Próprio que cada dia parte , e naõ aca-
ba.
Das novas do Norte terá V. Excellen-
cia nefla Corte mais frefcas, e certas noti-
cias. As de Levante prometem grandes no-.
cidades neft a primavera , porque os appara-^
tos do Turco^aífimdaterrâjComomaritimos,
laõ formidáveis. Hunsfallaõ em Malta , ou^
tros em Sicília , e efta voz fe tem por mais
provável.: Hum grande Princepe de Polónia
aggravado de fe lhe negar certo pofto que
per tendia , moftrou quam pouco merecedor
era, delle, com fefugeitar ^o Turco, e lhe ju^
rar fidelidade. Também fe paffáraã à Tran^
filvania alguns Senhores , e Magiftrados dos
de Ungria , e de Croácia fe efcrevem cou^
zas femelhantes , que aqui naõ da5 muito
cuidado. Caza huma fobrinha do Cardeal
Nepote com hum Princepe da Caza Urfina ,
que fera herdeiro delia , e para hum feo Ir?
maõ Frade de S. Domingos , dizem que e&
ta deftinado hum dos primeiros Cappellos
que vagarem , mas os Eminentiflimos paf-
fando muitos de 70. annos , fe defendem da
vacatura galhardamente.Sua Santidade Deos
o guarde eftâ muito bem difpofto , é pro-
mete
DO P. ANTÕNÍO VÍÈYRA. 321
mete guardar o depofito por mais tempo do
que fuppos a concórdia dos Eleitores. He
de vida innocentiffima , e mais benemérito
dos Santos , que muitos de feos AnteceíTo-
res juntos. Eíperamos a declaração dos qua-
renta Martyres do Brafil , mas he a mayor
diíEculdade ferem muitos. O noíTo malogra-
do Princepe ca anda eftampado nas gaze-
tas , è de boa maõ me efcrevem , fe repete
a viagem de Salvaterra. Daqui por diante
começarão a fer mais pontuaes as novas de
Madrid , em que fempre eíperó com anciã
muito boas de V. Excellencia. Deos guar-
de a V. Excellencia muitos annos como
dezejo , e os creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma 14. de Fevereiro de
Greado de V. Excellencia
António Vieyra.
i^fí
ViT
Tom» L
Ss
GAR-
ff?
Q AvR -T jA S
CARTA LXXXVII.
^''Marquês de Gouvea.
T XCELLENTISSIMOSenliorrdizem
que parte a manhaa hum correyo ,
y e pofto que o próprio, e ordinario^en-
tendo chegarà5 nos rnefmos dias , naÕ que-
jpo deixar de folicicar os favores de V. Ex-
celleocia por todos, como em todos ostí-
<s:.nEmfim 5 vaõ nefte deípacho fete Bifpa-
dos, a faber : Guarda , Lisboa , Coimbra,
Jb^iria , Goa , Ba.hia , e hum in partibus
para o Capellao Mor com titulo deHipo-
nia ^ e fera o Senhor Luis de Soufadignif-
fimo fucceflbr de Santo Agoílinho. Lem-
brame hum dito d'ÉlRey D. Joaõ ao Ca-
pellao Mor Manoel da Cunha , mas naõ que-
ro fazer memoria dos mortos, porque me naõ
cauzcm as faudádes, que me naõ merecem os
vivos. Eftes faõ os Bifpados da primeira pla-
na, fobreque fera muito para ouvir oArce-
bifpo de Évora, pofto que fem razaõ ,• mas
como
DO P. ANTÓNIO VIYERA. ^i^
corno falia taôalto, também cá chegaõ as
llias queixas, como chega5 os feos votos.
Va5 as Bulias abertas, e ainda naõ fey como
Í€ concordou eíla duvida : ouço que dizem j
DtleãojiUoRegíPortugallíde^ç. que mais abai-
xo fe nomea D. Pedro Princepe , e Governa-
dor de Portugal, que , fem embargo das re-
gras em meyo , fe devem entender como íub-
ftantivos continuados. O que tenho por cer-
to, he que os termos , quaeíquer que feja5,de-
vem fer muito honoroficos, e muito fem ef-
crupulo, pois o Senhor Embaixador os ad-
mittio, tendo trabalhado nefte ponto , como
nos demais,tanto à Portugueza no valor, co-
mo á Romana pa deftreza. Se elles entendem
huma couza , e nôs entendemos outra , cada
hum cuidará o que lhe eftiver melhor. Vaõ
poderes ao Núncio parafagrar os primeiros
Bifpos, com afliftencia de duas Dignidades ,•
delle fe naÕ fabe mais , que haver partido de
Paris para a Rochella , e fufpeitarle em Ma-*
drid que eftava occulto naquella Corte , mas
ainda que eu tenho taõ grande opinião da lua
grandeza, náõ me parece taõ pequena cou-
za o Núncio de Portugal, que fe pudeíTe ef-
conder nella.Ifto he,Senhor,tudo oque poíTo
Ss ij dizer
inll
'-:0^
314 C A R T'T?^"S
dizer de prezente , mais por fallar com V*
Excellencia , que por dar noticias de Roma ,
quando V.Excellencia as tem mais verdadei-
ras e puras da mefma fpnte , onde eu acudo
poucas vezes 5 porque n ao tenho fede , nem
vazilha. Deos guarde a V. Excellencia mui-
tos annoSjComo dezejo , e como o noíTo Rey-
no , e os creados de V. Excellencia havemos
mifter. Roma ii de Fevereiro de k^^i. í1
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra. -
C A R X A LXXX VIU.
\, ião '^Marquês de Gouvea.
^ XCELLENTISSIMO Senhor: pelo
correyo ordinário , e pelo próprio
^ _ que defpachou o Senhor Emb aixador
pouco depois,elcrevi antes de haver recebida
a ultima de y^ JExceliencia , que como fem-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 31J
pre digo , e nunca faberey baftantemente de-
clarar, he o único allivio defte defterro , co-
mo o único argumento de que ainda naõejF-
tou de todo fepultado, pois vivo na memo-
ria de V. Excellencia.
Daqui naõ ha que avizar, mais que hirem
neíla occaíiao três Biípados , Braga , Porto ,
e Algarve. Do primeiro, e ultimo dou aV.
Excellencia o parabém , e naõ fey fe mais do
ultimo , porque fey quanto corre a V. Excel-
lencia pelas veas mais a amizade, que o fan-
gue.
De Lisboa naõ fé aviza couza que tenha
nome, mais q a prizaõ de D.Francifco de Li-
ma,e o allivio da de D.Francifco de Brito,am-
bos por culpas ultramarinas. A defgraça de
Villa Franca, me diz D.Theodofio , foy muy
antevifta , e que entre os brados dos que pe-
diaÕ fenaÕfizeíTe a jornada de Salvaterra,
entrarão também os requerimentos do Juiz
do Povo. Da letra julgara V. Excellencia,que
tambcm em Roma fe paíTaÕ muitos frios. Os
cobertores de papa aquentaÕ cá melhor, que
os de Madrid, mas naÕ faõtaÕ largos que fe
eftendaõ atodos ,• com tudo eftaõ contentes
os povos , porque fe tira menos laa ás ove-
lhas.
■•^\
ji(í CARTAS
liias , que em outro tempo. Jà reprezentey a
V. Excellencia a amizade que profeílo com
o Padre António Vas, e as obrigaçoens que
lhe devo , em quanto naõ canço a V. Excel-
lencia com outros memoriaes ; o que digo ;
porquçhontem me pedio hum para V. Ex-
cellencia hum Frade Caftelhano. Excellen-
tiíTimo Senhor , Deo5 guarde a V. Excellen-
cia, como Portugal, e oscreados deV/Ex--
cellencia havemos mifter. Roma ultimo de
Fevereiro de 1(^71.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra,
CARTA LXXXIX.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor: man-
dame V. Excellencia que me emende
_____ na correfpondencia , e naÕ pôde ha-
ver para mim preceito, nem de mayor honra,
nem
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 317
nem de mayor gofto ; pofto que efpcro tenha
a experiência moftrado a V.Excellencia^ que
naÕ por emenda de algum defcuido , mas por
conhecimento de minha obrigação, tenho eu
fatisfeito a eíta em todos os correyos , naÕ fó
ordinários , mas extraordinários , de que hey
tido noticia , e fe naõ chego à tella de todos,
he porque aminhacella nomeyodeRoma,
eílâ muito longe da Cúria.
. : Nella naõ ha outra novidade publica
mais, que haver fallecido o Cardeal Gineti
com taõ aprcíTada morte, como larga vida,
porque fendo efta de 87 annos , duvida-fe que
chegaíTe a ter huma hora em que íoubcíTe
que morria j mas viveo fempre como quem
fabia que havia de morrer. Vagàraõ por fua
morte bons lugares , que logo foraõ providos
com o acerto que Sua Santidade coftuma ,
fuccedendo no Vicariato deRoma o Senhor
Cardeal Altieri. A vacância doCapeJlotem
muitos , e muito dignos oppofitores , a quem
«íè entende naõ fera muy agradável avinda
do Senhor Bifpo de Lans que fe efpera breve-
mente, e depois delicado Duque feoIrmaõ>
Embaixador extraordinário.
Ifto he tudo o que fey de Roma, mas tam-
bém
!|ilí;
328 CARTAS
também darey a V. Excellencia novas de
Madrid , que aqui chegarão de Lisboa , onde
ainda o Limoeiro parece que dâ fruto. Ha
aqui huma carta de lá , em que fe diz que em
hum encontro matàraó a V. Excellencia cinr
CO lacayos , e hum cochen'o , e accrefcenta a
gazeta de Génova, que efta nova foy recebida
em Lisboa, com indignação. A dita carta he
de 29 de Janeiro, mas foy Deos fervido que
feiveífe eu a de que V.Excellencia me fes mer-
cê de onze de Fevereiro , e outra de FranciP
CO Ferreira Paes da mefma data, com que fe
tirou a fubíiftencia a efta quimera. De outras
me avizâraò, que na5 refiro a V,]Exceliencia^
porque nao faõ tanto para rir , e certo que
me pudèraõ deixar viver emRonia, os que
nao quizeraò que eu viveíTe em Portugal. Q
tempo os poderá defenganar , ainda que nem
iíTo efpero , porque nenhuma couza defenga^
na aquemquerenganarfe.
Ouço que vaõ neftabàrcada osBifpados
de Évora, Lamego, Vizeo, e Funchal.Dos de-
mais negócios , íe os ha , terá V. Excellencia
as noticias por huma e outra fonte, daquel-
las , de que nao bebo.
Paffgy eftes quinze dias quafi fempre em
cama
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 329
cama de huma difluxaõ , de que tenho pouco
menos que perdido hum ouvido, e, fegundo
o que fe ouve , naõ he grande perda. O que
dezejo , he , que V. Excellencia paíTe com a
faude que havemos mifter , e que a purga ra-
dical o haja fido de maneira , que ficaíTe V.
Excellencia livre de toda a queixa.
A Canonização dos cinco Santos eílâ di-
latada athe o Domingo àt Pajlor Bónus ^ com
que a dos noíTos Martyres efperarâ athe â
Congregação da femana feguinte, fe naõ fo-
brcvier outro accidente que a prorogue mais.
Deos guarde a V. Excellencia muitos annos,
como Portugal , e os creados de V . Excellen-
cia havemos mifter. Roma 14 de Março de
Creado de V. Exeellencia.
António Vieyra.
Tt
CAR-
C A K TAS
:.:ri ob jííiEi":?
CARTA XC.
V^q, Marquês de Gòuvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Dou
infinitas graças a Noffo Senhor pelo
^^ ^ fufto de que nos livrou efte cor reyo ,
que era igual ao meo cuidado, com as noti-
cias que leyo nefta, de que V. Excellencia me
fèz mercê ,e efpero que a moderação- com
que V;ExcellenGÍa tem refoluto negar ao çò-
fto os regalos defla , e da noíTa Gorte , fera ò
mais prezente prefervátivo para naõ pade-
cer taõ fenfiveis mortificaçoens. O voto, co-
mo j à me lembra o roguey muito a V. Excel-
lencia , e agora com o zelo e confiança de
taÔ antigo creado,çcoiíi a experiência de
navegante , torno a pedir com mayor uiftan-
cia , naõ feja voto , como os das tempel-
tades , pois.ella % tao grande.
Aqui naò ha novidade mais que o matri-
monio da fobrinha do Cardeal Patrão com o
fobrinho do Cardeal Urfino herdeiro da-
quella Gaza, aos quaes ante hontem lançou a
-iCAI) . "' ' benção
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 3 3 1
bençaõ Sua Santidade ,• com que o noíTo Pro-
tector ficara mais entrado em Palácio , e na
graça , e nos poderáõ fer mais efficazes os au-
xilios dafua.
« O Senhor Embaixador , me diíTeraÕ em
fua caza, que fecretamente hia mandando
embarcar algum fato , e que fazia contas
€om os mercadores, que o aífiílem, que íaõ fí-
naes de algum movimento , de que naÕ te-
mos noticias por outra via.
A manhãa fe celebra a Canonização dos
•cinco Santos ConfeíTores , e depois delia fe
entendera com muita applicaçaõ na dos 40
vMartyres , que ainda naõ eftaõ livres de ini-
migos. Deos guarde aV. Excellencia coma
>faude , que eu lhe peço em todos meos facrifi^
cios , e o Reyno, e creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma 1 1 de Abril de 1^71.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
Ttij
CAR-
sg»
33^
C A R T A S
CARTA XCI.
y4o Marques de Gouvea.
'\ XCELLENTISSIMO Senhor : Eftas
cartas , de que V. Excellencia me faz
mercê , tem trocado os effeitos , por-^
que coftumando trazer o mayor allivio , ha
muitos correyos que multiplicao pezares.
Na5 quizeraver o achaque taõ contumâs , e
os accidentcs, ainda que menores^ taõ repeti-
dos jC dezej ara eftar muy perto, para que o rtieo
amor receitafle a V.Excellencia huiá fecreto,
que em femelhantes cirçunftanciashe ornais
leguro e o mais prezente. Senhor y o que im*-
porta,he viver^ e fe Madrid fe nao accommo-
dar a iíTo , feja em outra parte. Como creado
que t^i5 yerdíadçiramente ama, % V. E:>^cellen-
cia /háo qiiizeraque V. Excellencia íê acon-
felhàra nefte cazo com a fua generofidade ,
fenaõ com a rafaõ. O mayor/erviço que V.
Excellencia pôde fazer à Pátria, he confervar
a faude e a vida para a honrar, authorizar, e
governar muitos annos. Na5 me deixa o meo
lenti-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 333
íentimento, e o meo temor hir por diante
iiefta matéria, e fe V. Excellencia o julgar
por demaziado , lance toda efta culpa ao meo
coração , que toda outra dorfofrerâ mais fa-
cilmente, que as penfoens da que nem imagi-
nar £e at;:eve. Eípero que a Primavera neíTe
lugar feja mais conftante que neíle, onde tem
rigores de Julho,ainda que hoje, fendo as três
da tarde,na5 vejo o que efcrevo.Naõ ha outra
jiovidade defta banda , pofto que hontem me
diffe quem tem obrigação defaber do mundo,
que à Cândia eraÕ chegadas cincoenta gran-
des Cales de Conftantinopla com fequito de
outros apparatos , que fe foraõ certos , deve-
rão fazer mayor rumor. Deos guarde a Ex-
.eellentiíTima Peííoa de V. Excellencia mui-
tos annos,com a faude que Portugal ,e os cre-
.ados de V. Excellencia havemos mifter. Ro-
ma^ j de Abril de 1^71.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR-
\
334 CARTAS
CARTA XCII.
yío Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Du-
plicadatnente me chegarão as novas,
_ primeiro da conhecida melhoria , e
depois da inteira faude,com que, a Deos gra^
ças , tem V. Excellencia entrado nos mezes
<Jue mais no la aíTeguraõ. Eftas novas fim ,
que podem farár os òuvidos,íèm temor de que
aenhumas outras os faça5 adoecer.
' Parte efte próprio com a fegunda parte
das Bulias , que foy muito maisiacii de con-
ceder , que de concordar a primeira.E cert<>,
que efte fó argumento bailava para fe enten-
der na noíTa terra o pouco que fomo$ ama-
dos nefta. Qual dos dous exemplares nos pô-
de eftar melhor? Ouvi e vi que lá lhe chama-
rão monftruofidade, como íe o naõ fora hum
Rey com exercicio , e fem nome. Ifto fe quiz
concordar, e aífim o rezavao as Bullas,que de
nenhum outro modo podiaó hir abertas , en-
tendendo o Pontifice, e feos Miniftros, que fe
. ' ) nos
*&
DO P. ANTONIG TIEYRA. 355
nos fazia huma grande graça , como agora
entenderão , que em a renunciarmos nos fa-
riaõ offenfa , e as confequencias o moílrá-
raõ.
Aqui naô ha novidade mais , que correr
eíles dias, que o mar Adriático andava infef-
tado de muitas galês do Turco , que he certo
faz grandes prevençoens nos pertos mais vi-
zinhos a eftas còftas , e em diftância de me-
nos de vinte legoas.
Sua Santidade celebrou ante hontem o
dia deíiia Coroação, que càfe chamaõ os
dias das mentiras, porque todos Iheíígniíí-
caõ que veja muitos femélhantes , e he o me-
nos que í^ dezeja ; mas a diípoíiça5 em que fe
âcha , promette que lhe naó dará eíle gofto
em muitos annos.
Fes-fe a primeira Congregação, que cha-
maÕ Preparatória dos noííos Martyres, durou
quatro horas com grande controveríia : di-
yidíraÕ-fe os votos dos Confultores ^ rnas es-
peramos ter os dos Cardêaes , que faõ os de-
çifivos : eque Sua Santidade naÕ negue efta
gloria a íeo merecimento , cujas provai fe fi-
cao corroborando: amayor diíEculdade he
ferem quarenta Padres da Companhia , ç
^«^ muitos
ê
\
33^ C A R T AS
muitos dos Confultores de outras Religioèns;-
e mulaçaõ que chega ao Ceo, naò pode fer le-
na5 muito grande. Deos guarde a V. Excel-
leiícia muitos aanos,como Portugal,e os cre-
adòs de V. Excellencia havemos mifter. Ro-
ma 1 1 de Mayo de 1^71.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CARTA XCIII.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Com
o próprio dey conta a V. Excellencia
do pouco que elle veyo bufcar e leva,
e do mais, também pouco,que entaõ feoffere-
ceo. Agora temos a Corte no campo, onde fe
vaõ os EminentiíTimos defpedir delle , athe as
mutaçoens j là eftâ também o noílo Embai-
xador mais livre de negocios,do que confide-
ro
DO P. ANTÕNIO VIEYRA. 337^
ro a V. Excellencia encomendando fempre
a Deos, como devo, o bom íiicceíTo de to-
dos.
Os rumores do Turco eftao em lilen-
cio,mas naõ o caftigo dos que fe fiarão na íiia
vizinhança. Mandou o Émperador degol-
lar ao Conde Nadafti em Viena, ao Con-
de Serin, e ao Marquês Frangipani emNe-
oílat , e em PoíTonio de Ungria a Francifco
Romis^peíToa também de conta^alèm de mui-
tos outros de menor calidade, que juntamen-
te foraõ juftiçados, eentende-fe, que tam-
bém vpaílará a execução a algumas cabeças
do género feminino. As caufas , dizem , que
fe eftamparào , e naõ todas , pela enormida-
de de algumas.
íAqui agora nos tem emfufpenfaõ a jor-
nada e exercito de ElRey de França a Dun-
querque pela vizinhança de Flandes, Ollan-
da,e Inglaterra, fobre a qual fe difcorrc
com indicios paíTadoS e prezentes muito a
favor da Fé. Se aíTim for , fera acçaò verda-
deiramente chriftianiffima.
Eu fico como fempre aos pêsdeV. Ex-
cjellenciafcujaExcellentiflíma PeíToa Deòs
guarde: muitos annos como Portugal e os
Tom, /. Vv creados
3^3^^ ,AilT€' A R TA. S /i O
creados de V. Excellencia havemos
Roma 23. de May o de 1671.
VI
íiCreado de V. Excellencia.
: : r
António Vieyra. Didí
CARTA XCIV.
^ Marquês de Gomje£FP'^
1 ,. .\ .-,..,.,...j^, ^_.^^
SE algum dia na5 teve lugar o Styvai>
lesy hene eji^ ego quidem valeo , he na efti-
rilidade deíle correyo. Da minha faude
naõ o poíTo affirmar com tanta certeza , co-
mo porem a tenho da de V. Excellencia fem^
pre de bem em melhor, he tudo o que poíTo
defejar.
Eu ^Senhor , prèguey em Roma dous Ser-
moens , porque era o Governador de Santo
António hum filho do Senhor Embaixador
a quem todos devemos efta obediência por
íúa
DO P. ANTÓNIO VIEYRÁ. 339
fua peffoa , e mais pela quereprefenta , ainda
que nem a imagem, nemofantohajaõ feito
milagres por mim.
Já diíTe a V. Excellenciaque me naõ
atrevo a pregar em Roma, porque os Ita-
lianos naò entendem o que digo , e os Cafte^
lhanos querem entender mais do que digo^
e aflim ficou efte anno Santo António kiii
Sermão , naõ faltando neíla Corte Portugue-
zes que poderiaõ naõ fe haver efcufado , pois
tinhaõ menos juftificada caufa. Eu fico tiran-
do em limpo eftes e outros Sermões no pou*
CO tempo que me da lugar a demanda dos
Martyres. Naõ fahiráõ à luz fem primeiro te-
rem aapprovaçaõ de V. Excellencia, com
a qual me poffb prometter a do mundo. Deos
guarde a V. Excellencia. Roma lo. de Junho
deí^/i-
Creado de V. Excellencia
António Vieym.
Vvij
340
G A R TAS : GO
mif
CA
:'-^p. Mm%mÍí. de Qouvea. . a
XCEL lentíssimo Senhor : Ef-^
crevo a V. Excellencia do Purgato^
^^/^-glo;; taes íaõ as calmas com que aqui
fe paffa , de que também naõ confidero livre
Madrid , pofto que com mayores defeníivos.
O que for melhor para o eftabelecimento da
faude de V. Excellencia , he oquedezèjo ad
tempo , e o que peço á cautela de V. Excel-
lencia. ,^:?ab imDCTOl
Laftimofo foy o incêndio do Efcurial, e
de peoresconfequencias a perda de Panamá^
que aqui fe confola com aefperança-, dequé
os aggreflores fe contentarão com ofaque.
Aos Caftelhanos /e anos quizera mais na-
vios, pois fe naõ podem unir com outras pon-
tes Monarquias tao divididas. Por avizos de
Flandes e Inglaterra fefabemaqui novas de
Goa e Bombaim de athèfim de Novembro
do anno paíTado , em que nem era chegado o
Yice-Rey,nem navio algum da fua conferva.
Gaf*
/
DÕ P. ÁN*rÔHÍt)^VÍEYRA. 341
Gafpar de Abreu deo conta da fua pro-
moção , oii mtadança paira eftá Rcíidénciaj
com os ordenados de JoaÔ de Ròxás ^ e copia
da carta em que Sí A. ordena ao Mârcjuçs das
JMmks- Iheeiití-egue o^papeisVe*ft recolha à
ília caza , o que dizem fará depois da refref-
cada, porque o Refidènte fe paíTàva Halli a
quinze dias a França com fua caz^a athè Mar-
felba ^ e promette eíperar em Itália as rnuta-
ÇÒens. - Eíperafe ©í P^roprio com a ultim a r3Êfo>-
liíçaõ fobre o pontodas Bulias , em que pare-
ce .naõ haverá diíficuldade , como nunca a
tem olnenos , depois de concedido o mais.
Áffitn fe cuida cá./ mas de lá & efcreveo, <aceí>-
to Kíiniftro noíTo , que mais fabe o fandèo no
fco y que o íízudo no alheyo. O que íiippoem
efte ditado, comprehenderá V. Exceílencia
^melhor do que eu fey dizer. ' D eos guarde a
•Éxcellentiflima Feffoa de V. Exc^elléneia^ co^
•mo o nofío Reyno , e os creados de V. Excet
leàei^ havemos miftef. Roma 18 de Julho de
"'*r'^'Creado xlè V. Ej^cellenciá , '
«^p~iSorr'yD/:ri í),fin ■ry^.yi í;^:5íjjíí.í oi>v<íxm oiiii
.?íiidil 3,siiÀíltoníd "V^ieyiíà-ixi ^ ^m
^m.
CAR-
.AíIYÇ A R T A'$.
.'1
íj'j
•l ^íD
oa
/k9
^ Xjbmjeá.
[arques
XCELLENTISSIMO Senhor :Nuii%
camederaõ cuidado os negócios de
V. Excellencia neíTa Corte , porque
quando naõ tenha5;afortuaa que depende ds
vontades alheas, fempre teraõ muy fegura a
do acerto queeftâ fora dafuajurifdicçaõ. A
fáude de V. Excellencia he a que me deo cuii-
<lado, doqual porem melivraõ as novas de
.que V. Excellencia me faz mercê, que éftimíO
infinitamente, fem ferlifonja Italiana, co^
mo tie a palavra.
Naõ chega o próprio, e fe he por vir muy
carregado de dinheiro , trará o que fe ha mi*-
fter. O Marques das Minas entrou acompa^
nhado de deudos , cfahirà [ como jâ fe dille
neíTa Corte ] acompanhado de deudas j>fe
bemhe tanta a fua pontualidade , que lhe te-
nho ouvido muitas vezes naõ hade ficar de-
vendo nada a ninguém , e efta fera para Ro-
ma a melhor guarnição das fuás libres.
- / I Por
DO P. ÃN^aSííÕ VÊYRA. f4f
Por Ollanda vieraõ novas da China que
o Iniperador havia de levantar p defterro
ao*s Pregadores Gatholicos:eq tinha admitti-
doataõ grande fainiliaridade, três Padres da
Companhia,que hiaÔ quaíí todos os dias a Pa-
lácio afazerlhe demonftraçoens aílronomi-
cás de que he muito ajfíeiçoado. Ja ifto IM
principios de levantar os oihi)s ao Céo. }^
n i¥.Excellencia aceite <?ftas novas^ efe cleâf
afticas;, pois a paz dos politícos nàò dá por
efta banda matéria a outras, V. Excellenciá^
me naõ diíTe nada do nombf amento do Padre'
GonfeíTor ; eu digo a V, Excellencia que já'
©ftâ prefentado aS. Santid^e. Deó^ guarde
a Excellentiffima PeíToa de V* Excellencia
c omo dezejo , e os creados de V. Exceli eíicia^^
bâvemos mifter. Roma i de Agofto de 1^71.
=0 ICií
m^^c^mí^msM ' Vv^ Excel'1'éncia
ç V .,
i. ,-;., tJ' O.U-LÍA., . V X :.. ...-■. . ..i
AntQnÍ9;;Yieyj[a.
i£;j o;xíp?, ^^MS^y '-'■.
CAR-
.ÍJ^
>*gi>
;[Y©^ArR/35^iA:cS.
M O a
n^
iO
araues ae KjOMma^yj
XCELLENTISSIMO Senhor : Ef%.^^
/M^Y^o. ^&ák} ppacas! Tenras ; fortadàçi
f< jaoS; dtreitjos ^porque ficámaslcom a
ipeya paTte da Cafà^ fazendo os exercícios eí^^
pirituaes,, e nefte çoncurfo de oraçoens era
que as tniníias rpjddQm participaD 'ò mereob-^
itjjentQ dâ^ 4ó3 eQínpqinneirps> me ^aò efq:ue^
fó de as offerécei-y cómofempre faço|«pela víi*
da , eftado ,i e fielicidade dos negócios de V<
g^ç^Uençiál . Y íáb eoLfi-^iD ^o í) /0í^sí>Í) ooio o
i.:Qs .daqui me parece. feldaE pou GoncItií-*í
dos : tarda o Próprio , e em todos os ordiná-
rios fe diz ao Senhor Embaixador que por el-
le lhe efcrevem. O Refidenjte eftarâ cedo cm
Itália, vem por Avinhaõ embarcarfe aNifa,
ou Mónaco, mas proteíla que fe naõ hade
declarar por Refidente athè naõ receber as a-
judasdecúfto, porque aqui quer começara
entrada , como também o Senhor Embaixa-
dor a fahida, pela fatisfaçaõ das dividas. Af-
fim
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 345^
fim que a resfrefcada hade vir de Portugal.
. O Braço de S. Nicolao^de que efcrevi a V.
Excellencia , ainda neftes últimos dias conti-
nuava as fangrias. Queira Deos fcjaõ parafau-
de univerfal do corpo,- na Cabeça naÕ tem
feito aballo algum. Deos guarde aExcellen-
tiffima Pefloa de V. Excellencia como deze-^
jo , eoscreados de V. Excellencia havemos
mifter. Roma 12. de Setembro de 1671.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA XCVIII.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTÍSSIMO Senhor : Jà fe
vay conhecendo em Roma a entra^^
da do inverno pela tardança dos
eorreyos de Madrid ,• mas os do mefmo in-
verno começaõjà a fazer feos eíFeitos nos
Tom. L Xx meos
^*
34^ CARTAS
meos atinos com as repetiçoens dos acha-
ques, Eftimarey que adlíFerença dos de V.
Excellencia a faça taó grande nos tempos,
que todos fejaõ para a faude de V. Excel-
lencia os mais accornodados , e que V. Ex-
cellencia os paíle taõ livre de toda a quei-
xa , que eu o efteja também de todo o cui-
dado.
Q Padre ConfeíTor em que falley a V.
Excellencia , naÕ era o do noffo Princepe, íer
na5 o da Rainha Catharina,o Padre Everardo
que vive nefta Cafa com parte da authorida-
de de Inquifidor Geral , e toda a modeftia
^ fe pode dezejar em hum Religioíb da Conif
panhia, que nos edifica c da exemplo a todosv.
A nomina que dizia, he para o Capello de
Cardeal , Ibbre que fizerao extraordinárias
inftanciâs o Embaixador e mais Miniftros de
Caftella na promoção que houve de dous
Capcllosque eílavaõ vagos- epor naõ deP-
goílar as Coroas, os conlervou S. Santidade
m peiílore, onde ainda eftao j naõ fe duvidan-
do., que os eleitos nefta forma fejaõ o Bif-
po de Laon, e o Irmaò do Duque de Cra-
vina , que eazou com a fobrinha do Car-
éêal Paixaãj he.Religiofo de S.Domingosj
naõ
/
DO P. ÀNTÔNÍO VÍÈYRA. §47
naõ tení 24 annos de idade ^ masalêdidòs
merecimentos da calidade , concorrem nél-
le os de grandes virtudes , náo fétido a
menor , dizer-fe que naõ quer o Capello.
Os Gentis-nomens do noíTo Embai-
xador tiveraò hum encontro dia do Trium-
fo da Cruz com as carroças dos Cardeaes
Ròfpilhofi , e Ghifi , em que dcfta parte fi-^
caraõ alguns feridos, e o Cardeal Chiíi íe
posem armas,- mas no mefmo dia ficou tu-
do compofto por mediação do mefmo Em-
baixador dè Caftella. O Senhor Marquês
das Minas fe portou com grande authorida-
de , cortezia , prudência , e valor , porque
tanto que foube do càfo , e que os feos crea-
dos haviaõ excedido , os defpedió , e man-
dou ter comprimento com o Cardeal Chiíi
( cuja carroça foy a mais oíFendida ) e no
publico éfteve a íua cafa defarmada , feni
"admrittir oíFetrecimento deFrancezes , ném
^aboyanòs , liem do mefmo Embaixador dé
Caftella , que lhe offercceo ília familia, e to-
tía a NaçaÕ : e no mefmo dia , no mayor fer-
vor daá preveilçoens contrarias , fahio feò
filho á paílear no campo como cofturríávà,
e ò mais qué T. Excéííencia lera em rela-*
Xx ij çoens
348 C A R T A S ,
çoens mais miúdas , a que eu naÕ poíTo ef-
ten derme.
f O Refidente eftâ em Leorne , mas o Pró-
prio naõ acaba de chegar ^ e para a entra-
da e fahida he neceíTario que elle venha ,
e que traga. Tem-fe por fem duvida o rom-
pimento do Turco com Alemanha , mas cui^
d^^fe naõ fera eíle inverno. ElRey de Po-
lonia eftâ em campanha contra os Coffacosj
eorreo rque lhe dera huma grande rotta ^
mas as novas daquellas partes naÕ fe coftiír
mao crer aqui fenaÕ ao terceiro correya.^!
A fefta de S. Francifco de Borja fefás
no feo dia com oytavario ^ p apparato he
jiquiffimo , mas naõ de matéria que federr
reta , ouro fobre carmeíim, e fempre che-
gará a armação, a trinta mil cruzados da nof-
ia moeda j mas fervirá ao Santo , mais que
nefta oçcaíiaÕ , porque, excepto, a mufica tu-
do o rpais ficará em cafa. Efta he amodeíf
tia dos Padres da Companhia de Roma , que
naõ quizeraÕ competir cÕ nenhua das outras
Jleligioens. Efperamos a relaçaÕ das feftas
4e Madrid, nas de Lisboa naõ fe falia pa-
lavra, ^ as de Alemanha foraÕ honradas com
a prsfença do Emperador que foy na pro-
ciíTaõ
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 349
ciíTao , e com a da Emperatriz que aííiftio
com o Emperador ao SermaÒ , e ambos co-
merão no noffo refeitório. Morreo em Si-
cilia apreíTadamente o Cardeal Vifconti ,
com cujoCapello fe poder àõ accÕmodar as
diííerenças , e fahir do peito de S. Santida-
de os Cardeaes. Deos guarde a Excellentií-»
íima PeíToa de V. Excellencia como o nof-
fo Reyno , e os creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma zó de Setembro de
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR,
;s
'3P
C A R T A S
CARTA XCIX.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor: Toda
efta femâna fuppus naõ podia efcre-
_ _ ver aV. Excellenciá nefte correyo,
e agora faço eftas duas regras, para que á
falta delias naõ accrefcentem mayor fuppofi-
ça5 ao achaque. Com a entrada do inver-
no carregou adefluxaõ da cabeça fobrehu-
ma parte do roffiro , de maneira quê foraõ
neceíí árias ventozas Tarjadas , e outros re-
médios violentos , fem bailarem para des-
fazerem a inchação , e tirar de todo as do-
res com que ainda fico , fe bem melhora-
do , havendo paíFado em cama todo o oy-
tavario de S. Francifco de Borja. Vay o
raconto da fefta , e naõ ha outra novida-
de. O Senhor Marques das Minas fe anda
licenciando do Sagrado Collegio , e fe en-
tende que terá em Roma poucos dias do
mes feguintc. O Refidente fe efpera athe os
dezanove defte. Da-me cuidado a faude de
V.
► ^l£.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 3 yi
V. ExccUencia , mas efpero naÕ fentirâ já
efte anno a diíFercnça do clima , e aflím o
peço a Deos com todas as minhas inftan-
ciâs. Deos guarde a Excellentiílima Peffoa
de V- Excellencia como onoíTo Reynoeos
creados de V. Excellencia havemos mifter.
Roma 10 de Outubro de 1671^
Creado de V* Excellencia.
António Vieyra.
CARTA C.
y^o Marques de Gouvea.
E XCELLENTISSIMO Senhor : Eftas
fâ5 as únicas regras que efcrevo nefte
correyo por naõ faltar à única obri-
façaõ , ainda que taõ mal tratado como de
ontem a efta parte me acho. Tragame Deos
melhores novas dafaude de V. Excellencia.
M- ■ Mor-
^
<A
3P CARTAS
Morrco hontem o Cardeal Celfi , que
foy hum dos que eftiveraõ próximos ao Pon-
tifica do : e também correo a mefma nova
do Cardeal Pallavicino que eftâ em Bolo-^
nlia , e fó le verifica eílar em perigo ,• cora
que haverá Capellos baftantes para fe fatis-
fazer aos interjeíTes mais poderofos : e o Pa-
dre Everardo poderá exercitar o novo car-
go de Embaixador fem o reparo do habito,
que naÕ fó dizem eftâ vencido , mas com
grande approvaçaõ e applaufo do Cardeal
Pâ.tra5.
O Marquês Embaixador fe parte dentro
de dous ou tr€s dias , e entendo o terá V.
Excellencia por hofpeíe neíía Corte. ORe-^
íidente ainda fe naÕ levanta da cama , antes
eftâ recahido^que fobre os feos annos he ruim
queda. O embaraço de D. Francifco de Mel-
lo em Inglaterra nos dá cuidado, e a mim
muito grande a reíbluçaÕ a que fe inclina-
va, pois liaõ eftamos em tempo de provo-^
car , ou declarar mais inimigos ; e fou eu tal
que me dao mais cuidado eftas e outras
çouzas , que arninha febre. ^
p- Já dey conta à V. Excellencia que feeft
jtavaò traduzindo , e pondo em ordeni de.
impreíTaõ
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 3^^
impreíTãõ alguns dos meos Sermoens , len-
do huma das línguas a Caftclhana,- tenho
noticia que fe trataõ de reftampar os que nef-
{ts Reynos anda5 divulgados , e fera erra
peyor que o primeiro e fem utilidade de
quem tomar efte empenho. Se foffe fácil a
hum creado de V. Excellencia tirarmehum
privilegio para que em nenhum Reyno de
Efpanha fe poífaõ imprimir obras minhas ,
na forma em que fe coíluma conceder aos
Authores , por efpaço dos dcs annos,que ef»
taõ emuzo5 feria mercê muy particular que
V. Excellencia me mandaria fazer , e por-
que fey que peço efta a V. Exçel|eiiâa,;, J^na5
encareço mais. ^ r c'?^ '
De Macào chegarão cartas efcritas nef-
te mefmo anno em que fe affirma o recebi-"
mento do noíTo Embaixador com extraor-
dinária benevolência, è nunca viftos favo-
res do Emperador da China , liberdade a
todos os Chriílaos, e grandes outras efpe-
ranças de florecer aquella Igreja e o noíTo
comercio, que também eftâ livre, He a car-
ta de hum Religiofo da Companhia Alemaõy
vinda por via de Olanda à Roma em me-
jios de onze me^&es»
^
354 Ç A R T A $
Naõ çuidey qvie pudeíTg efe rever tanto j
mÈã P fallaf com V. Exeelleacia de qual^
quer modo , naõ pode deixar de me dar alen-
tos, Deos guarda a E)ççellentiílíma PeíToa
é§ V. Excellençia, çomp o noíTo Reyno e
as çreados de V. Excelleneia havemos mif-
tQí. Roma 7. de Novembro de 16/1,
A efte momento me dizem lie certo
'^m Q Padre Everardo eftâ nomeado Aree-
feipo de EdeíTa na Syria com obediência de
^eeiíar pelo ií^pedimento do quarto voto.
Greada de Vv:Exeellencia
Aíitonio Víeyra.
■ .■'Ã-fiiíi i >J' ■^•ií. o '
V-'^'"^
CAR'
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. 3J5
CARTA Cl.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Efti-
mo eu muito que o inverno de Ma-
drid naõ defcubra taõ ma cara co*
lyio o de Roma 5 em que as chuvas e os frios
tem fácil remédio , mas athegora fenaÕ tenl
achado para os rayos com que frequente-
mente nosvi^gita, c corno os altos defta ter-
ra fao taõ reverenciados do^ Ceo ^ he mayor
O têniôr que tios cabe aos piquenos.
O Marques Embaixador partio aos dès
cm direitura a Liórne /havendo mandad<^
-vtziÊâr áo Graõ Duque por feo filho !>•
'|oaÕ. Sahio em bom tempo, mas fegtóráo-
,]^ logo muito trabalhoíbs dias, enaõferàã
eftes os peores, fe fe lembrar donde fahiò,
€ para onde vay.
Ó Padre Everardo eílâjà em habito Af^^
ch̀pifcopal, fobre o qual conferva o Ve#
tídè^ da Gompaahia , com qpé nos edifteá
tô Yy ij tant©
/N
^1
j)6 CA R T^A S
tanto nefta Cafa , como fempre fes com íêa
raro exemplo. Temeo-fe eftes dias que cer-
to accidente do Marquês de Aftorga lhe a-
prefráffè á reftituiçaÕ j más parece que naõ
quer hir ao Ceo fem paíTar pelo purgato-
íios de Nápoles* . ,
Continua5 em Inglaterra as refiftencias
-q[ue bem declaraÕ o amor daquelle Parente
mais á Coroa, que à PeíToa de feo cunha^
do. As refoluçoens meyas fempre vem a pa^
rar neftes extremos , lendo p que V. Excdr
iencia aconfelhava o de mais quieta conve*
meneia , e mais fegura fama.
Efperamos o parto deft a prenhes de
França , de que efcreve com aflombro Du-
arte Ribeiro. Se o ray o { como fe entende )
caliir fobre Olanda , que mào era eftarmos
agora prevenidos para a reftauraçaõ da ín-
dia. Dous Padres que aqtii chegarão daquel-
las partes , dizem que todos os Gentios eí-
tandalizadqs da infidelidade dos Olandezes,
naõ fazem fenaõ gritamos de ília tyrania.
fefcrevo eílas e femelhantes noticias a Portu-
gal , e refpondem-me que tudo fe dizia ,
«nas que naõ ha cabedal , e eu perco etor-
jao aperder a paciência jà perdida , vendo
DO P. ANTÓNIO VIEYRA.^ 357
Ss meyos que de prezente fe tomaõ para
nos fazermos ricos.
Vaõ continuando as íbberbiflimas exé-
quias do Cardeal António , e de prezente fe
fica fabricando neftanoffa Igreja huma ma-
quina que cufta da noíTa moeda o melhor de
doze mil cruzados , com que os herdeiros
puderaô cazar muitas Orfans e dar mayor
gofto a alma do defunto. Acaba a vida, e
^a5 acaba a vaidade ! ExcellentiiTimo Se-
nhor 5 Deos guarde a Exceli entiíTima PeíToa
de V. Excellencia como dezejo e os crea-»
áos de V. Excellencia havemos mifter. Ro^^
JI14 iid^e. Novembro de i^/i,
1 Creado de V. Excelkixcia
António Vieyra.
Ri
3J8
CARTAS
CARTA CII.
Ao Marquês de G ouve a.
\ XCELLENTISSIMO Senhor : Re-
cebi a de que V. Excellencia me fé»
mercê , efcf ita em lo de Novembro^
com arelaçaa, e duas copias incltifas, què
he ò mcfmo que mandar-me V. Excelten^
cia as profecias com o comento. NâS íêy
qtie dirao agora os que fundarão taõgrâ^fl*
de maquina fobre huma pfefunçaÕ tao fef*
livel. Ò que me fes rir , e triunfar muito ( co-
mo faço em todos os Ifeccefos de V. Ex-
celiencia) he a fanta íínceridade com que
V. Excelíen cia confirmou o feovoto, e im-
pugnou ós contrários , fó com referir acon-
fulta ;. parecer , rrefoltrça© deffa Corte : ella
he couza admirável , que os Confelheiros de
Caftella fe conformem tanto com os noíTos,
c que tenha5 taÔ pouca chriftandade e po-
litica, que queiraÕ para o feo Reyno, e fó pa-
ra elle , o que nos lançamos do noílo ,* mas
Bj&m-por iffo entendo fe darão por muy
'"-^n^ car-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA; 3^9
carregados nas fuás conciencias no ^ fe tinha
tíanfplantado para Hollanda , e Inglaterra ,
0a5 fendo menos o que tem vindo para Itália,
onde quando fe foube a refoluçaõ de Por^-
tugal fe diffe: E o peor he, que fe naõ haÕde
confeíTar os Portuguefes difto.
O negocio delnglaterra nos ajuda a aca-
barmos de entender , fe quizermos , quan-
to nos devemos fiar de correípondencias ,
fiem efperanças fundadas mais que emDeos,
« em jtós. Temi muito que D. Francifco de
Mello feguiíTe o brio de íe querer fahir da
Corte , mas em quanto elle fe accõmodar
com a difíimulaçaõjcreyo que obrará tao pru-
dentemente como nos em nos prevenir de
tal poder e opinião , que naÕ fe nos façaõ
ideíprezos íem temor , e melhor que tudo
fora haver íeguido a disjirntiva , ou da Co^
iroa, ou da Regência, e naÕ querer intro-
duzir no mundo huma novidade dequenaS
çodiao nafcer lenaõ monftros , mas quem
os aconfeihou devia de os antever , e tam^-
bem terá prevenido o remédio para que naõ
'tnorrao fem baptifmo*
O Refidente eftâ jâ melhof , e em eftado,'
que lhe díffe eu hoje , q^ie importava , oa
tornar
r^
iblícoj ha*
^60 CARTAS
tornar a adoecer , ou fahir a pui
vendo três mezesque eftâ em Itália, edouS
em Roma , mas em Portugal fe eíquecem
tanto delle , que fobre lhe eftarem deven-
do fete mezadas , athegora nem mezada ,
nem ajuda de cufto lhe tem vindo, e athe
carta lhe faltou nefte correo.
Efpera-fe aprenhes de França, de que hoje
correrão novas de alguma perturbação con-
lideravel , a que fenaò dà credito. As gazetas
d^ Ancona , dizem que o Abbade de S, Ger-
nian trouxe ajuftado hum focorro de dous
terços Fortuguefes , e liga, entre França e
t^rtugiil contra osHollandezes naindia. O
fecreto defta negociação me fas provável
poder fer aílim , quando o dos aparatos Franf»
cefes fe tem coníervado impenetrável ásin*"
telligencias de todo o mundo.
Aqui naõ ha novidade mais que haver
de começar a exercer com o nome de Jesus
o Embaixador dos Jefuitas ,• a Cafa diz^em que
fera muy luzida, mas todos de roupas lar-
;gas , fendo certo que naõ faltara hum Mi^
niftro taõ Religiofo de concordar a autho*»
xidade com a tfodeftia. O inverno atho
gora vay moderado,, Deos guarde a V, Ex^
çellencía
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. 3^1
cellencia em todos os tempos , como o noflo
Reyno, e os creados de V. Exeellcncia have-
mos miíter. Roma 10 de Dezembro de 1671.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra,
CARTA cm.
jdo Marquês de Gouveia.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Go-
meçarey efta por onde acabaõ to-
das , dezejando a V. Excellencia os
bons annos^ e muito melhorados queopaf-
fado. Bem me lembro que efta uzança íe ti-
nha jà exterjninado da noíTa Corte, e per-
mittido fó aos Janeireiros , mas como o no*
vo Senado de Lisboa fe empvega todo em
reíiifcitar antiguidades, em quanto me na5
confta do que ordena nefta parte , permit-
\/:Som^ L Tjl tame
/■-.i
^6i CARTAS
tame V. Exccllencia , que o aíFedo com que
dezejo a V. Excellencia todas as felicida-
des , figa defta vez o ceremonial de Portu-
gal o velho , e verdadeiramente,Senhor , que
vaô os annos taõ eftereis de novidades , que
fe o começarem huns e acabarem outros , nos
naõ der efta ta5 ordinária matéria , naõ ha-
verá com que encher hum quarto de pa-
pel', ainda que feja taõ pequeno como efte
Romano. Os Embaixadores de Hefpanha
fe naõ mudarão ainda , nem o noílo Reíiden-
te, que jà começa a andar por cafa , teve
a primeira audiência do Papa. Ifto, e muito
frio he o que fó hà em Roma. Deos guar-
de a V. Excellencia, como os creados de V.
Excellencia havemos mifter. Roma 3 de Ja-
neiro de 1671,
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
€AR-
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. 3(^3
CARTA CIV.
Ao Marques de G ouve a.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Me-
lhoradas novas me trouxe efte cor-
reyo, com que íiquey livre do gran-
de cuidado, com que havia pa0ado eftes quin-
ze dias , que em femelhante fufpenfaõ íaõ
mezés largos. Os daqui ainda nos naÕ daõ
novas da primavera , em que tantas novida-
des fe efperaÕ
As propoftas do Embaixador de França
neíla Corte bem moílraõ o contrario do
que aíTeguraõ , e fegundo huns avizos fecre-
tos que hoje vi de Olanda , lá fe defefpera
totalmente da paz, com que as prevenções
fuás e de Flandes fe apertão ,. altercando-fe
ainda fobre o Generalato das armas naPef-
Iba do Princepe de Orange , em que asPro-
vincias naõ eílaõ unidas, e com a Paz de
Colónia falta aquella efperança , c crefce p
temor. o
.0 Manifeílo de França ajnda naõ he
> Zz ij ma-
^64 C A R T A S
Manifeílo , mas veyo à Rainha de Suécia.
Dizem contem três pontos principaes. Pri-
meiro que ElRey ChriílianiíTimo lhe fas
guerra por ferem os inimigos da Igreja Ca-
tholica, que mayores danos tem feitoa os
Eftados de todos os Principes Ghriftaos , cu^
ja fatisfaçaõ ellequer tomar, elhe perten-
ce por mais vizinho.
Segundorque fem embargo do poder com
que fe achaõ fuás Armas , eftâdilpofto a a-
ceitar a paz , fe os Olandezes quizerem vir
em condiçoens juftas , e que eftas fejaõ a
reftituiçaõ do que tem occupado a feos le-
gítimos Senhores , e aqui entraõ algumas
praças de Flandes a ElRey de Hefpanha ,
os maresdaPefcaria dos Arenques, a ElRey
de Inglaterra , a índia a ElRey de Portu-
gal, as Comendas de Malta , certas Cida-
des a alguns Princepes de Alemanha &c.
Terceiro: da a entender , que o move,
também a querer fazer efta reftituiçaõ 6
haverem alguns de feos mayores concorri-
do paraafua liberdade na guerra que fize-
rao contra Hefpanha , com que creceraõ à
opulência em que hoje fe achaõ , fendo cou-
que de tais principios tenhaõ
cr c eido
za indigna ,
*1
DO P.cANTONIQ VYEY'RA. IJ%
crefcido a eftado , que prezumaõ fazer op-
pofiçaõ ás Coroas , 'é Repíiblicás da Euro-
pa. 4fl:ohe ocjúe entendi dapeíToa quevio
o Manifefto. ^
«Beijo a V. Êxcellencíá akiaõ pelamer*
cè do privilegio, íem o qual me naó acom"
fnodarey a fazer a impreíTaõ, porque naõíè
atravèíle outra , e. fe iiiipida o gafto dos li-
A^ros y priíícipaliBente etn Roma , onde a
diíFerença da noffa moeda o faz muyconí:-
deravel. Deos guarde a V.Excellencia mui'-
tos annos , como dezejo , e os creados deV.
ExccUencia havemos mifter. Roma 30 de Ja-
tieiío de lóyz^
-ri o*'!
Greado de V. Excellencia,
António Viçyra.
CAR-
C A R"T A S
CARTA CV.
j4o Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Os
mefníos dias já mayores que trazem
^ mais de preíTaas novas de V. Excel-
lencia , entendo eu que fa5 a caufa natural
-de mas trazerem taõ melhoradas, com que
^deêsejo , que féja perpetua a primavera.
Muito he qu> o Senhor Marquês dasMi^
nas naò tiveíle chegado a MadriJi aos 13
de Janeiro, quando íe promettia eftar mui-
to antes em Lisboa. Efpero que a conferen-
cia que terá com V. Excellencia neíTa Cor-
te , feja muy útil ás refoluçoens da noíla.
O que V. Excellencia me dis , de lá fe
impedir, a publicação dos motivos daquella
em que 'V. Excellencia foy de contrario pa-
recer , naõ entendi fenaõ depois que li em
huma carta, que fe prohibira pelo Santo Of-
ficio certo papel eftampado em linguaCa-
ftelhana , em que a execução fe perfuadia
com razocns politicas , as quais fe diz tam-
-Jla'J bem
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. ^67
bem foraõ ceníuradas ma dita prohibiçaÕ
por Ímpias , e efcandalozas^. e proicimas a
herefia.
O noíTo Refidepte teve a primeira audi-
ência de S. Santidade Domingo paííado ,
de que ficou muito fatisfeito. Tem todas
as preeminências do ultimo Refidente , que
aqui houve de Hefpanha , e para as con-
fervar com decência , neceííita de fer me-
lhor aíTiftido do que athegora.
O Embaixador de França ficava cm Mar-
felha , e hontem correo , que eftaria aqui
dentro em dous dias. Se a guerra fe rom-
per , como fe tem por fem duvida , podem
íiicccder occurrencias em que a authorida-
de de Hefpanha fe confcrve melhor coxnMi-
niftro de capa e efpada ) que de Mantele-
te , e efta razaõ, que aqui he advertida de
muitos , me alenta a efperança de ver mui-
to cedo nefta Cúria o Senhor Marques de
Liche , pofto que a promeffa com que eu
diíTe me naõ deípedia de S. Excellencia ,
nem era paratao longe, nem para taõ tar-
de, mas Deps íabc melhor comprir as pro-
fecias do que os homens podem comprir os
ios. Os meos bem conhece V. Excel-
lencia
^^^■fr 'li
ir
i', '1 ■■
i
n
i
CARTAS
lenda que fa5 de animo, nem interefladGj
nem delagradecido. Deos guarde a Excel*
lentiíTima PeíToa de V. Excellencia mui-
tos annos, como dezejo , eoscreados de Y.
Excellencia havemos mifter. Roma 13. de
Fevereiro, de ló/i. ,
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CVI„
yío Marques de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Na5
dou a V. Excellencia o parabém da
^^ ^ promoção do Senhor Bifpo de Gcí-
imbra : ao mefmo BiFpado fe deve dar, e
a todo o Reyno. Naõ poderá S. A. fazer
muitais eleiçoens femclhantes , mas fendo
único o exemplar , jufto era que fe puzcflé
em theatro tâõ publico, e para que da fontc^
onde
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 3^9
onãe fe vaò beber as fciencias , fe leve ^ e
derrame por toda aparte a reformação dos
GoftumeSí
A tardança argue pleito nas pertenções,
mas aviótoria aíTegúra, que naõ podia ha-
ver pleito, no merecimento 5 poreftamefma
caufa , eftimo que V. Excellencia eíliveffe'
auzente nefta occaíiaõ. ^
Ca também tivemos efta femana pro-
moção de Cardeaes/ hum cm França, ou-
tro em Alemanha , e o terceiro na Caza Ur-
fina , ficando dous in ped:ore. Eíperavafe que
também fahiífem nefta maré o Senhor Bil--
po de Lans e o Arcebifpado de EdeíTa ,
mas o vento que^lhes faltou , fe dividio pe-
los G^rt;^/^^ dos difcurfivós , que fempreadi-
yinhaõ apeor parte. Tarda o Embaixador
de França , com cuja vinda fe prognoftica
alguma borrafca , mas o piloto he taõ def-
tro , que de tudo faberà fahir fem perder
viagem.
Chegaõ repetidos avizos das anguftias
dos Olandezes na uniaõ de Inglaterra com
França , e difcorrem os Hefpanhoes mais
fizudos y que o lugar que Hefpanha deve
tomar para ver o fucceífo defta tragedia ,
Tom, I, Aaa he
370 C A R T AS "
íie o da neutralidade. Beijo a maõ a V*?
Excellencia pelo empenho do meo privile-
gio : parece que he defpacho que fe naõ de-
ve negar , quando na5 peço licença para
imprimir , mas que fe naõ dè a outrem pa-
ra eftampar o meo , ou naÕ meo , em meo
nome. Fica Roma toda em mafcara e com
os mais rigorofos frios , que jamais fe pade-
c-eraõ nella. Deos guarde a Excellentiflima
PeíToa de V. Excellencia, como dezejo, e os
ereados de V. Excellencia havemos mifter.
Roma 17 de Fevereiro de 1671.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. 3yi
CARTA CVII.
Ao Marquês de G ouve a.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Vay
entrando a primavera com muito
melhor rofto para os Cortezaos , que
para os lavradores , naõ fem temor de efte-
rilidade , que fobre a do anno paffado fe te-
me^hegue a fer fome. Eu efpero que os
medicamentos applicados nella , reftituaõ
a V. Excellencia a taõ inteira faude , que
a dieta naõ paííe os limites da quarefma, que
aqui fe paíTa com mais fácil diípenfaçaõ da
carne , que dos ovos.
Todos os avizos de Flándes publicaS,
que Caftella tem ratificado a liga com Olan-
da , e pofto q a politica de Roma feguindo a-
quella íua taã fabida máxima , enten-
de que eftadezuniâÕ he aque melhor pôde
eftar à Corte , os que a confideraÕ como
Ecclefiaftica , e com animo mais zelozo^
temem que feja em menor utilidade doEf-
tado Catholico , e augmento dos hereges.
Aaa ij De
i
372' C AR T AS
De França com tudo fe entende que ao
menos por efte armo fe confervarà Caftel-
la na neutralidade , com que ella , e íeos Al-
liados teraõ tempo de verfe t\o efpelho da
fortuna 5 que dará baftantes moftras de fi
nos primeiros encontros. A repofta de os
Ollandezes quererem reconhecer a íbbera-
mia dos Mares á Inglaterra , e naô ao Rey ,
nem ao Reyno , parece liçaÕ eíludada nos
i^efmos livros , com que ao principio nos re-
plicou Inglaterra 5 fejà nao for caftigodá-
quella femrazaõ. Bem crcyo que na^^a-
recereínos pouco gentil- homens a eíTa Da-
ma , e mais quando V. Excellencia he o
retrato , onde a arte parece natureza. Mui-
to tem que fiiprir de prezente, fegundo ou-
ço , o favor do pincel , e nao me atrevo a
cuidar , porque na5 leyo fena5 defcuidos ,
e defatençoens , e leria mais útil perder a
memoria que aplicar o difcurfo. O Embai-
xador de França fe efpera por horas , e na5
acaba de chegar. Corre , que o Cardeal Por-
tocarrero teve bilhete de Palácio , em que
lhe aíTeguraÕ que hum dos dous Capellos
refervados in peélore, fera do Arcebifpo Em-
baixador , e que aíBm o podia fazer faber á
' Ra-
DO P^ ANTOÍsílO VIEYRA. ^^3
Xainha , e que fe efpera o Embaixador de
França para fe ajuftar com elle , que por
agora dê a íúa nomina ao Senhor Biípo de
Lans , ficando refervada a de Portugal pa-
ra a primeira promoção. Se afliín for, bem
fe poderia confprmar com efta compofiçaõ
o Senhor Duque de Aveiro. O que fobre
tildo dezejOjhe a perfeita faude deV. Ex-
cellencia, cuja Excellentiflima Peffoa Deos
guarde muitos annos , como Portugal , e os
creados de V. Excellencia havemos mifter.
Roríia IX de Março de 1671.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR-
m
C AR TA S
CARTA CVIII.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Se
os Médicos de Madrid naÕ faõ mais
feguros que os danoíTa terra, pou-
co me confola dizer-meV. Excellenciaquc
cofti a mayor vizinhança do Sol fe hàde
entregar V* Excellencia em fuás mãos 3 mas
efta mefma defconfiança me obriga , como â
menor I C^apellaõ deT. Excellencia , a appli-^
car toda a força do meo facrificio delde o
primeiro de Abril por diante a efte requeri-
mento.
Todas as cartas de Flandes, e Alemanha
líippoem a liga deíTa Corte com Olandaque
jà começa a fallar mais animozamente , eí-
perando que com o Generalato do Prince-
pe de Orange fiquem mais mitigadas as in-
fluencias de Inglaterra.
Hontem fahio eftampada referindole i
impreíTaÕ de Paris, a lifta dos exércitos del-
Rey de França , na qual fe numeraõ féte mil
Por-*
DO P. ÍNTÕNÍÒ YÍEYRA. 375
Portuguczes : a faber três mil infantes e qua-
tro mil Dragoens. Naõ cuidey que havia
tanta peçonha na noíTa terra , nem tanta
induftria cm a lançar fóra ,• e bem feraõ ne-
ceffarias aos Olandezes todas as pedras ba-
zares, que trazem da índia.
E,íperafe com grande cuidado o correyo
extraordinário da Corte fobre a promoção
dos três Cardeaes. ElRey de França naõdeo
as graças pelo de Toloza , antes fe dis elF-
crevera com diííabor, temendo- fe de Hef-
panha algum igual , ou mayor. O Cardeal
Cravina aceitou finalmente. Foraõ taô eíE-
cazes as razoens do Senhor Cardeal Patrão,
que naõ foy neceííario preceito, como fe di-
zia a S. Santidade ( fallo pela boca do vul-
go) que naõ tenho regateir^s taõ praticas,
€omo aquella de V. ExccUencia.
- Todos meperguntaõ que fazemos com
a índia, e quando réfpondo^que cfte anno
vaõ três nãos , rimfe de mim , e eu porque
naõ fey rir , nem poíTo chorar , encomendo
a Deos aquelles , a quem V. Excellencia pro-
põem , e informa. O mefmo Senhor guar-
de a V. Excellencia muitos annos , como o
Reyno , e os creados de V. Excellencia
ha-'
'li
37a C A R T AS
havemos mi.fter, Roma i6 de Març® df
4
Creado ae V. Excellencia,
António Vieyra.
laajís
CARTA CIXi
yío Marques de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : As
novas da faude de Vi Excellencía
fao as que me diftinguem , e medem
os tempos ^ e em quanto ellas me na5 di-
zem que V. Excellencia tem experimenta-»
do nos remédios tudo o que promettem os
Médicos, ainda que os dias vaõ tao creci-'
dos , náõ creyo que he chegada a prima<
vera. ' ,/ ^ : 'z^- .
Também neíTa Gorte fe retarda as das
campanhas, e Te da cada 'dia mayorjmate-?
ria aos juízos, Romanos para promettereníi
cada
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. 577
cada hum conforme feo afFedò diíFerehte&
fucceflbs à guerra, nao fendo poucos os que
ainda preíiimem queanaõ hade haver, cou-
za que feria mais maravilhòfa e ridicula
que o parto dos montes. Muitos efperaã
que também faremos figura nefte theatro :
e outros entendem que íeria mais feguro ef-
tar ao panno , e fe fe inovem de vagar os
Gigantes que levao ás coftas taõ grande pe-
zo : muito mais íe confidera que o faraõ os
que faõ de meya eftatura. V. Excellencia
eftâ fem cuidado ^ porque confidera que os
Pilotos do Tejofaberaõ pôr abarcaemfal-
vo no meyodeftatormepta.^ e eu tenho pa-
ra mim que aíTim fera , fe elles quizerem fe-
guir os roteiros de quem eftâ mais perto
dos de Mançanares.
• Aqui chegou o Embaixador de França
que efteve detido alguns dias por achaque
-de S. Santidade ( verdadeiro e naÕ fiippo-
fto ) e já antehontem fes a primeira entra-
da com grande aceitação de Palácio. Efpe-
xa-fe que entre as duas Pafcoas fahiráo do
peito os dous Capellos.
As Chuvas promettem melhores novi-
dades , na5 fendo pequena a que admirou
^om, L Bbb Sicilia
jrS C A R T A S
Sicília quando vio entrar por feos portos
na©s de Lisboa carregadas de trigo. Deos
guarde a V. Excellencia muitos annos co-
jno dezejo , e os creados de V. Excellen-
cia havemos miíler. Roma 9 de Abril de
1671.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
■t f^IríD OV^^rfi cjí-
CARTA CX.
jf^o Marquês de Gou^iJ^ç^a^
EXCELLENTISSIMO Senhor : Go-
me-çando pela ultima clauíúla da de
V. Excellencia 5 verdadeiramente o
!^md ergo ertt nohis ? he queftaõ muy própria
do tempo , e thema íbbre que eu pregara
muy facilmente na nofla terra , fe nclla hou-
vera efperanças de fruto. De lá fe efcreve,
na©
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 379
naõ íey com que fundamento , que os Mi-
niftros eftaõ divididos , huns por França ^
outros por Caftella ; muito unidos osquize-
ra eu entre íi , e com ambas , e contra quem
fe fes taõ poderofo com o noíTo Reyno ,
que naõ fendo nada, da que entender a to-
do o mundo. Pregue V* Excellencia, pois
eftâ mais perto , e o pôde fazer , e fabe
eom melhores razoens, e he melhor ouvi-
do. O thema também pudera fervir para
efta Corte , e para toda a Itália. O Turco
eftâ com cento e oy tenta mil combatentes a-
meaçando a Ungria , e a Croácia, em que te-
rá o paflb aberto fe lho naõ fecharem ,• e
naõ ley fe o faraõ as chaves de S. Pedro.
Outros avizos nos da o Ceo de mais perto
na Romania, Começando das Ribeiras do
mar Adriático, luccedeo hum tal terremoto,
que cauzou notáveis ruinas em cinco ou
féis cidades, cahindo cazas com Igrejas, com
morte de muita gente , porque foy na ho-
ra em que eftavaõ ao OíEcio das Trevas. Em
Meflina he taÕ grande a fome , que fe comem
athe oscavallos, e o povo amotinado quei-
mou as cazas aos Jurados , e pofto que o an-
no promette boas novidades , como fe fe-
Bbb ij meou
380 C A R T AS
meou pouco , naõ fe efpera colher multo ^
e teme^-fe grande careftia, com que as pa-
nhotas de Roma baixarão já de oyto a íeis.
, Tudo ifto fe confola com a liberdade
de confciencia delnglaterra eOlanda, que
he o primeiro fruto deftes apparatos bellicos;
que quando naõ tenhaõ outro , já naõíeraõ
baldados. O que eu fobre tudo dezejo , he
que a Primavera feja muito favorável á fau-»
de de V. Excellencia , pois tanto depende
delia o bem noíTo univerfal , e aífim o pe-í
ço a Deos que guarde a Excellentiílima Pef-
flba de V. Excellencia como dezejo e os
creados de V. Excellencia havemos miller,
Roma 23 de Abril i d/ 2.
Cíeado de V. Excellencia,
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 381
CARTA CXI.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor: Nào
me dá V. Excellencia taõ boas no-
vas , como eu efperava na fé dos Mé-
dicos , e auxílios da Primavera. Se a de Ma-
drid he como a de Roma , ainda podemos
confiar algum bom eíFeito da mudança dò
tempo , o qual aqui fe defatou em taes di-
lúvios deagoa, que deoyto dias a efta par-
te^ hontem foy o primeiro em que vimos
a cara ao Sol.
• Entre eftcs nublados fahiraõ do peito de
S. Santidade os dous Capellos com applau-
fo de ambos os Embaixadores e Naçoens 5
e pofto que o correyo que haverá paíTado a
Portugal, leva carta em que fe nos perfilha
efta graça ,• o certo he que no extrado da
ekiçaõ que fe publicou pela eftamparia A-
poftolicaj o primeiro fe chama Gallus , eo
ÍQguvíào Hífpanus,
Corre hú avizo domeftico de Turim^ em*4
^ íe
38t CARTAS
fe dis havia chegado a áquella Corte hum
Enviado Francez, o qual dizia entre outras
couzas , que de Franca haviaõ partido mui-
tas nãos para a índia com cartas fechadas
de ElRey , e ordem para fe abrirem em tan-
tos de Março* As primeiras arguem alguma
confequencia , que fe poderá colligir melhor
das propoíiçoens que fizer em Lisboa o En-
viado daquelia Coroa. Em grande fufpenfaõ
pos tem a fua refoluçaõ , da qual me fazem
duvidar algumas noticias que dela ouvi ler,
ç muito mais as que V. Excellencia mein-
finua.
Com as chuvas na5 tem chegado athe-
gora os avizos de Veneza, nem temos do
Turco mais clareza que ©referido naPofta
paíTâda. O cuidado em Alemanha he omef-
mo , e o fegredo da marca de ElRey de
França taõ mifterioíb , que de hum dia para
o outro fe naõ fabe ,- a fama he formidável ,
e mais formidável o ruido da moeda , de que
fe contaÕ oytenta carros , cada hum com
meyo milhão de livras ; mas aflim no Ga-
rifmo dos foldados , como nas liftas do di-
nheiro , faò fáceis de multiplicar as cifras.
O fucceííb moftrarà fe fe offende ou fe agra-
da
DO P. AN tÓKflÔ tríÉYR A. 3 83
da a fortuna defta pompa , e da futura vito-
ria, jà cantada cm todas as lingoas. Suppo-
nho que jâ haverá chegado às mãos de V.
Excelíencia a fábula das Rahs com o Sol ,
elegante e difcreta, fe naõ foy fabula. Na nof-
fa terra naõ fetem a bom agouro cântaros
Gallos antes de tempo,- cmelem.brou acfte
propofito certo cafo de Lisboa, com queV.
Excelíencia mandou inquietar a vizinhan-
ça , e madrugou menos ao Paço naquellc
dia. O que importa he que V. Excelíencia
tenha a inteira faude que os creados deV.
Excelíencia dezejamos , e havemos mifter.
Deos guarde aV. Excelíencia muitos annos
Roma 21 de Mayo de 1(^72.
foi
Creado de V. Excelíencia
António Vieyra.
CAR-
1
384
CARTAS
,i
CARTA CXm
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : De-
zejo que a entrada do Veraô feja
mais favorável aos achaques de Vi
Excellencia , do que o tem fido à minha ve^
Ihice, porque de oyto dias a eíla parte me
náõ deixa huma febre lenta , que teve prin-^
cipio em huma ar dentiflí ma éjfimerâ j e que-
ro antes hir paíTando aílim, que entregarí»
me aos Médicos Romanos , de cujas mãos
faõ muy poucos os que efcapaõ , e por iflb
fe uzaõ aqui mais as prevençoens que os
remédios.
Continuaõ os terremotos de Itália, ejâ
fe começa5 a fentir em Roma. Quarta fei-
ra , terceira oytava dò Efpirito Santo , fenti
nefta minha cella que fe movia a cadeira em
que eftava aíTentado , e porque outro Padre
que eftava em pè naõ fentio o mefmo mo-
vimento , nao me quis dar por author de
terremotos ; mas no diafeguinte fe publica-
rao
:'$^âlffiB«aÉaMu»,
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 385
raõ muitas teftemunhas de o haver adver-
tido aquellamefmahora, e fefilofofou que
4eyia fer correfpondencia de algum mayor
movimento íuccedidp em outra parte ,• e aiF-
íim foy, porque na mefma hora houve gran-*
de trempi: de terra na Calábria eRomaaia,
e particularmente em Aquila , Loreto , e ou-
tros lugares, entre osquaes fe dis ficou to-
talmente arruinada Matrique, que he povo
mais de três mil almas que ti ver ao tempo
de falvar as vidas.
Do Turco vem melhores novas, que ti-
nha fufpepdido a marcha por noticias da li-
ga , que fe efcrcve eftar feita contra elle ,
entre Polónia e Mofcovia,
ElRey de França deixando íobre Waf*
trich 15 mil homens em hum lugar toma-
do por força aos Liegefés , e em outros dous
daquelles confins, fe paílou aNui« com to-
do o corpo do exercito : e fe fufpeita que
pretende paíTar o lífel para entrar no cora-
ção de Olanda. As duas armadas de Ingla-
terra e França efta5 já unidas, e fe dividem
em três efquadras, que, conforme as cores
das bandeiras , fe chama huma a Branca ,
outra z Azul , outra a Vermelha. A palma
Tom. L Ccç qwe
l%6 C A R T A S
que he a de verde , veremos a que parte in-
€\it!í2i, O certo heque òsOlandezes porfal*
ta de ventura , ou diligencia perdera5 o
partido de pelejar com ellas divididas , ou
de as naõ deixar unir , lem primeiro occií-*
parem o Canal. NâÕ íbmos íb nos os que tar-
d^ámos.
-0:1 De Lisboa fe efcreve (naõ amim) que
o povo efta com Caftella , e os Miniftros
com França ,> excepto hum Marquês , que
também nomeaõ , e dizem fegue é íiiftenta
avôs do povo. Efta em outro tempo era a
vos de Deos,que guarde a Excellentiflíma PeP
foâ de V. Exceílencia como dezejò' , e os
creados de V. Exceílencia havemos mifter.
Roína 18. de Junho, de 1(^7 2.
'Creado de V. Exceílencia.
António Vieyra.
, )
ít'^ V í
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 387
C A R T A .QXni.
mes de Goi4h^e4Z^
XCELLENTISSIMO Senhor : Do-
brada pena he padecer os achaques
__ _ e os remédios , de que a continuação
(como acontece , e eu tenho experimentado)
vencera a refiftencia , que quando fe naò ren-
de ao aço , moftr a verdadeiramente fer gran-
de 5 mas o mefmo género da cura parece
que aíTegura ferem as queixas de V. Excel-
lencia daquellas, que ainda que daõ molc-
ftiâ, na5 tra5&em perigo. Eftas faõ as con-
folaçoens que bufco no difcurfo , quando as
novas que V. Excellencia me da , naõ faõ
as da inteira melhoria , e perfeita faude que
a V. Excellencia dezejo e a Deos peço.
Aqui naõ ha mais novidade que a mor-
te do Cardeal Manchini , com que eftaõ va-
gos dous Capellos , que , legundo o quefe en-
tende , feraó dados brevemente a Rofpilho-*
xi j e Colona/^i:íí^o , ojil?
- >0 Inverno fe défpedio dois dias depois
Ccc ij do ^
J
3U CA R T AS
do S. João com hum rayo cahido em Pa-
lácio no quarto de S. Santidade , que depois
de levar a bandeirola do relógio, entrou na
Capella privada onde dis miíTa , e fem fa-
zer dano fe foy enterrar no jardim.
Cada dia chegaõ novas dos grandes pro-
greflbs que fazem por terra as armas d'El-
Rey de França , mayores do que fe imaginou.
Parece que tiaõ he igual o poder , ou que
hc menor a fortuna • porque havendo-fe da-
do batalha aos 7 do panado todo o dia e
parte da noyte, dizem as Relaçoens de Olanr
da e BrufTelas , que a vidoria ficou pelos
Olandezes, eellês íenhores do mar, epof-
to que os Francezes o neguem ,• e haverem
tido correyo de ij , o na5 moftrârem do-
Gumentos he argumento, que fas muito íiiP
peitofa a opinião que defendem, íê bem a
authoridade contraria naõ he de todo fem
fufpeita. Efperaõ-fe as particularidades no
correyo feguinte, centre tanto fefenteque
efta Corte naõ porá lutos pelos íucceílos ,
tendo por mais conveniente para a republi-
ca do wniverfo , que fç levante por hunia
parte , e fe abata por outra. Também fe
dis que o Governador de Flandes depois dei-
ta
'^■iff^SãSãnwmim,
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 389
tâ batalha aflifte aos Olandezes com mayor
promptidaò e poder: e alguns efperaÕ que
eftès íbccorros fejaõ ainda nefta campanha
mais declarados , fe o Império fe vir íeguro
das armas 4o Turco , cujo exercito ouef-
ta totalmente parado , ou marcha lenta-
mente, depois da confederação de Polónia
com oMofcovita. Deos guarde aExcellen-
tiffima PèlToa de V. Excellencia como de-
zejo , e os creados de V. Excellencia ha-
vemos mifter. Roma 28 de Junho áe 1672.
Cireado de V. Excellencia
•,.«íéi;
António Vieyra.
GÁR- 1 .
390
C AR T AS
tftt
, I
C A RT A CXffi
Ao Marques de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Efta
de V. Excellencia de 4 de Mayo me
chegou às mãos muito tarde , e me
cauzou naõ pequeno cuidado , pelo cjue ha-
via lido na do correyo próximo ; e aflim
me fuy logo a bufcar novas de V. Excel-
lencia , que medeo oRefidente, confirma-
das com os bons principios da primavera,
€ efperanças do defempenho das promeflas
dos Médicos, Cofi fia , que he a graça e glo-
ria com que aqui íe acaba5 os Sermoens.
Naõ tenho que dizer a V. Excellencia
das caufas das attençoens do mundo fobre
noffas acçoens e refoluçoens , pois V. Ex-
cellencia as redus áquelles dous contrapon-
tos , do que havemos feito , e do que naõ fa-
;Kemos. Verdadeiramente he aílim, e os que
no$ achamos por eftas partes , naõ achamos
.* jà
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 391
jà^qúe refponder a tanto íilencio. Naõ fa-
tia eu que o nòíToNorte tinha hido de Le-
vante. As eftrellas que mudaõ os lugares ,
bem podem mudar ventura.
Aqui íc continua na expedaçaõ defte
parto , de que os Heípanhoes fentem as
dores, e os Francezcs ante tempo temco-^
liíeçado os repiques. Se os Olandezes me-
terem a íua armada no Canal antes da uniaõ
das outras duas , teraõ ventagem , ondeio
fe lhes conhece partido igual. Lembraõ os
Italianos a repoftá do Governador de Flan^
des 5 a quem ElRey de França, com hum
Enviado e carta em que o tratava de Mon
6(?í^;/ 5 mandou pedir faculdade para os feos
exércitos marcharem per algumas terras da-
quelles Paizes. Elle refpondeo que íòbre a
matéria naõ tinha ordem alguma do feo
Rey : que expediria logo hum correyo a
Madrid , e que no entretanto fizeíTe S. Ma-r
geftâde o que lhe pareceffe , reprefentando
fomente os tratados que Hefpanha tinha
com os Eftados de Olanda. O tudo eona^
da da fignifieaçaÒ deftas palavras , heoqu^
aqui fe devia eftimar, pela femelhança que
fêtò com as repoftas RoHíanas* -íIí
1
J
39^ C A R T A S ^ 0(1
- O Turco,fegutido os últimos avízos, pá*
rece efpera ver empenhadas as armas Cnrii
ftans para declarar as íuas , e no entretan-
to as tem divididas em dous troços, amea-
çando com hum a Polónia , e coni o outro
a Ungria. De Alemanha feeícreve, que vin-
do o Émperador de Luxemburg de yifitajr
4 Emperatriz Leonora , hum Ungaro no ca-
minho lhe dera huma carta , cm que o aviy
zava5, que eftiveffe advertido, porque em
efpaço de féis femanas naõ eftaria feguro
em Viena. Temos por Governador de Cân-
dia hum Português Baxá chamado Franc
Maemet, que fas grandes favores aos Chri-
Aãos; e dizem os Italianos, que ainda ha-»
vera em Portugal com que prover outras
praças.
O terremoto de Rimíni , e mais Cir-
dades da Romagna íè comunicou por de
baixo do mar com as Ilhas do Archipelor
go, porque na m^lmahora cahiraõ muitos
edifícios, athè em Chipre , e fe foverteo, com
mais de 70 mil almas, a celebrada Ilha de
Côs , pátria de Hippocrates e Apellcs*
•Deos guarde a V* ExccUencia muitos an^
tíosjcomo dezejoi e os creâdos,de V. Eíj&i
cellencia
00 P. ANTÓNIO VIEYRA. 393
cellencia havemos mifter. Roma 4 de Ju*
lho de lá/!.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXV.
^0 Marquês de Gouvea^
XCELLENTISSIMO Senhor : No
correyo paffado tiaõ efcrevi , impe-
dido de huma grande febre , querby
Deos fervido defpedir-fe ao quinto dia, de
que ainda naõ fico convalecido , mas com
grande contentamento de V. Excellencia
me dizer vay tanto por diante a melhoria,
que jà hoje efpero em Deos feja taõ intei-
ra faude como havemos mifter.
As primeiras novas que a eíTa Corte che-
garão da guerra de França, que por mar e
Tom, L Ddd terra
1.
f r r\ rf
394 .; r.-m-/A:KlT:Ar.S ..
terra, foraõ asmeímM q^.e:tamb;em aqui fc,
receberão de Bruffellas e Anvpr^; más dúr
rou pouco efta alegria aosMiniftros e par-
ciaes xk>s vizinhos déy.Excdícneia;^^ por-
que com aflbmbro de todos fe começarão
a verificar os progreíTos do exercito , que
eftando já fêrinor de cinto Províncias, tem
reduzido a de Òlanda à única efperança ,
ou defefperaçaÕ de romper os Diques , e
alagar as campanhas, para ter tempo de pa-
d:ea¥, como^jàíè efçrevé", fazem.' Os que
difeorriaõ de outra maneira /tem a difculpa
da razaõ , e exemplos paíTados ,• e os Olan-
dez>es o caftigo que mereciao. Dos outros
intereíTados nefta difgraça naõ fe falla^porque
tem o quò quizefaÕ.
. O rompimento entre Saboya e Génova
vay continuando , e hum dia deftes tiveraõ
hum encontro , em que ficou de melhor par-
tido a Republica. Sua Santidade inter-
põem íua authoridade para o ajuílamento
das diíFerenças , o que nao fera diíBcultofo, fe
os intentos de Saboya naõ tem mais fundas
raizes, que as de Turim. Brevemente fefa-'
hera a verdade deftefegredo, que já parece
vay rebentando por Mantua, onde agente
de
^gâBBlHitiMttn',
DO P. ANTÓNIO VÍEYRA. 39J
de guerra daqucllc Ducado fe atacou coma
de Miláô , e aizem que ft lhe meteo prezi-
dio Francez.
As couzas de Polónia ( donde nunca vem
nova- que tenha eonftancia ) he certo que
eftaõ muy duvidofas , eElRey com taõ pou-
co partido , que eftes dias íe diffe , eftava
tetirado a hum Caftello , e hoje corre que
lhe cortarão a cabeça. He boa a occafiaõ
para o Turco , cujo exercito eftava jà nos
confins da Vallaquia. Eftas faõ as novas
x|ue aqui fe Quvem ,• e as que a mim me to-?
eaõ no coração, faõ capitularem os Olan*
dezes fobre a nofla índia , digo , fobre aqueb
la índia que foy noíla , e poderá fer nefta
occaíiaõ , fe concorrerão no theatro outras
perfonagens , onde huma fó fas figura. Deos
guarde a V. Exceli encia muitos annos co^
tno dezejo, e os creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma 3odeJulho de i<^7i*
Creado de V. Excellencia
António Vicyra.
Ddd i>
CAR- I ,
39^
CARTAS
.r
CARTA CXVI.
j^o Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Co-
pio V. Excellencia me da boas no-
vas de fuâ faude òu melhoria , tenho
todas as que dezejo e hey mifter. Todo o
meo cuidado eftâ em Madrid, porque os fi-
lencios de Lisboa naò merecem , nem que-
rem merecer cuidados. Parece que a noíTa
terra fe paíTou a outro mundo , porque nef-
te nem ella fe ouve , nem hà quem fallc
nella. Os italianos nos pergunta5 as cau*
fas defte fiíencio no meyo de tantos rumo-
res j^ e naÕ temos «utra repoíla mais que
meter-nos no efcuro de algum grande my-
fterio , cujos arcanos, como naõ chegaõ a
V. Excellencia, ao menos por aquella anti-
ga regateira, naõ fó fufpeito , mas conhe-
ço com grande dor quacs poffaõ fer , ou
naõ fer.
Os progreíTos das armas Francezas cor-
rem a paíTo mais lento , e naõ fó porque os
Olan-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 397
Olandezes lhe deitarão agoa na fervura.
He certo que depois que os preíidios Hef-
panhôes entrarão nas praças , começarão
ellas a fer fortes , cuftando tempo efangue.
AíEm como a morte de Longavilla foy o
íbflego de Polónia, aflím querem que a fe-
rida do Conde foíle reparo de Olanda. To-
dos os avizos de Alemanha concordaõ na
uniaõ de hum gra.nde exercito pago por três
mezes , que eftará em Egra aos 15 de Agofto,
compofto de to mil foldados do Empera-
dor , e vinte e cinco mil do Marques de
Brandemburg , e outras tropas de outros
Princepes , em numero de fetenta mil com-
batentes , fendo o General de tudo Monte-
cuculi.
Hontem correo por hum Extraordiná-
rio chegado do campo aTurim , queElRey
de França fe recolhia a Pariz , onde feriaô
juntos aos 8 de Agofto os Cõmillarios de
Olanda e Inglaterra para a compofiçaÕ da
guerra , e ajuftamento das còndíçoens. El-
tou vendo nefta concórdia perdida c defpe-
daçada aquella , a que chamamos nofla índia
As hôftil idades de Saboya e Génova con-
tinuaõ com reciprocos danos , em que cada
«s huma
CARTA S ^ ^
numa. das partes fe attribue a ventagení.
Crefcem as levas de ambos os partidos , e
crefce o receyo de que a campanha de Olan-
da fe paíle a Itália , pnde os Lirios tomem
raizes. O Pontifice tem interpofto fua au-
thoridade para apagar eftas faifcas dequè
fe prevê o incêndio ; mas naõ tendo eíFeito
da primeira vez , o mefmo fe prefume da
fegunda. A Canicula vay furiofa , e di^
zem os Aftrologos Romanos quenellahade
morrer hum grande Togatò. Deos guarde
a Excellentiílima PeíToa de V, Excellencia
muitos annos como dezejo , e os creados
de V. Excellencia havemos mifter. Roma
13 de Agofto de 1671.
Creado de V. Excellencia.
m
António Vieyra.
.í
CAR*
DO P. 2^NTONIO VIEYRA. 399
CARTA CXVII.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor: Me-
rece o meo aíFeí^o a V. Excellencia
o cuidado que V. Excellericia por
fua grandeza me fas mercê íignificar da mi-
nha faude. O eftio fe vay djefpedindo , c
com ameaçar o inverno, foyelle taõ rigo-
fofo , que quafi o fas dezejar ,• mas tudo íè-
rá tolerável , com que V. Excelkncia paíTe
íem queixa, e com a inteira faude que ha-
vemos mifter.
: Também nao repito as novas do Nor-^
te 5 porque neíía Corte fe fabem igualmente ,
©u fe ignoraõ , comonefta, onde nao fóos
difcuríbs faõ diverfos , como os dezejos ,
mas também os aíFeâ:os fe dividem emopi-
nioens. As do exercito de Alemanha, de que
parece depende tudo, naõ íàõ intelligiveis;
o certo lie que tarda, naõ fó porque k ti-
^■-^ pêra.
■
if
.r
400 CARTAS
pêra , mas porque Moatecuculi fe move com
ospaflbs da gota e da velhice. Cuida-feque
na5 fó Suécia he a remora , mas também
alguns Pritieepes do mefrao Império , que
naõ querem gente armada nosfeos Eftados.
Doreskenko General dos CoíTacos rebeldes,
ajudado de Tártaros e Turcos , deo huma
grande rota aos de Polónia , com que di-
zem fe acha o Reyrio em igual confterna-
çaô> e com o exercito do Turco afledian-
do a mais forte praça das fuás fronteiras.
Tem feito grande ruido neíla Corte hu-
ma nova mandada deíTa pela Núncio , e ou-
tras peíToas de authoridade, em que fe re-
fere que no noíTo Reyno hà grandes fedi-
çoens e motins , por naõ fey que propoftas
do Miniftro de França, em que fe falia em
guerra contra Hefpanha , e reftituiçaõ de
ElRey D. Affonfo. Efperamos com ancião
çorreyo de Lisboa, que nos tire defte cuida-
do , que íbbre tantos outros na5 he peque-
no. Lembre-fe Deos da índia , do Brazil, e
de tudo , e a V. Excellencia guarde muitos
ánnos como dezejo , e havemos mifter. Ro*
ma 10 de Setembro de 1671. j
No
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 401
No correyo paíTado pedi a V. Excel-
lência favor para a preterição de certo Mi-
niftro de Nápoles ; mas he tal a íiitileza Ita-
liana , que me advertio a peíToa intcreíTada,
que a diligencia do mayor Miniftro de ou«
tra Coroa, fefoíTe conkecida, podia fazer
mal ao negocio. Reprezento a V. Excel-
lencia efte efcrupulo ^ por iffb mefmo efti-
marey mais o bomeffeito, que torno a pe-
dir a V. Excellencia com o mefmò enca-
recimento.
Crcado de V. Excellencia.
António Vieyra.
Tom, /.
Eee
ÊAR-
40^
CÁ R T A S
^il
CARTA CXVIII.
Âo Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Nao
me diz V. ExcellencU quanto tenha
ajudado o Veraõ os medicamentos:
e defte filencio de queixas infiro , e inter-
preto a grande melhoria ou inteira faude
que dezejo, e de que dou aV. Excellencia
o parabém.
Efte cprreyo nos livrou do cuidado em
que nos tinhaôpofto as novas da noíTa Cor-
te, que deíTa fe efpalhaõ , as quaes eufem-
pre tive por falfas ou muito duvidofas, ad-
vertindo, que nem na carta doRefidente ,
nem ná minha fazia V. Excellencia menção
de tal couza , com que a Secretaria de V.
Excellencia naõ aquiftou pouco credito com
os primeiros Miniftros , que avizados do feo ,
quizeraõ informar de nos.
Emfim ; p'arece que o exercito de Alema-
nha vay defenganando os que onaôcria5,
ou moftravaõ defprezallo, e fócom fe avi-
zinhar
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 403
zmhar às fronteiras, tem feito levantar os
citios de Groeninguen e Maftrich, ficando ef-
te fomente bloqueado, e liavendo-fe paíTa-
do Turena ao Rheno com íuas tropas , pa-
ra que juntas com as de Munfter , e Coló-
nia efperem os defignios das Impefiaes, e
lhe façâõ oppofiçaõ : entre tanto Orange
fe eftabelece , e os povos o ajudaõ a def-
fazer a Republica e nome de Eftados.
Se V. Excellencia ouvir dizer que o Pa-
dre Vieyra pregou em Roma em lingoa Ita-
liana , naÕ condene V. Excellencia a teme-
ridade , porque elle a teve por tal ,• refillio
fempre , naÕfó a os empenhos de grandes
Senhores deita Corte, mas aodezejo, ein-
ftancias do feo Geral , o qual , por ultima re-
foluçaq,, lhe pôs obediência que prègaíTe ,
refpondendo a todas as íuas objecçoens :
que lhe mandava, que fe deshonraíTe a fi,
o deshonrafle a elle , e deshonraíTe a Compa-
nhia^ eaffim ofis* Deos guarde aExcellen-
tiflima Peflba de V. Excellencia , tomo o
noflb Rcyno , eoscreados deV. Excellen^
cia havemos mifter. Roma 24. de Serem-»-
bíQ. de \6yx.
Eee ij
Di-
CA R TAS
Dizem as Gazetas impreíías , que de
Portugal vem dous mil infantes em foccor-
ro de Saboya j de que creyo o que devo.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
j
CARTA CIX.
Ao Marques de G ouve a.
o defenfâdo delia ultima cartada
V. Excellencia vejo , que ou a quei-
xa dos achaques tem totalmente
cançado, ou da baftantes tregoas á guerra
taõ porfiada e importuna. Eu recebi a di-
ta carta na meíma hora em que entrava a
fazer os exercicios , que hontem fe termi-
narão com as veíperas de S. Francifco ^ e
bem neceflarios me eráõ oyto dias de me-
ditação para me naõ defvanecerem os fa-
vores , ou verdadeiramente graças , com que
V.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 40^
V. Excellcncia me honra. Vá pordiante a
faude^que he o que nos importa, e êu de-
sejo , e a mim me b afta defte mundo ter
fempre feguro o meo lugar aos pês de V.
Excellencia.
p'^' Mais cuidad® me deraõ os avifos do Con-
de de Umanes j fe lhe naõ tiveraõ taõ di-
minuida a fé as experiências dos paííados ^
com tudo hà carta em Roma em que avi-
faõ de Paris , que Chumberg paila a Portu-
gal , e que já tem partido, mas também os
Evangelhos daquella Corte naõ faõ canó-
nicos.
O termo da fufpenfaõ das armas entre
Saboya e Génova fe acabou hontem, epo-
fto que de huma , e outra parte efta5 no-
jneados Cõmiífarios para o tratado de paz ,
e que o lugar do congreíTo feja o Cafal ,
duvida-fe muito da conclufaõ , pela muita
gente de França que fe vay juntando ení
Afti , e Penharola : e intelligencias fecre-
tas, que feaíErma, ter aquelle Rey com ò
Duqtie de Mântua. O certo he que os Ge-
novezes fena5fia5, evaõ crefcendo asíuas
tropas, para governo das quaes fe chamàràÕ
os noíTos dous foldados Pefingá, e Vaniehel-
J
406 CARTAS
li, a hum dosquaes deraõ aluperiíitenden-
cia da Ribeira do Poente , ao outro adeLe*
vante.
Na mefma Génova feachâra5 eftasdias
D. Francifco de Lima , que paliará alli o In-
verno , e com a Primavera o teremos em
Roma : e o Conde de Meíquitella, que fe naõ
fabe por onde veyo, e ao prefente fica ná
Corte do Graõ Duque. Sò falta nefta Sce-»
na a alma do Marques deSande para fe in-
teirar a Tragedia.
Os dous exércitos naõ querem acabar
de aviftar-fe, como nem Polónia de unirfej
antes fe efcreve nefta Pofta, que com as no-
vas de exércitos fe começa a por em campo ,
e a parcialidade contraria na5 íe receyade
guerras civis. O Turco mandou cOrtar a ca-
beça ao General que levantou o aíTedio de
Leopólis, e fe entende quer invernar fora de
cafa
Ante-hontem vindo cm carroça o Pâr
triarca, naõ íey fe de Jcrufalem,fe de Alexan-
dria , lhe atirarão quatro arcabufadas de que
ficou mal ferido. Tinha efte Prelado o go-
verno decerto Recolhimento de Senhoras ^
huma das quês por fer herdeira de Gram ca-
fa.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 407
fa, entre ella fe reparte afufpeita defteca-
fo , que em Roma he inaudito , e de perniciò-
íiflimo exemplo.
O Cardeal Urfino eftâ muy contente
com lhe hav^erem chegado de Portugal as
íiias penfoens. He Proteótor de França, e de
Polónia , e noflb : e tem capacidade para tu-
do ^fe os intereíTes de tantas Coroas a tive-
rem para fenaõ encontrarem. Deos guar-
de a V. Exceli encia dcc. Roma 3 de Outu-
bro de 1671,
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CAR.
■■^*
4o8
CARTA S
/
CARTA CXX.
Aq Marquês de Gouveãr
XCELLENTISSIMO Senhor : Dou
a V. Excellencia as grafas pelas re^
laçoens Ultramarinas , de que yeyo
acompanhada efta ultima de V. Excellen-*
cia , íe bem a melhor de todas , é para mim
de mayor eftimaçaõ, he lograr V. Excellen-
cia a faude que lhe dezejo^ ^^^^ cuidado em
que nos pôs o Inverno paíiado.
Verdadeiramente naÕ íbu dos mais or-%
gulhozos no dezejo dos fins , pofto que le
reprefentem muito úteis : e fó finto que na
noíTa terra íe nâ5 trate taõ promptamente
dos meios, como pede a ncceflidade : nem
fou taõ amigo de companhia , que em mui-
tas matérias^ naõ teuna por mais verdadei-
ra máxima. Antes fó^ que hem a companha*
do, Ifto he o que lempre me doe, e grito
quanto poffo contra os que nos querem li-
gados contra a índia, onde he melhor ter
hum
DO P. ANTÓNIO VíEYRA. 409
huir) inimigo , que três todos defiguaes na
fè, e mayores no poder.
Se eu naÕ conhecera os arcanos de Por-
tugal , e athe onde chegaõ as chaves do feo
fegredo , confolarame com as confiderações
defte ,• mas todos os noíTos pen (amentos fa-
bem-fe primeiro no mundo que nos Confe-
lhos de Eftado ^ e ainda que eíles fahira5
muito acertados como eu prefumo , e foíTem
muito íecretos , as rafoens na5 fa5 as que
íiiftentaôos Eílados , fenaõ as execuçoens ;
e eftas nem as hâ , nem as pôde haver fem
meyos. De boa vontade trocara eu todos os
noííTos fegredos e confelhos com* que fefou-
beíTe em França , Inglaterra , e Caftella , que
tinhamos no Tejo huma muito poderoía ar-
mada, e muito dinheiro com que armar ou-
tras , e grandes exércitos, quando nos foí^
rfem neceíTarios 5 porque fó ifto caufa refpei-
to nos inimigos , e mantém o amor , ou cor-
refpondencia dos amigos. Fora o eu de to-
dos 5 e cuidara de todos que podem naõ a
fer j e fiarame fó do meo , com tal defcon^
fiança, que femprc o fora accrefcentando,
c fazendo mais feguro. Se ifto he murmu-
ração, ifto he o que murmura o meo amor,
Tom.I. FfF
-./
fl
i
i
Hf
'Ari
«^-#
410 CARTAS
tendo por companheiros todos aquelles que
com amor ou lem elle olhaÕ para as nof-
fas couzas.
Morreo o Cardeal d'Efte , com que efta5
vagos três Capellos , que feraÕ provavel-
mente de Colona^ Rofpilhofi , eCrecencio.
A guerra de Itália cre-fe que fem duvida
fe porá em paz brevemente. A de Hollan-
da depende dos dous exércitos que diftavaõ
fó huma jornada. Segredo dizem os últimos
avizos. Corre por certo que o Turco tem
tomado Maminies , chave de Polónia , e que
a Ungria com alguns foccorros do mefmo
Turco fe começava a folevar^ tendo já toma-
do alguma Cidade , e obrigado a fe retirarem
alguns prefidios do Império , que por oc-
cafiaô do exercito fe haviao diminuido. Deos
guarde a Exceli entiíTimaPeííoa deV. Excel-
lêciamuitosannoS;,comooscreadosdeV.ExcJ
havemos mifter.Roma 8 de Outubro de 1671.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CAR^
v^-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 41Í
CARTA CXXI.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO SenhoriGran-
de fuílo me cauzou efta carta de V.
_ Excellencia com as primeiras regras,
lembrado da erifipola de Lisboa. Como Deos
foy fervido que V. Excellencia livraíle ta5
brevemente , poílo que com a penfaõ de féis
fangrias , que neíTa terra he hum numero
inaudito , dou ao mefmo Senhor as graças, e
a V. Excellencia o parabém, fendo circun-*
ftancia para mim de grande eftimaçaõ , q hu-
ma e outra nova pudeíTem vir juntas no mef-
jno correyo, que he a única conveniência,
ou defconto , com que alguma ves fe fabo-
ceao as penfoens da auzencia , fabendo-fe
os males depois de paliados.
Beijo mil vezes a maõ a V. Excellencia
pelo extremo do favor com que , fem embar-*
go do achaque , na mefma manhãa foy fer-^
vido tomar tanto de bayxo de fua protec-
ção o requerimento oudefpacho domeore-*
Fffij comendado^'
411 CARTAS
c5mendado. Nem podia nefta Corte e cafa
haver para mim mayor credito que faber-fe
nella, me fas V. Excellencia taÒ particular
mercê. Os efcrupulos de que íís avizoaV.
Excellencia na fegunda inílancia , fe conver-
terão agora em dobradas eíperanças, e as pef-
foas empenhadas fe promettem o que per-
tendem com tanta fcgur anca, como fe j á o ti-
veraÕ alcançado, de que eu naõ duvido, e
o torno a fupplicar a V. Excellencia com to-
do o encarecimento ; porque cada dia cref-
cem mais as obrigaçoens que devo ao Irmaõ
do pertendente. V. Excellencia fe na5 quis
vingar de mim , e eu o faço com o Sermão
inclufo , que taÕ pouco merece os portes,
Mandou-me o Padre Geral que prègaííe em
Italiano , e naõ baftaraõ as minhas ta5 jufti-
ficadas reíiílencias para que menaÕ puzeíle
obediência^ e o peyor he^que fendo efte o pri-
meiro , naõ querem os Eminentiílimos que
feja o ultimo , e jà me tem intimado duas
Capellas , em que fe ajunta o Sagrado Col-
legio , podendo ter por agouro quererem ou-
vir huma lingua barbara.
Polónia eftâ quafi occupada pelo Turco_^
c a bom livrar, ficará efte com duasProvin-
% cias
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 415
das de Polónia e Ucrânia, confinantes por
liuma parte com os feos Eftados , e pelas ou-
tras três com a mefma Polónia , Alemanha ,
e Ungria ^ e dahi com paíTo aberto para Itá-
lia. Começa efta vizinhança a dar grande
cuidado em Roma , c fe fizer aõ jâ varias con-
gregaçoens deEftado, em que mais fe reco-
nhece o perigo , do que fe acha o remédio.
Falla-fe em Bulia da Cruzada, quehemeyo
fobre pouco eíFedivo, geralmente mal acei-
to. Alguma peíToabem grande fey eu , que
põem os olhos na retirada de Portugal, eme
comunicou eíle penfamento , naÕ de zomba-
ria. Se he o primeiro que o dis , naõ fera o pri-
meiro que oprediíTe. O certo hequeefteac-
cidente fará mudar a fcena a toda a Europa.
Deos guarde aExcellentiíTima PeíToa de V.
Excellencia como eu e os creados deV.Excel-
lencia havemos mifter. Roma 22 de Outu-
bro de 1671*
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR-i
414
CARTAS
v^
GARTA CXXII.
Ao Marques de Gouvea.
XCELLENTÍSSIMO Senhor: Com
toda a alma íinto as queixas que nef*
ta ultima leyo da pouca melhoria de
Vi Excellencia. Queira o Senhor da faude e
dos tempos , que efte Inverno nosfeja mais
favorável aos achaques de V. Excellencia
que o paíTado , e que V. Excellencia poíTa
trocar o merecimento da paciência com o
da acçaÕ de graças que faõ as que eudeze-
jo poder dar ao mefmo Senhor , totalmen-
te livre defte cuidado. Hoje chegou avizo
da íufpenfaõ de armas entre Saboya e Gé-
nova , com duas viólorias ultimas dos Saboy-
ardos. Parece que fe pôs a balança da repu-
tação em equilíbrio , e pendendo para aquel-*
la parte a inclinação delRey de França , en-
tende Itália íe fará a paz com as condições
do feo refpeito, fem fe attender aos ápices da
<a«
Huma efquadra Franceza de fete ou oy to
navios
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 41T
navios fe começou a empenhar na alturadeLe-
orne, a entrar dentro no porto para queimar
algumas nãos Olandezas que alli fe achavaõ
deíarmadas -, mas fendo avizado o Graõ Du-
que , venceo com razaõ ecortezia o que pa-
recia principio de mayor rompimento: efe
cõfervou aimmunidade daquelle porto,o qual
com tudo fe fechou e reforçou de armas ,
e vio-ilancia , e affim fe continua.
As mas novas de Polónia continuaò com
a certeza de fer tomada Leopolis , e d'ElRey,
je Rainha (de cuja retirada fe falia) naõ há
couza conftante ; e iílo he tudo o que fe ou-
ve por eftas partes , deixando o novo cami-
nho dos dous exércitos pleiteantes , e a nova
marcha do Princepe de Conde a Lorena ,
de que V. Excellencia terá mais vizinhos e
certos avizos. Guarde Deos a V. Excellencia
muitos annos con* a inteira faudeque a Sua
Divina Mageftade peço em todos meos facri-
^"ficios. Roma 5 de Novembro de 1671.
Creado de V. Exc.
António Vieyra.
Ci;m
CAR^^
4i<J
CARTAS
CARTA CXXIII.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Na5
quero cjue V. Excellencia me mande
encobrir a noticia de feos achaques ,
porque a quem ama edezeja tanto a inteira
íaude de V. Excellencia mais o afflige a íiií*
penfaÕ e cuidado , que as mefmas noticias»
Sirva-fe V. Excellencia de interpretar o fer-
viço de S. A. e zelo da Pátria , mais a favor
da mefma Pátria e do mefmo Princepe. Se os
ares de Lisboa prometterem , como parece,
maisfaude que os de Madrid , reftituafenos
V. Excellencia àquella Corte , pois íerá mais
útil 5 ainda ao bem publieo , viver V. Excel-
lencia mais livre de queixas nella , que pa-«
decer tanto neíTa ,• e aífim creyo que o de-
vemos reprefentar a V. Ejçcellencia , eque**
rer todos os que fomos creados de V. Ex-
cellencia. Os dous exércitos de Alemanha
e França, parece, que fe naõ querem aviftar,
nem que faiba o mundo feos intentos , cora
tudo
^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 417
tudo fe tem por mais provável , que o de
Alemanha fe encaminha à Lorena , para on-
de partio o Princepe de Conde. Se o acci-
dente de Cadiz ( como fe aviza de Génova )
he verdadeiro , nao poderá deixar de dar no-
vos motivos ao rompimento que aqui fe te-
me edezeja variamente.
As armas de Saboya e Génova eftaÕ fuf-
penfas , e a Paz no arbitrio de França , a
qual começa a eftar mais bem viíla nefta
Corte , porque promette introduzir nas con-
diçoens a vidoria de dous pleitos , que a Re-
publica tinha com a Igreja fobre o Inqui-
íidor e Arcebifpo.
As couzas de Polónia promettem alguma
melhoria j os ComiíTarios daquelle Reyno ti-
nha5 ajuftado com o Turco deixarlhe Ka-
minies , e as duas Provincias de Ucrânia,
remido jà o fitio de Leopolis com certa
fuma de dinheiro-mas na5 quis aNobreza Po-
laca ratificar o tratado, e querem profcguir
a guerra com juramento de uniaõ e fideli-
dade a ElRey , e cominação de perda de of-
ficio e eftados a todos os que contravierem
a efta refoluçaõ , havendo-fe logo cortado
a cabeça a hum que a quis refiftir 5 comtu^
. T<>m. L Ggg dq
4i8 CARTAS
do feguiaõ ainda o partido contrario, mais
de quarenta cabeças , com que fe temem no-
vos tumultos. Os últimos a^izos dizem cue
o Turco fe paílava a ajudar os rebeldes .de
Ungria , e haverá mais que recear defta
parte.
Os noííos novos Prefidentes fó faÕ aquel-
les que logrará a paz , e poderáÕ quietamen-
te adminiftrar juftiça 5 fe bem me efcreve
algum grande Miniftro, queandavaõ entre
mãos embrioens de tal expedaçaõ , que fe
chegarem a fahir a luz , também faremos
papel notheatro do mundo. O certo he que
nos dá baftantes cabellos a occafiaÕ , fe fou-
bermos tecer as tranças. Deos guarde a
Excellentiffima PeíToá de V. Excellencia,co-
m.o o Reyno , e os creados de V. Excel-
lencia havemos mifter. Roma 19 de No-
vembro dé 1671,
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 419
CARTA CXXIV.
Ao Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Mui-
tos dias há que naõ recebi carta de
__^_^ _ V. Excellencia , que totalmente me
alliviaíTe o cuidado , como a defta Pofta. Dou
infinitas graças a Deos , que parece quer con-
feíTemos fó a elle a divida da faude de V.
Excellencia, e na5 ao tempo, de cujo be-
neficio a efperavamos , e aífim fera mais fe-
gura.
Aqui naõ ha novidade fenaõ he eílar
S. Santidade muito bem difpofto , havendo
oytenta e três annos : fegunda feira fes con-
fiftorio em que fe efperava o provimento dos
três Capellos vagos -, mas entende-fe , que
efpera que fejaõ mais , e que o na5 enga-
nará a efperança.
Hontem à noyte deixey ungido o Con-
;de de Mefquitella fem nenhuma efperança
Gggij à^
4io CARTAS
de vida, perdidos os fentidos e movimen-
to muitas horas, mas hoje amanheceo ref-
titiiido a tudo , e com grandes indicios de
vida , pofto que os médicos, hum dos quaes
he Miguel Lopes, a naõ feguraõ de todo.
Veyo da índia por terra athe Alexandria ,
d'alli a Malta , e de Malta a Marçelha , don-
de encaminhou a Génova, e tendo paflado
por Florença chegou aqui com febre dia da
Conceição , e da cama le tratava hontem de
o levarem á fepultura , que elle naõ quis no-
mear, nem fazer teílamento , porque naõ
tem de que. O Refidente o aíTifte com gran-
de cuidado , e todos os Portuguezes fazem
o mefmo , exceptos os mais ricos.
De Portugal feefcreve com grande aíle-
veraçaõ aliga comeíTa Coroa , e com Olan-
da , mas como V. Excellencia no correyo
antecedente ao paflado me difle o naõ fabia ,
nem queria faber , pofto que fe referem faõ
inuy aceitáveis , em nada lhe dou credito. O
certo he que as couzas de França fe vaÕ pon-
do em taÕ diíFerente eftado, que podem ani-
mar feos oppofitores, que he nova razaõ
de eu os naõ confiderar taõ liberaes ,• mas
os empenhos faõ taõ grandes , e a fortuna
tao
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 42Í
tâo varia , que fempre aceitará quem pu-
zer em feguro o feo partido. O que eufo-
bre tudo dezejo , he que as influencias do
inverno, pois faõ taó benéficas, fejaõ mui-
to confiantes , e que V. Exceílencia ouça
os vilhancicos de Madrid com o inteiro gof-
to e faudc que a V. Exceílencia dezejo.
Deos guarde a Excellentiflima Peffoa deV.
Exceílencia como os creados de V. Exceí-
lencia havemos mifter. Roma X7 de De-
zembro de 167 z.
Creado de V. Exceílencia,
António Vieyra.
CAR-
42i
CA R T A S
CARTA CXXV.
Ao Marques de G ouve a.
XCEL lentíssimo Senhor : Tar-
dou efte correyo cinco dias mais do
_____ que coftuma , e melhor fora naÕ ha-
ver chegado, pois me havia de tirar o gran-
de contentamento , que com as novas do
paíTado tinha recebido. Emfim , Senhor ,
èu as naõ efpero já feguras de Madrid , e
nenhuma couzâ tanto dezejo , como ver reP
tituido a V. Excellencia á noíTa Corte , es-
perando da fegunda natureza dos feos ares
o que a primeira deíTes nos promettia. Vi-
ver he o que importa a V. Excellencia , a
feos creados , e à Pátria , cuj-os intereíTes
com eíTa Coroa , e com nenhuma outra po-
dem pezar tanto como efte. Aceyte V. Ex-
cellencia efta propofta como de hum taõ
antigo »reado da cafa de V. Excellencia , e
de hum coração taõ obrigado , e taõ fiél , e
porque naõ há couza nova defta banda de
que poder avizar , íirva-fe V. Exççllencia
V . de
"^âSSifiÉlHatt»
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 413
<3e receber eftas regras como memorial , e
dcfpachallo como peço, pois tanto impor-
ta. Deos guarde aExcellentiíTima Peffoade
V. Excellencia muitos annos como dezejoy
e os creados de V. Excellencia havemos mif-
tir, Roma ultimo de Dezembro de 1.671. '
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXXVI.
y^o Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : A
carta que recebi nefta Pofta ^ pare-
_ cerepofta daqueefcrevi na paííada,
em que inftantemente pedia e proteílava à
V. Excellencia a mudança do clima ^ mas
como elle tempera o rigor com que athe-
gora tem tratado a faude de V. Excellencia,
naõ me fica lugar , fenaõ de pedir a Deos
^ a con-
CARTAS
a continuação da melhoria, e admirar o ex-
ceíTivo e generoíiííimo zelo com q a magna-
nimidade de V. Excellenciafacrificaaobem
da Pátria, eferviço do Princepe, o que ncfta
vida excede todo o preço , e naò pôde ter
outra remuneração no mundo que a gloria
de obrar aíTim.
O modo da morte do Marques de Ma-
rialva me laíliitiou mais , que a mefma mor-
te. Aqui o lemos m.uitas vezes nas gazetas
de Génova e Ancona paílado a Caílella ,
fegundo de lá efcreviaõ , por defgoftado. Se
aííim fbííe na5 feria a primeira ves , que a
força defte toxico produziíTe femelhantes
efFeiros ^ mas o Medico Miguel Lopes , que
hoje eftâ em Roma, me diíTe , que o cu-
rara em huma ultima enfermidade de que
lhe prognofticára femelhante acidente ,
fe naõ fe preveniíTe com outros remédios.
O primeiro dia defte anno amanheceo
da mefma forte morto o Cardeal Gualtieri,
e em menos de dous annos fe contaõ féis
Cardeaes mortos por eftemodo, efaõ jades
os que S. Santidade tem enterrado , cuidan-
do todo o Conclave quando o elegeo, que fe-
ria elle o primeiro.
Corre
DO P. ANTÓNIO VIEYRA 42;
Cerre que Babilónia eftâ tomada do Períia-
nof mas também fe imagina que hc fama
eípalhada pelo Graõ Vizir , como coftuma,
para defcuidar os Princepes Chriftaõs. Tam-
bém fediíle eftes dias, que Charleroy efta-
va tomada pelo Princepe de Orange , aju-
dado com íoccorros e artelharia de Flan-
des í mas as cartas de BruíTellas que chega-
rão hontem , defafrontaraõ os Franeezes
defte íucceffo , e mortificarão naõ pouco
aos Caftelhanos , que cantavaõ a viétoria
como íiia.
Hontem me avifáraõ de Florença , efta-
va renovada em Portugal a antiga liga com
França , que eu naÕ poíTo crer ,• mas fe eftes
faõ os embrioens em que fe me fallava , bem
podem temer-fe monftros. Deos guarde a
Excellentiflima Peflba de V. Excellencia, co-
íno os creados deV. Excellencia havemos
mifter. Roma 14 de Janeiro de 1671.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
Tom» /.
Hhh
CAR-
:Í>
4i6
CARTAS
^0 Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : NaÔ
he novo em V. Excellencia honrar-
me em tudo , nem as minhas cartas
podem receber mayor honra, quedizer-me
V. Excellencia lhe faõ de allivio. O certo
be , que fe como nellas fe treílada a alma ,
fe pudera com ellas infundir afaude, jáV.
Excellencia a naõ veria de longe , que he o
que eu fobre tudo finto.
Aqui fepaíTa tremendo, os frios fa5ri-
gorofiílimos , e os remédios , ainda que na5
faltaõ , também faõ danofos , a quem os
naõ hacoílumado. A paz de Génova fetem
por concluida , mas ainda naõ eftâ firma-
da , e os Genovezes no mefmo tempo vaõ
alliftando Efguifaros , e Grifoens , e licenci-
ando todos osfoldados Francezes, que mi-
Htavaõ em feo ferviço.
Jà avifey a V. Excellencia , que aqui cor-
reo
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 427
reó^qua Gharleroyeftava tomada pelo Prin-
cepc de Orange com foccorro dâs tropas de
Flandeá , governadas por Mareim ,• nova que
também Te teve por certa em Paris , com
notável confternaçaõ daqueila Corte , co-
mo de lá efcrevem os mefmos Francezes.
TriunfavaÕ em Roma os vizinhos de V.
Exceliencia , mas depois que fe foube a ver-
dade do fucccflo , elles choraÕ , e os Gall-os
cantaÔ.
Agora fe diz , mandou ElRey de França
huma refoluta embaixada à Rainha Catho-
lica, com declaração de guerra , no cafo em
que o Governador de Flandes haja dado o
dito foccorro por ordem fua j e quando naõ,
o dito Governador feja logo removido do
pofto c^m as mais demonítraçoens, que pe~
de a temeridade do cafo, que affim lhe cha-
maÕ.
Os Alemaens eftaõ aquartelados , as
pontes fobre o Rheno e rios vizinhos ro-
ías, e o dinheiro de Caftella e Olanda ,
como dizem os Italianos, bebido. As cou-
zas de Polónia peyor que nunca , porque as
diíTenfoens interiores tem chegado a rom-
pimento com fangue de ambas as partes ,
Hhh ij e o
4^8 CARTAS
e o partido de EiRey antes diminue , que
crefce. Os Suecos/e entende,efta6 com Fran-
ça e Brandenburg obrigados a acodir ás fron-
teiras , e defemparar outras partes do feo
Eftado , onde os Bifpo de Muníler lhe há
occupado proximamente alguns lugares.
Ifto he tudo o que fe paíTa cm Roma, pe-
los avizos mais authenticos. Deos guarde
a Excellentiflima Peffoa de V. Excellencia,
como o noílo Reyno , e os creados de V.
Excellencia havemos mifter. Roma 28 de
Janeiro de 1(^73.
Crcado de V. Excellencia.
António Vieyra.
GAR.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 419
CARTA CXXVni.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor: Hon-
tem chegou o correyo, e hoje par-
te ^ a demaziada tardança fazia jà
íuípeitar que o teriaõdeívalijado alguns fal-
teadores Francezes , como fizeraõ eftes dias
á outro deíTa Corte , que hia para Alema-
nha j mas eu depois que li a carta de V. Ex-
cellencia , entendi que tardara , porque me
trazia taô boas novas. Eftimo quanto na5
íey, nem poíTo encarecer , que as queixas
de V. Excellencia tenhaõ ceflado j e ainda
que o tempo , e os medicamentos tenhaõ
íiia parte nos bons eíFeitos dafaude, eu dou
toda a gloria , e todas as gra:ças ao Author
de todo o bem.
Os vizinhos de V. Excellencia andaõ
por eftã banda muito cabiícaidos , pofto
que fazem quanto podem pelo diíTimular ;
antevem e temem o rompimento , e nefte
theatro do mundo lhes dâ mais cuidado a
reputa-
4^0 CARTAS
reputaça5 , ainda que o iia5 faibaõ enten-
der , nem dizer. Também vejo que luta a
neceflidade com a foberba, e que efta cof-
tuma cahir , e aquella nao pode vencer.
Sermos nos as remoras dos lèos impulfos ,
também o exprimentamos , porque fempre
fe doem defta parte , e ainda que lhe queira-
mos fegurar o contrario,naò nos daõ credito.
Em Roma fe vaõ continuando as feftas
do Carnaval com mais concuríb a ellas ,
que às quarenta horas. Eu preguey fobrc efte
affumpto nas de S. Lourenço em Damafo
antehontem , com taõ pouco fruto em Italia-
no, como fera em Português no Sermão de
Cinza , que faço no noíTo S. António. Aflif-
tiraõ no de S. Lourenço dezanove Car-
deaes ; e para que V. Excellencia veja por
quaÕ Português me reputaõ os vizinhos de
V. Excellencia, notou-fe, que faltarão os da
facçaô Hefpanhola , podendo mais com o
Eminentiílímo Nidardo as razoens do pre-
fente Minifterio , que as da antiga irman-
dade. Naõ he efta a primeira ves , que con-
feíTo a V. Excellencia os meos efcrupulos,
ainda que he hum peccado refervado , eque
ío fio do figillo de V. Excellencia j e V. Ex-
cellencia
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 431
çeilencia mç dará a abfolviçaõ. Deos guar-
de a Exçeílentiffima Pefloa de V. Excellen-
da muitos annos , como Portugal , e os
creados de V. Excellencia havemos miíler.
Roma 1 1 de Fevereiro de 1673.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CARTA CXXIX.
j4o Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : Dou
a V. Excellencia o parabém da no-
mina do Senhor Duque Inquifidor
<jeral , a qual naÕ deixará de fer confirma-
da em Roma por falta de Capellos vagos,
pois fao jâ três nefte anno os que fe acreA
centaraõ , e em menos de cincoenta dias^ít
outros dous que eftavaÕ por prover , e fe-
- gundo
43^ CARTAS
gundo as poucas elperanças, com que algutis
Eminentiílimos fe achaõ, de longa vida , na5
Earece que fe contentara a morte de aca-
ar oannofem tornar a avizar o Sacro Col-
legio. Eu ainda que naõ prego efte annoo
Mandato , tenho algumas duvidas fobre o
Cum dílexijfet fuos , pofto que a faude , e ro-
bufta difpoíiçaõ do Pontifice promettem que
.naõ ÍQYZoInflnem y ante dtem feflumP af chie.
Com tudo antes de termos efta nova de Lis-
boa ^ me diíTe o noflo Reíidcnte , que Iheti-
nhaÕ dado, oupromeflas, oufeguras efpç-
peranças. As defta terra na5 merece tanta fé,
como a ííia fe períuade. Os Princepes dos
arcanos o fabera5 melhor , que eu fó fallo
pela boca do vulgo , e fem ter rcgateira na
praça Navona.
Naõ fey em que fe fundarão os temores
de eftar Amfterdàm rendida , porque faõ
muito diíFer entes as novas , e íiippoíiçoens
com que daquelk banda , e da meíma Fran- j
ça fe efcreve. O certo parece que he , ha- *
verem os Francezes roto a guerra na índia
com os Olandezes , e occupado hum Caf-
tello e porto na Ilha de Ceilaõ , tendo nos
primeiro adoçado efta irrupção das noílas
Con-
DO P: ANTÓNIO VIEYRA. 433
cenquiftas com a falfa nova de havermos
recuperado Cocliim.
A efte ponto chega acarta de Génova, em
que fe dis por mayor haverem alli chegado
avizos do Norte pouco favoráveis ás armas
de França , e naõ fe oflerece de prcfente ma-
téria a que fe applicar eíla noticia , fenaõ
ao exercito de Turena , que fabemos fer
partido em foccorro de Munfter fobre hu-
ma Praça citiada pelo Marques de Brandem-
burg. Eu fico muito atrazado na faude, e
com poucas efperanças de a recuperar nefte
clima, porque ha muitos dias, que o efta-
mago me naõ logra alimento porexceflbde
friojmas em quanto durar a vida,eftou fempre
ao ferviço de V. Excellencia com o mefmo
coração. Deos guarde aExcellentifliinaPeP'
foa de V. Excellencia muitos annos, como
Portugal , e os creados de V. Excallencia
havemos mifter. Roma 25 de Fevereiro de
1(573.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra,
Tom. L
lii
CAR-
434
CARTA S
CARTA CXXX.
jáo Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor: Já os
correyos com afua menor tardança
nos trazem melhores novas das ne^
vcs, que por eílas bandas em algumas par-
tes chegarão a igualar as ruas com os telha-
dos , com tudo as naõ vimos nefta Corte ,
como neíTa onde o frio, ou a frieza hema^
yor.
A difpofiça5 que os Médicos chama5
neutra , quizera eu antes para a convalecen-
ça do noíTo Reyno que para a faude de V.
Excelência. Naõ fó o Conde de Humanes
pela fua parte , mas também os^Miniftros
Francezes pela fua , ouço que nos receitaõ
inftantemente o contrario , mas as conje-
duras prefentes nos promettem pás com to-
dorsos que perfuadem a guerra a quem tem
taõ pouco com que a fuftentar.
A 14 do mes paíTado entrou Inglaterra
em Parlamento, taõ folicitada da amizade
dos
DO P. ANTÓNIO VlEYRA. 435
dos Olandezes, como de mutua Religião;
e fe entende que por eftes dous intereífes,
alem do geral, naõ vira aquelle Reynoem
dar o dinheiro neceflario para as deípezas
da nova Armada , naõ eftando França em ef-
tado deoííipprir,- com que osdousReys ou
daraõ , ou aceitarão as condiçoens à que os
obrigar a neceíTidade.
Polónia íe vay difpohdp à unia5 e defe-
za , mas vagarofamente : e o Turco , fegun-
do referem os avizos de Veneza, fabrica
em toda a parte o mayor poder naval , com
que jà mais as íuas armas fe viraõ no mar.
Teme-fe muito áSicilia, que também com-
íigo naõ eftâ pacifica. De alguma das nof-
fas Ilhas ckegaõpor câ novas, que querem
indiciar o mefmo ; mas com a mudança,que
dizem , de Confeííbr e Medico fe fararà tudo
em corpo e alma. Envejo aV. Excellencia
a quarefma de Madrid , porque aqui fe ou-
ve todos os quarenta dias o mefmo Prega-
dor. Tireme Deos a paz e falvo de hum
SeraÕm Italiano que heyde fazer a femana
que vem , à Rainha de Suécia , ctijò extraor-
dinário efublime génio fefatisfáz mal , ain-
da do que naõ he ordinário. Deos guarde
lii ij a Ex-
43(í C A R T AS
a Excellentiflima PelToa de V. Excellencia
como dezejo, e os creados de V. Excellen-
cia havemos mifter. Roma ii de Março de
1^73- f - ^
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXXXI.
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Com
grande diíEculdade poífo fazer eftas
breves regras , pela pouca faude com
c]ue fico ,• mas naõ he bem que falte eu á
minha obrigação , em quanto de todo me
naõ falta a yida,
* Sobre o negocio do recommendado de
V. Excellencia falley logo ao Refidente ,
que
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 437
que me difle eftava pofto em via , e en-
tendi o tinha tomado tanto à fua conta ,
que naõ quer tenha outrem o merecimento
em fervir í*o gofto de V. Excellencta. Nif-
to lhe acho muita razão , e eu também fi-
zera o mefmo , fe com os documentos da
matéria o pudera folieitar ; mas fem elles
nao fey que faça mais que ratificar de no-
vo aos pès deV. Excellencia queeftoufem-
pre a elles para obedecer , e feguir as or-
dens de V. Excellencia em tudo o que V.
Excellencia for fervido mandar-me j e ifto
fem nenhum efcrupulo , porque fey que o
aíFedo eTheologia de V. Excellencia fe a-
cofta fempre às opinioens mais prováveis.
Da faude e vida da Senhora Rainha de
Inglaterra li hontem em huns avizos da-
quella banda muito ruins novas 5 mas naõ
devem ter fundamento , pois mas naõ dà
Duarte Ribeiro. As de Polónia faõ fó dos
preliminares dauniaõ, àque fempre accrc-
fcem dificuldades. O Turco aífifte aos re-
beldes de Ungria , e os Aftrologos Italia-
nos naõ aíTeguraõ delle efta fua terra j e
também parece que fallaõ na noíTa , e na
Ilha Terceira. As pazes de Génova com
Sa-
438 C A R T AS
Saboya fe haviaõ de publicar hontem ce-
dendo a Republica em alguns pontos do ho^
norifico , por confervar o de França. Deos
guarde a V. Excellencia muitos annos co-
mo dezejo, e os creados de V. Excellencia
havemos mifter. Roma ij de Março de
1(573.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXXXn
Ao Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor: Bem
creyo da falta de carta minha no
correyo paíTado , inferiria V. Excel-
lencia ficar eu em eftado que o nao pode-
ria efcrever^ eaffimfoy, porque ainda hoje
faço eftas regras na cama, para onde me trou-
xeraõ em braços hà dezoito dias , ferido na
cabeça.
DO p. ANTÓNIO VíEYRA. 439
cabeça, e eftropeado de huma perna, por
haver cabido de noyte por huma efcada de
pedra, com grande perigo da vida^por fer
defcendo e de rofto,com todo o pezo do cor-
po , e dos meos annos. Mas a Deos graças,-
depois dos coftumados martyrios , jà me co-
meço a levantar fobrebumas muletas. Ago-
ra me receitaõ os ares de Albano , donde
me recolherey em quanto, ou quando naã
permittirem mais auzencia e mais allivio
as mutaçoens de Roma.
A morte de Pedro Fernandes Monteiro
fenti , porque o merecia o feo zelo , e tam-
bém o que falta em muitos. Os finaes de
predeftinaçaÕ com que acabou, naÕ baftaráõ
contra as lingoas dos que invejaõ a heran-
ça de feos filhos , a quem fe prognofticaÒ
euftofos pleitos com a Fazenda Real. Ao
Conde de Caftello-melhor avizaõ, que na
hora da morte fizera huma folemne decla-
ração e proteftaçaÕ de liia innocencia por
meyo do Padre ConfeíTor. Naõ fey fe baila-
ra efte teftemunho para o tirar de Turim ,
onde feacha bemvifto, mas faudofo deíiia
Cafa. Os dias paílados efcrevi a V. Excel-
lencia que no antecedente fe publicara a pás
de
44^ CARTAS
de Génova com Saboya; mas na5 foy aflGim ^
porque fe dilatou athe fabbado ij do cor-
rente. Elles naõ eftaõ fatisfeitos por alguns
pontos de reputação , nos quaes julgarão de-
viao fatisfázer mais a ElRey de França ,
que ao Duque. Na pás de Olanda fe falia
muito, e fe cre a dezeja5 todos os interef-
fados , e naÕ menos os vitoriofos. Só os po-
bres Catholicos de Inglaterra tem jà a guer-
ra declarada c nomeadamente os Jefuitas.
Polónia eftâ quieta, e ElRey reconhecido ,
mas naõ parece que em termos de fahir efte
anno em campanha contra o Turco , de cu-
jas armas efcrevem grandes apparatos os Ve-
nezianos , e no refto da Itália he mayor o
receyo, que a prevenção. Eftimarey que efte
correyo nos traga muito melhoradas Jnovas
de faude de V. Excellencia , que he o que fó
me dá cuidado d'alèm dos Pirineos. E Deos
nos guarde a V. Excellencia muitos annos
como o Reyno, e os creados de V. Excel-
lencia havemos mifter. Roma 27 de Abril
de 167^.
Creado de V. Excellencia.
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 441
CARTA CXXXIII.
Ao Marquês de Gouvea.
OM grande cuidado e alvoroço eA
pêro efte correyo, entendendo que
jà me poderá trazer a dezejada no-
va dos bons efFeitos que os Médicos prome-
tiaõ á inteira faude de V. Excellencia na
cura da Primavera , que porefta banda tem
fido mais quente que frefca.
Com o ultimo Extraordinário dcfta Cor-^
te fe tem accrefcentado a confufaõ , e naõ
vencido as difficuldades, que cada dia faÕ ,
ou fe fazem mayorcs contra a breve expe-
dição , ou declaração dos dous Capellos.
Garregaõ-fe as defculpas fobre o Marques
de Aftorga , e também fe affirmaõ occultas
influencias de muitos poderofos Miniftros de
Hefpanha. Prefume-fe que ifto fe quer dila-^
tár.athe que haja cinco Càpellos vagos, com
que juntamente fefatisfaçaõ as cbrigaçoens
Tom, /, Kkk da
44i CARTAS
da Cafa Rofpilhofi , e as do novo parenta-
do da Cafa Colona, a quem eftá prometti^
do, e os ferviços e merecimentos de Mon-
fenhor Crefcenti Meftre de Camera de Sua
Santidade, que geralm,ente fe efp era fera feo
fucceíTor. Ós Embaixadores de Hefpanhae
França, como taõ intereííados nefta promo-
ça5,fe unem fortiíTimamente no requerimen-
to delia , e fe vifitaõ frequentemente com
larg as conferencias.
Publicada em França e Inglaterra a
Guerra contra Olanda , vay-fe paliando aqui
e paíTar-fe-hà todo o Mayo em difcurfos e
prognofticos doííicceiro, que nem todos af-
leguraõ aosauthores. Tem-íe por certo que
lhe nao faraó embaraço as armas do Empera-
dor , e qu;e eftas tcraõ aíTás que fazer na reíií-
tencia do Turco, cujos defignios fe naô co-
nhecem athegora com certeza, porque as dif-
fenfoens de Polónia parece que o convidaô
áquella parte , e as obrigaçoens e intelligen-
cias daUngria e Croácia , parece , o naõ cha-
maõ menos a efta. Os avizos de Veneza
€oncorda5 em que tem feito ponte fobreo
Danúbio , e que vay marchando para Bel-
grado com oytenta mil Cavallos e fetenta
mil
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 443
mil Infantes, a quem feguirà^ Graõ Viíir
com o reftante do exercito qtie fe forma^
em Andrinopoli.
Suppoem os Italianos que aproveitan-
dofe Portugal da occafiaõ^recuperará a índia,
mas quando ouvem que partirão para làfó
três Nãos , e que naõ ha dinheiro , dizem
o que nao refiro por naõ moleftar mais a
V. Excellencia. Eícrevem de Lisboa que te-
mos lá facçoens de Cabelleiras , e Golilhas.
Deos nos conferve na pàs que nos deo e a
V. Excellencia guarde Deos muitos annos,
Roma 7 de Mayo de 167^.
Crcado de V. Excellencia.
António Vieyra,
Kkk ij
GAR-
;^*i'^.^.>i>í' 'fry ^■ '
444
e A R T A S
CARTA CXXXIV.;
y^o Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSÍMO Senhor: Eal-
tey com carta afemana pafladapor
_____ eftar fora de Roma em lugar oade
naõ tive por quem a pudeííe remetter. Era
eíte Albano, muy accr editado pela bondade
de feos ares , e onde a mayor e melhor par-
te da Corte vay lograr eftè beneficio nos
dias da Primavera, mas para mim na5 hà
mudança em que experimente melhoria ,
porque fempre me levo comigo.
Efta mefma experiência me eníina o re-
putar por menos eíEcâs a mudança de Ma-
drid a Lisboa, que eu tinha por único re-
médio àfaude de V. Excellen cia. Sinto que
o achaque teime tanto a repetir , qwe naõ
baftem tantos auxilios da medicina ao ven-
cer, e feja V. Excellencia obrigado atirar
fangue ; e fó me confola , que nos princí-
pios da Primavera o que he remédio , pode
íer juntamente prevenção.
Em
"^^^
/ DO P. ÂNTrONIO VIEYRA. 4^3
" Em Roma naõ há noTidade 5 teméo-íè
grande, a femana palTada., porque S. Santi-
dade fe achou mal, de modo ^ que naõ pode
dar a bençaõ em dia da Afcençaõ , masho-
jà e amanhãa aíTiftirà já a todas as funções
defta Solemnidade.
Para a nomeação de Gapellos fe efpera-
va foffem mais que os cinco , e fe temefe-
J2L o primeiro o do Cardeal Brancacio, que
ÍBca fobre 81 annos doente, e recahido.
^ De Polónia naõ ha mais que a perfever
rança da uniaõ 5 mas duvida- fe queeftean-
no poflaõ fahir em campanha. Trinta mil
combatentes com que o Mofcovita os man-
dava aíTiftir , dizem for aõ desfeitos pelo Tár-
taro, e que o Turco vay reforçando as fuás
tropas. No poder naval naõ fe falia , e fe
alliviaõ os receyos com a máxima daquelle
Império em naõ emprender duas guerras no
mefmo tempo. Em Alemanha fe armaõ to-
dos osPrincepes; naõfefabem os intentos;
fervem as negoeiaçoens. Tem-fe por certo
o cazamentodoEmperador com a Princefa
Infpruch , e que fará a viagem com gran-
de rodeyo por naõ paflarpell as terras de ou-
tro Princepe.
ElRey
'if «I
44<í CARTAS
ElRey de França já fica em campanliít
e o Princepe de Conde em Utrecht. Tem-
fe por mais provável que fera atacada al-
guma praça deFlandes, e tanto mais fe cre^
quanto dizem aqui os Gaftelhanos que em
Cádis fe fazia reprezalia em toda a prata da
frota pertencente a mercantes Francezes.
Também ouço que os dous Reys fazem no-
vas inftancias na noíTa Corte pelo rompi-
mento com Caftella. O certo he; que algum
de feos Miniftros deo hum memorial ao Pa-
pa fobre o provimento do Bifpado de Ceu-
ta , em que nos tratava ta5 indecentemen-
te, e com tais íiippoíiçoens na linceridade
da pás , que naõ fera muito de eftranhar
termola por fofpeitofa , e tratarmos os vi-
zinhos como declarados inimigos ,• mas niÂ
to naõ nos dizem nada de novo. Deos guar-
de a ExcellentiíTima Peffoa de V. Excellen-
cia muitos annos , como dezejo , e o noíTo
Reyno, e os creados de V. Exccllencia ha-
vemos mifter. Roma IO de Mayo de 1^73.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CAR-
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 447
CARTA CXXXV.
Ao Marques de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Na5
quizera que a faude de V.Excellencia
fofle neutra ; defte género , e por efte
meyo fe pafla ao fim que tanto dezejamos
e havemos mifter. Supra Deos o que athe-
gora naõ pode a medicina, pois o merece
a finezq, com que V. Excellencia eftima
mais o bem d^a Pátria que ô du faude , e quer
antes a paciência, , que a mudança. Ouço
que fe acoafeiha êfta aV. Excellencia com
todo ò amor e eficácia , ífíâS eu me naõ
quero retratar de fer mayor generofidade
fèrvir aos Frincepes qíie obedecer aos Pays,
pofto que he o diótame da Senhora Mar-
queza que eftâ em Lisboa , c do mais fiel
creado que V. Excellencia tem \tm Ro-
ma.
Aqui fe fes agora promoça5 de quatro
Cardcaes
448 CA IV^T A S
Cardeaes, Nerli, Florentino,que eftava Nún-
cio em França, Caftaldi, Genovês, Thezou-
reiro da Camera Apoftolica , Cafanati, Na-
politano Secretario da Congregação de Bif-
pos e Regulares , Bafadoni, Veneziano, Pro-
curador de S. íylarcos , que foy Embaixador
nella Corte, nefta, e na de Inglaterra,- to-
dos alfim Italianos ^ ficando o quinto Ca-
pello m peElore , e naõ fendo , neni haven-
do fer para Portugal, pofto que os preten-
dentes daquelle Reyno fe deixarão facil-
mente enganar na crença, ou cfperàn^ado
contrario. :^}f'^ ' -•- >
Sentemos Callelhanos por cà, que em
Madrid fe feguiíTem votos de paz , que os
Francezes igualmente eftimaõ e celebraõ,
promettendo-fe a ultima vidoria de Olan-
da, que fera o principio da fua guerra. Peyor
he fó , que bem ou mal acompanhado. De
Polónia e do Turco ainda naõ hà couza
certa , mais que os ruins vaticinios > que
coftwma pronietter a pouca uniaõ e pouco
dinheiro. Deos proveja deftes dousfòcorro^
ao noflío Reyno, donde feefcrevem muitas
couzas em contrario , e a V. Excellencia
guarde, como dezejo, e o mefmoReyno, e
os
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 44S^
os creados de V. Excellencia havemos mif-
rer. Roma 17 de Junho de 1673.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXXXVI.
^0 Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Mui-
tos dias hà me naõ alegrarão tan-
to as cartas de que V. Excellencia
me fas mercê, como efte efcritinho de 31
de Mayo , todo de dentro e fora da maõ de
V. Excellencia , que parece hum grande re-
greflb da inteira íaude , e de V. Excellencia
eftar reftituido áquella antiga diligencia,
e robuftêz , com que depois de haver vifi-
tado todo o hofpital , às oyto horas da man-
hãa em menores dias que os d'agora , tinha
V. Excellencia defpachado por maõ pro-
Tom. L LU pria
41o: CARTAS
pTÍa a fnayor parte do correyo. ijiy :^i
Neíle foube que mandara Y. Excdlcn-^
cia requerer a graça do Chantrado de Évo-
ra para hum filho da Senhora CondeíTa de
Santa Cruz : e também V. Excellencia ha-
verá fabido as grandes diligencias e em-
penhos , que ainda defta Corte fe fazem pe-
lo mefmo beneficio. V. Excellencia fem-
pre obrou com menos trabalho , e mayor
eíFeito , porque applica , e fe ferve dos inA
trumeoíos mais proporcionados , como V".
Excellencia fez neíla occafiaÕ , em que ef-
pero prevaleça o refpeito de V. Excellen-
cia a todas as outras negocia-çoens : as que
cõubèraÕ na minha esfera , foraõ , apontar as
razões da preferencia^e incomparável excello
delia y com tudo o mais , na5 fendo neceflaria
muita eloquécia para o períuadir, e o d go pa-
ra que feja prefente a V. Exc. que naõ falto à
minha obrigação , nem me he neceíTario nas
matérias do ferviço de V. Excellencia outro
arvizo , que a noticia deíle.
Aqui começa5 a chegar as primeiras
flores da Campanha, que querendofe co-
lher em Sans de Gante , por fe haverem def-
cuberto certas intelligencias , íe paíTou o
exercito
DO P. ANTÓNIO VIEYR A. 4f^
exercito d^ElRey Chriftianiffimo a Maflrich
menos bem prefidiado efte anno , que o
paffado , e com manifefto rifco , fe neíía
Corte , e na de Viena fe naó derretem os
gelos da frialdade Alemaa
Das Armadas navaes fabemos que fe
combaterão em Oftende aos fete do paíTa-
4o , e que durou aquella batalha deíde o
meyo dia athè às oyto , em que fe viraó
arder, e voar alguns Navios , porque o ven-
to os hia amparando; efe entende, que nó
<lia feguinte tornariaõ a provar , ou conti-
nuar fortuna. Dentro em quatro dias fe ef-
pera aqui hum Embayxador de Mofcovia.
De Polónia e Turco naõ ha mais que
preparaçoens. Deos guarde a V. Excellen-
cia muitos annos , como o Reyno , e os
creados de V. Excellencia havemos mifer.
Roma o primeiro de Julho de i(>73»
Creado de V. Excellencia.
>
António Viçyra.
LUij
CAR-
4J1
CARTAS
CARTA CXXXVII.
y^o Marquês de Gouvea.
XCELLENTISSIMO Senhor : NaÕ
fou taõ defvanecido , que cuide, me-
[^ rece a minha faude o cuidado de
V. Excellencia , mas fou taõ experimenta-
do na mercê com ojue V. Excellencia hon-
ra a efte creado feo , que naõ duvido to-
da a dcmonftraçaõ que V. Exc. he fervido
fignificarme. Dè Deos a V. Exc. a inteira
faude que eu dezejo , que tudo o mais im-
porta pouco. Nem o retiro de Albano, nem
outros divertimentos me ajudaõ a reparar os
dous princípios da vida , em que fempre
me vejo mais atrazado, naõ podendo dor-
mir, nem lograr o comer ,• com que de no-
vo me receitaõ os ares de Nápoles , que
por ferem deíTa Coroa , naõ fey fe me fe-
raõ mais favoráveis • mas ainda naõ fey o
que fera em quanto eftamos nos mezes em
que fe naõ pôde entrar , nem fahir de Roma.
Aqui
DO ?• ANTÓNIO VIEYRA. 453
Aqui fe ficaõ dando batalhas fobre o
Chantrado de Évora , cm que no fegundo
correyo foy foccorrido hum filho do Con-
de de Villa Flor com huma carta, em que
S. A. ordena ao Refidente o peça para ellc
em feo nome , com que fe fulpendèraõ to-
das as armas do noflo Reyno, aíTiftidâs po-
derofamente de quantas Purpuras ha em
Roma , empenhadas as mais delias por in-
tercefTaõ defla Corte : e ifto he tudo o que
poíTo dizer a V. Excellencia fobre efte ne-
gocio , em que o Refidente , como já ef-
crevi , fe moftrou taõ fervidor de V. Excel-
lencia , que naõ quiz deixar parte de me-
recimento aos creados que V. Excellencia
aqui tem.
». Também ouço , porque o naõ fey por
-via mais authentica, que cedo hirà a S. A.
hum Breve extraordinário para que íe coroe 5
fó me havia dito o Refidente por vezes ,
que S. Santidade áq motu próprio lhe fal-
lava niíToj e me declarou mais o dezejo e
conveniência da cooperação. E que me di-
rá V. Excellencia a correr em Roma , que
ElRey Carlos II. caza com a Princeza de
Portugal , allegandofe exemplos , de que os
def-
4J4 CARTAS
defpoforios fe podem celebrar em taõ. pou-
cos annos ? Eu naõ pergunto a V. Excel-
lencia eíle arcano , porque o naõ creyo ,•
mas íè V.Exc. mo perguntar , quem fe nomea
^por author defta grande obra , podello-hey
dizer a V. Excellencia , e quando tenha
qualquer fundamento , direy também o que
íinto.
Se V. Excellencia tem mais certas no-
ticias do íiicceíTo das três batalhas navaes
que aqui chegaõ por Flandes, e França, li-
vrará V. Excellencia a Roma da mayor
confufaõ , em que íe viraõ as duas parcia-
lidades ,• fe bem a de França , com as hof-
tilidades contra Génova, fempre vaydimi'*
nuindo entre os Italianos. Em quanto íe
naõ confegue o fim de lançarem os Reali-
'ftas gente em terra de Zelanda , ou Olan-
da, fe eftaõ de melhor partido os Olande-
xes , ainda que fe queimem Rui ter e Tromp.
Polónia mal armada como dantes. No Tur-
co athègora naõ fe falia, como o anno paf-
"fado. As Galés de Malta tiveraõ huma vi-
doria, em que tomáraõ quatro Navios , e
outros quatro muito ricos. Agora me di-
zem, que Schomberg he paíTado a Ingla-
terra
DO P. ANTÓNIO VIEY RA. 45^
tó^ra F^ara governar as armas t^rreftresíiem
Zelanda , ou Olanda ,. com qiae parece íeef-
pêra poderfe fazer o defemb arque. D eos guar-
de a V.Exeellenciâ muitos annos, como deze?
jo , eos creados de V. Excellencia havemos
mifter. Roma II. íq Julho de 167^^ 'D
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
CARTA CXXXVlIlJ
^0 Marquês de Gouvea.
EXCELLENTISSIMO Senhor : Hon-
rem chegarão aqui dousPad resAr-
rábidos , dando de cordonaços às:
mutaçoens de Roma , que me deraõ muito
particulares e melhoradas novas da faudc
de V. Excellencia, cora as quaes me tinhaõv
aíTaz fubornado , fe eu fora Miniftro da
Con-
Gongregâçaó , aonde vem bufcar taõ cali-
ficaràa juftiça. Eu me oíFereci afervillos em
quanto por mim , e pelos amigos preftar ,
como farey , e devo em tudo o que V. Ex-
tellenciâ for fervido ordenarme. Jà neíTa
Corte íê crera , que ElRey de França ci-
tiou, e rendeo Maftrich em menos de quin-
ze dias. Todos os Italianos que eftavaõ den-
tro , e os Cabos Hefpanhoes morrerão , e
depois que ficáraõ fó os foldados Olande-
dezes , lendo mais de quatro mil , naõ po-
de o Governador , matando mais de vinte,
obrigallos a que fizeíTem cara ao inimigo,
e aflim fe rendeo. Eftes faÕ os valentes que
nos tem em feo poder Mina , Ceilaõ , Ma-
laca , Côchim , e tudo o mais. Naõ fey fe
baftarà efte exemplo , fobre o de Pernam-
buco e Angola, para que os conheçamos ,
e nos conheçamos , e naÕ queiramos , que
das vid:orias de França fejaõ os mais ricos
defpojos os noíTos. Jà naÕ poíTo refponder
ás injurias que aqui fe dizem contra nós ,
nao ficando de fóra os vizinhos de V. Ex-
cellencia com terem mais apparente defcul-
pa. Os Polacos , como fe aconfelhàra5 com
numa terra que eu fey, naõ "fazem nada na
fua
DO P. ANTÓNIO VÍEYR A. 457
fua. O Turco eftâ jâ com grande exercito
em campanha , efperaõ-fe as novas que íè
podem efperar • e aqui fe vive , e bebe frio
alegremente • eílamos em vefpera de Santo
Ignacio , dia muito occupado nefta Caza.
Deos guarde a V. Excellencia , como deze-
Jo , e os creados de V. Exceilencia , e o
noÁo Reyno ha miíler. Roma 30. de Ju-
lho de 1^73.
Creado de V. Exceilencia.
António Vieyra.
CARTA CXXXIX.
y^o Marquês de Gouvea.
\ XCELLENTISSIMO Senhor : Ha
muitos dias me falta o coftumado
favor de novas de V. Exceilencia^.
«comparando a nolTa Corte com adeMa-
^ Tom, h Mmm drid,
^58 C A R TA S
<âí'íd , neíla diíferença naõ lhe acho outra ^
que a de fer Corte em Cortes , e por iíTo eu
também com advertência (e naõ defcuido)
me tenho abílido em alguns correyos de to-
mar o tempo a V. Excellencia , que fup-
ponho muy occupado em confelhos , pois
naõ acabaõ de fahir as refoluçoens , que tem
fufpenfa a expedaçaõ do mundo.
Efte noíTo goza felicilTima paz , e naõ
fe fabe o nome a temor , nem a guerra ,
mais que quando chegaõ os correyos do
Norte 5 em que athegora a tem embargado
os gelos , pofto que com duas fangrias , hu-
ma cm Borgonha, outra no Palatinado, de
que naõ correo muito fangue.
A Génova fe pedem ainda de França os
Artilheiros , que conftantemente fe negaõ.
No Turco naõfe falia. Kaminies eftà ci-
tiada pelos Polacos , e apertada em tal for-
ma , que por horas fe efpcra a fua recupe-
ração. Neftemez, éfcrevem,fe fará a elei-
ção de Rey : e que athegora moftraõ ter me-
lhor partido o Duque de Lorena^ e o filho
do Princepe de Conde. A coroação (Ie:S.
A. fe efpera e dezeja , c fe prognoftica^ ,
que fera com aufpicios de clemência^ baP
tándo
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 459
tatido por caftigo a alguns delinquentes ha-
vello merecido. Ao Senhor Bifpo Conde ,
fe ainda he hofpedede V.Excellencia, bei-
jo mil vezes a maó , e Deos guarde a Va
Excellencia. Roma 7. de Abril de 1674.
Creado de V. Excellencia
António Vieyra,
CARTA CXXXX.
Ao Marquês de Gouvea.
-W~^ XCELLENTISSIMO Senhor : Hu-
1-^ ma carta que li defte correo, diz ,
JLv que fervçm neíTa Corte os Confe-
Ihos de Eftado • e efta occupaça5 , junta com
a da continua affiftencia do Paço , creyodô
a caufa de me faltarem ha tantos dias no-
vas de V. Excellencia. Nunca tanto as he
z.êjey , nem tanto as houve mifter , porque
Mmm ij de^
CARTAS •' Oa
depois que V. Excellencia me fez mercê
dizer , achara Lisboa convertida em Baby-
lonia, todas as confufoens que de lá fe es-
crevem , fe me fazem criveis ; e fendo tan--
tas e taes ^ que excedem toda a fé , bem
conjeduro qual fera em todas as matérias
o voto de V. Excellencia, mas temo mui-
to, que naõ fejafeguido, pois todos os avi-
zos vem cheyos de queixas , e dilaçoens , que
faõ melhores para temperar achaques, que
para farar enfermidades agudas , e de fim.p-
tomas taõ perigofos , como por cà fe pu-
blicaõ. Os que V. Excellencia n' outro tem-
po chamava vizinhos , nos promettem pou-
cos mezes de vida, e os que agora faõ vi-
zinhos de V.. Excellencia nas reílricçoeos ,
e mifterios com que fali ao , parece que re-
ceyaõ o mefmo. Sirvafe V. Excellencia pe-
k mercê que V. Excellencia me coftuma
fazer, naÒ de communicarme os arcanos
facrofantos, mas de mandarme participar
ó que diz a regateira de V, Excellencia,
que fempre fera mais , ou mais certo , do-
que moíirao faber os noífos Míniílros deJP
tas bandas. '^rul^í .nr':y fl:?: rH ,V ?,h .'^- "
■ Das guerras e pazes do Norte terá V»
\. :-:^ Ex-
í!>í
DO P. ANTOMIO VÍEYRA: 461
Excellencia mais freícas noticias das que
aqui chegaõ todas as femanas. As de Le-
vante faô fempre incertas , e affim fe diz de
novo, que o avizo de haver o Turco meti-
do íoccorro emKaminies hefalfo. D'ElRey
de Polónia naõ ha ainda refoluçaõ. Accref-
centa-fe aos oppofitores de França e Lo-
rena , e Brandeburg o filho do Moícovita
com grandes partidos, hum dos quaes he
fazer-fe Catholico. Daqui foy algum dinhey-
ro (naõ muito) tirado das decimas dos Ec-
clefraílicos , entrando também os Reguia-
res , que para efte fim fe lhes impuzera5 de
íiovo. O Embayxador de Veneza reclamou
pela fua Republica. O de Génova eftà já
accommodado com França , defiftindo El-
Rey da pretençaõ dos bombardeiros , e
mandando reftituir a gale a Marfelha , em
que fc efpcra triunfante Monjenhor Du-
r^azzo, Correo eftes dias , que D. Domin-
gos de Guzman fo-ra morto em Bolonha de
hum arcahuzaçoj agora fe começa a dizer
que fora fal fo j mas he coftume nefta terra
matarem os homens nas Gazetas , e avifos
putlicos ou fecretos , quando naõ querem ,
ou naõ podem vingar- fe de outra maneira.
A O
.1 - Ç A R TAS
O Papa nao fó vive, mas eftà para viver
muitos annos.
A Raynha de Suécia eftà mal tratada
de huma queda, e eu fou ta5 defcortès ,
que nao fuy á fua antecamera faber como
eftava, fendo paliadas três ou quatro fema-
nas ,• o que naò digo fem myfterio , por cer-
ia allufaõ de huma carta que recebi nefte
correyo^ e folgarey que lá fe fayba , que
pofto que fiz todas as prégaçoens , naõ acei-
tey o titulo , nem provifaõ , nem beijey a
maõ àquella Mageftade , nem fiz ado , pe-
lo qual me pudèfle obrigar ao reconheci-
mento do feo ferviço o mais efpeculativo
Jurifconfulto ; falvo fe algum efperava , que
euUie déíTe conta da obediência dos meos
Prelados. Se à V. Excellencia chegou algu-
ma noticia da allufa5 que digo, e a mim
me nao declaraõ , eftimarey muito faber o
fundamento, porque eu Ihanaõ acho, nem
de fado. &c. Deos guarde aV. Excellencia*
Roma 21, de Abril de 167^.
CreadodeV. Exc
António Vieyra.
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 4^^
A Senhora D. Maria Henriques , iílo he,
Irmãa do Torre, me mandou agora rega-
hr com huns doces à Portugueza por eu
andar indlfpofto, acompanhando o mimo
com hum efcrito de muito má letra , -em
que me pede o favor de V. Excellencia fo-
bre huma revida de certa demanda de feo
Irmaõ , que eftà em maõ dos Dezembarga-
dores Joaò Carvalho de Maris , e Joaõ de
Roxas de Azevedo. V. Excellencia pela mer-
cê que fempre me fez nefte Tribunal , fe fir-
va ampararme nefte. foborno , defórte que
naõ fique obrigado á reftituiçaõ , e para
que V. Excellencia incline ília piedade a fa-
vorecer a caufa, accrefcenta aíupplicante,
que ametade do procedido que lhe perten-
ce, a tem dedicado ao dote de duas fobri-
fihas, que quer meter freiras, enefta terra
daõ melhor conta de fi , que em Beja. E
íobrc tudo me guarde Deos aV. Excellen-
cia. Segredo na forma do memorial, que fo-
bre três fentenças conformes, efpero que
tenha juftiça.
CAR-
¥4
G A R T Ã S
CARTA CXXXXI.
jdo Mar
vea.
XCELLENTÍSSIMO Senhor : Por
certo que naõ faberey fignificar a
V. Excellencia os eíFeitos que cau-
fou na minha alma efta carta de que V. Exr
cellencia me fez mercê , efcrita em 14 de
Abril , havendo tantos dias que fe tinha def-
continuado efte favor , nunca interrompido
em quanto V, Excellencia efteve em Ma-
drid. Os ares de Lisboa, bem fey que me
naõ faõ propicios , mas também me tem en-
íinado a experiência, que a benignidade do
animo de V. Excellencia na5 fe muda com
os climas.EaíIím me fícafó lugar defentir,que
a câufa defta diíFerença feja a que V. Ex-*
cellencia tem padecido na faude : quererá
Deos que asagoas de Afpaâ com a^ entrada
da Primavera tenhaõ obrado os milagres
que os Médicos promettia5 da fua taò ce-
lebrada virtude ^ mas também tenho ou-
vido
À
DO P. ANTÓNIO VIEYRA, 4^5
vido que fóra da terra do feo nafcimento
naõ coílumaõ ter tanta efficaciar A nova
Raynhâ de Polónia, Franceza de Naçaõ ^
tem tal propriedade , que concebendo na^
quelle Reyno , para que fe lhe logrem os par-
tos , hade vir a parir á França. E pois fal-
Jey em Polónia , quero pagar á regateira
de V. Excellencia de quem fempre naõ fó fuy
devoto, mas devotifíimo às fuás frutas no-
vas, de que V. Excellencia foy fervido fa-
zerme participante , muito diíFerentes das
que por cá fe vendem,
. Eftamanhãa chegou Extraordinário de Po-
Ipnm , contra a efperança de todos os avi-
fos, que aos 20 de Mayo fora eleito por
Rey o General Sobieíchi com univerfal ap-
plaufo, vencendo as invejas da ultima vi-
í^oria que teve contra os Turcos, e os em-
penhos de todos os Preteníores , que era
iHim Irmaõ d'ElRey de Dinamarca , Hum
filho do Eleytor de Brandemburg , e ou-
tro do Princepe de Conde , e com ma-
yor partido que todos, o Duque de Lore-
na , naõ fatiando no de Parma , em cuja
coroação eftava muy empenhada a Caza Bar-
berina. A Irmaa do Emperador que fe ef-
Tom, L Nnn perava
"iWHiiBWJÍOTWi^^rtaiKWWWM»*»"--*
í* í .iwv »«j<SíH?wíflSt»*5(fn*'' ■
4^^ CARTAS
perava cazaffe neíla eleição , tornará , fe-
gundo fe crè, para Viena, onde ella naô
fera muito applaudida , porque Sobiefchi
por aíFedo e benefícios, he todo Francês ;
mas cera Polónia a Coroa na cabeça de.
hum grande Toldado , bem neceflario con-
tra os exércitos do Turco , que unido com
o Tártaro campeava fem refiftencia. El-
Rey de França , quando fe cuidava hiria fo-
bre Flandres , enveftio a Franche-contè ,
onde entrou nos primeiros de Ma y-o , pon-
do íitio a Befançon , que athegora fe defen-
de galhardamente. O Conde Caprara por
carta que aqui efcreveo a hum feo Irmaõ ,
como hum dos Generaes do Império , pro-
mette introduzir foccorro a viva força, fem
embargo da oppofiçaõ do Marifcal de Tu-
rena, prevenido por ElRey para lhe impe^
dir o paíTo. De Flandres para onde partio
o Princepe de Conde , fe naõ ouvem athego-
ra mais que bravatas. Vi carta de peífoa
fidedigna , em que fe referia haver dito o
Conde de Aírentar,que a Liga fe achava com
cincoenta mil cavallos.Tr5p c Ruiter tinhaò
partido a embarcarfe na Armada , que fobre
hum grande numero de Vazos grandes , leva
mai$
^
DO P. ANTÓNIO VIEYRA. 4^7
mais de cento menores para o defembar-
que. Naõ fe fabe onde defcarregará o ra-
yo, qae fe entende. fera de pouco efteito
em' qualquer porto de França. De Nápo-
les/Sicilia, e Sardenha partem as Galês a
aiuntarfe com as do Duque de Torfis em
Barcelona, c dizem os antigos vizinhos de
V. Excellencia, que eftas com as demais,
em numero de trinta e cinco, encorporadas
com a Armada de Cádis , e outros Navios
Olandezes citiarâò Colibre por mar , mar-
chando por terra o Duque de S. German
com vinte e oyto mil infantes , e oyto mil
cavallos. Se aífim hc , bem terá que fazer o
Conde, ou Duque deSchomberg, mas pa-
rece a forma do apparato mayorque o no-
me da empreza. O Papa eftà para abrir c
fechar a portado Anno Santo, e ifto he tu-
do o que poíTo dizer a V. Excellencia def-
tas partes , fendo muito mais as novas que
pudera dar de Lisboa. O noífo Refidente
dà a entender que S. A. fe coroa , e affim
o li em huma carta fua 5 e com ferem eítes
fegredos ta5 públicos , na5 mereço fer par-
ticipante delles : e accrefcentava a dita
carta, fera fem duvida, ainda que nenhuma
Nnn ij outra
así8 CARTAS
mera o diíTeffe, e antes o contrario. Ao
Senhor Bifpo Gonie ,:meo Senhor , beijo mil
vezes a maõ , e me alegro de que os achaques
de S niuftrilíma fejaõ os que mais aiiegu-
raõ ambas as raixes da vida. Deos guarde
a V. Excellencia muitos annos , como elte
Reyno, hoje mais que nunca, e os creados
de V. Excellencia. havemos mifter. Roma
3. de Junho de tá74'
Creado de V. Excellencia
António Vieyra.
FIM
do PrimeiroTomo.
iJl-
i
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